Yasashii Nihongo: o japonês "descomplicado" para os estrangeiros no Japão

Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd
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5 min readApr 24, 2018

Há um tempo, presenciei uma cena no metrô de São Paulo que me fez refletir sobre como nos comunicamos com os estrangeiros que estão visitando ou trabalhando em nosso país. O estrangeiro perguntou para um brasileiro “Estação Anhangabaú?”. E o brasileiro respondeu “Você faz baldeação na próxima estação, vai pra linha vermelha e pega sentido Barra Funda”. Como intérprete e tradutora, fiquei pensando que deve existir até brasileiros que nunca usaram a palavra “baldeação” na vida! Será que não poderíamos ter facilitado essa comunicação apontando para o mapa do metrô e usando palavras mais simples? O Japão, por sua vez, tem pensado nessa necessidade de melhorar a comunicação do dia-a-dia com os estrangeiros que vivem ou estão passeando no país.

Em Tóquio, muitas ações para melhoria da experiência do turista têm sido realizadas, ainda mais com a aproximação das Olimpíadas de 2020. Com os 24 milhões de turistas que visitam o país anualmente, além de uma população de mais de 2 milhões de residentes estrangeiros, um dos desafios é a comunicação do complicado idioma japonês. E neste contexto, o termo Yasashii Nihongo, que é um japonês escrito ou falado de forma simplificada para um fácil entendimento do estrangeiro, tem ganhado destaque na mídia e nos debates acadêmicos.

Apenas para se ter uma noção da complexidade do japonês, a própria palavra Yasashii pode ser escrita de duas maneiras, tendo dois significados diferentes: 易しい (fácil) e 優しい (gentil, bondoso). Logo, a expressão Yasashii Nihongo, além de ser um japonês "descomplicado" (se é que isso é possível!) e mais fácil de ser entendido por alguém que está no nível iniciante dos estudos tem, em sua origem, um sentimento de gentileza (o famoso omotenashi) por parte dos japoneses no tratamento dos residentes e turistas.

Esta expressão foi utilizado pela primeira vez como um termo técnico no contexto do Grande Terremoto Hanshin-Awagi, em 1995, que deixou 6.434 mortos, mais de 40.000 feridos e destruiu 250.000 casas. As informações de alerta, comunicados e instruções eram todas feitas em inglês ou em japonês tradicional, gerando dificuldades para os estrangeiros que não falavam muito bem nenhum dos dois idiomas. Iniciou-se assim, um debate sobre a necessidade de se usar um japonês mais amigável e simples para momentos de desastres naturais.

No entanto, o uso desse japonês simples precisa ser cada vez mais estendido à vida cotidiana dos estrangeiros no Japão, visando uma melhor ambientação e uma vida mais tranquila, ao menos em termos de comunicação.

Ao ver um estrangeiro, muitos japoneses se apressam para falar em inglês, mesmo não sabendo falar muito bem. Mas, na realidade, muitos preferem uma comunicação em japonês, desde que seja de forma pausada e simples. Segundo pesquisa do National Institute for Japanese Language and Linguistics, dentre os mais de 2 milhões de residentes estrangeiros no Japão, 44% compreendem inglês, enquanto 62,6% conseguem falar pelo menos um pouco de japonês para se virarem no dia-a-dia.

É inegável a existência de um esforço muito grande para a tradução de materiais de instruções para momentos de desastres, guias de convivência no bairro, regras de descarte de lixo, etc. A maioria desses panfletos e manuais são traduzidos para o inglês, coreano, chinês, português e espanhol, mas é quase impossível realizar as traduções para todos os idiomas daqueles que imigraram ou estão visitando o país. E dentro desse contexto, uma das soluções é o uso do japonês Yasashii, para uma conversação simples e direta.

Estabelecimento tradicional com menu em inglês.

Para isso, estão sendo realizadas, por todo o país, diversas aulas e workshops para que os japoneses usem esse japonês simples. Existe uma preocupação muito grande na cultura japonesa de não faltar com respeito ao próximo. Por exemplo, para indicar respeito ao interlocutor que está hierarquicamente acima de você, ocorre o uso das formas honoríficas chamadas de keigo (linguagem polida de respeito). São verbos e expressões idiomáticas diferentes do uso mais coloquial. Nesse caso, pode ser direcionadas ao seu chefe, professor ou cliente em uma loja. No entanto, é preciso atingir um nível quase fluente do japonês para se conseguir compreender e utilizar o keigo com maestria e isso acaba prejudicando uma conversação direta e clara.

Por exemplo, ao entrar em uma loja de doces japoneses a atendente que oferece uma degustação do produto usaria palavras polidas e de respeito, como por exemplo, お召し上がりください(omeshiagari kudasai) ou ご試食いかがですか (goshishoku ikagadesuka). Porém, em nenhum desses casos, se usa um dos primeiros verbos que se aprende no início dos estudos de novo idioma, que é o verbo “comer” (食べる — taberu). Será que o ideal não seria falar 食べてください (Tabetekudasai — coma, por favor)?

A estratégia é falar de forma direta, sem usar o japonês rebuscado e polido, construindo frases mais curtas e simples. Com o cuidado de não infantilizar o estrangeiro!

Para possibilitar essa interação o Yasashii Nihongo Tourism Kenkyukai desenvolveu dois broches: um pra indicar que o turista prefere falar em japonês simples (esquerda) e o outro para indicar que o residente japonês está ciente de falar em japonês simples (direita).

Broches indicando o apoio ao "Japonês Simples” (Foto: Yasashii Nihongo Tourism Kenkyukai)

Uma das ações para melhorar a experiência dos estrangeiros no país é o News Web Easy (https://www3.nhk.or.jp/news/easy/), um site de notícias da NHK que fornece conteúdo escrito com Yasashii Nihongo e com furigana (escreve-se a forma como se lê um kanji). Inclusive, este site tem ajudado muitos estudantes de japonês ao redor do mundo a lerem notícias escritas no idioma.

Como explica Isao Aori, professor da Universidade Hitotsubashi, a sociedade japonesa precisa parar de enxergar os estrangeiros como uma “válvula reguladora” da economia, na qual ocorrem contratações nos períodos de bonança, para fazerem os trabalhos 3K (kiken, kitsui, kitanai: perigoso, pesado, sujo), e grandes demissões em momentos de reversão da economia, como aconteceu em 2008 no contexto da crise financeira internacional. Considerada a sociedade mais envelhecida do mundo, em 2017, a população japonesa diminuiu pelo sétimo ano consecutivo, diante da baixa natalidade. Com esses desafios o Japão precisa ver os estrangeiros residentes como apoiadores do país, que pagam os seus impostos e trabalham duro contribuindo para o desenvolvimento do Japão.

Morar em outro país é o sonho de muitos brasileiros, mas a vida cotidiana é norteada por muitas angústias e incertezas, ainda mais em um país com uma cultura tão específica e que só em 2017 registrou mais de 2.000 terremotos. O dia-a-dia não é nada fácil. Nesse contexto, uma comunicação amigável e gentil, que acolhe esses estrangeiros na comunidade, pode ser a chave para o Japão continuar crescendo economicamente e ganhando espaço como país multicultural.

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Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd

Intérprete e Tradutora de Japonês ❤ E também ecomista e mestre em história econômica!