Afinal, existe uma fonte ideal para os textos na internet?

Cicília Oliveira
Koodari
Published in
4 min readSep 19, 2022

Qualquer pesquisa rápida nos principais buscadores oferece milhões de resultados para o leitor curioso ou o designer profissional, mas a resposta não é tão simples assim, e, spoiler: chega até a ser um pouco frustrante.

Obter a fonte perfeita, que colabore com uma leitura fluida e rápida para qualquer um e em qualquer tela, do desktop ao mobile, ainda é um sonho distante e, talvez, distorcido, mas é muito importante que a busca pelas melhores práticas possíveis seja a ânsia permanente de todo profissional preocupado com a experiência do usuário.

Os estudos que tentam relacionar o tipo de fonte a determinados efeitos no leitor são variados e passeiam por muitas áreas da ciência, como, por exemplo, pela psicologia, em um artigo publicado em 2011, no Journal of Cognitive Psychology, da universidade de Valencia, intitulado As serifas fornecem uma vantagem no reconhecimento de palavras escritas?. A pesquisa associa a influência do formato serifado à compreensão final do leitor. A conclusão dos autores espanhóis Moret-Tatay e Manuel Perea é enfática: não há qualquer indício de que fontes com serifa facilitam a associação semântica por parte do indivíduo.

Um outro estudo, Entendendo o efeito do tipo de fonte na compreensão/memória da leitura sob restrições de tempo, em 2019, da Universidade de Nebraska, também buscou alinhar as expectativas da comparação entre as fontes Haettenschweiler e Times New Roman com o entendimento do leitor. Nesse caso específico, apesar da segunda ter mostrado resultados melhores nos testes, ainda não foi possível identificar se essa conclusão se aplicava apenas às situações nas quais os leitores tinham um limite de tempo para “degustar” os textos. Mais uma incógnita.

Em 2020, o portal UOL, no blog Meu Negócio, numa produção não acadêmica, também ofereceu dicas de fontes de acordo com cada categoria temática específica de um site: beleza, varejo, casamentos, carros, construção, decoração, restaurantes, entre outras. No entanto, o embasamento teórico para a construção dessa linha de pensamento parece um tanto subjetivo.

Nadando num mar de método vs opiniões e preferências pessoais dos designers, encontramos a análise feita pelo cientista da computação Jakob Nielsen. O cofundador da Nielsen Norman Group (NN/g), ou, segundo o New York Times, o guru da usabilidade nas páginas da web, avaliou estudos prévios de um executivo da Adobe e sua equipe. No artigo Melhor fonte para leitura on-line: sem resposta única, Nielsen repassa os critérios utilizados por Shaun Wallace durante uma pesquisa que tentou compreender os efeitos que alguns tipos de fontes causam nos leitores e, então, determinar qual a ideal para a leitura em ambientes online.

Para a realização da pesquisa, foram recrutadas 352 pessoas de diferentes idades para lerem textos de 300 a 500 caracteres. Esses conteúdos traziam uma linguagem simplificada e acessível ao público em geral. Os textos contemplavam 16 fontes ao todo, tendo, cada pessoa, acesso a 5 delas nos testes de leitura. A ideia principal era registrar o tempo que cada indivíduo levava para ler cada texto à sua disposição e, então, encontrar qual a melhor opção para se usar estrategicamente a favor da escrita para a internet.

As análises dos testes revelaram alguns resultados interessantes, ainda que inconclusivos. De fato, houve uma vencedora, a fonte Garamond, mas essa constatação não passou da superficialidade porque não foi a que permitiu uma leitura mais rápida para um número considerável dos participantes — apenas uma ligeira maioria obteve vantagem. Um outro dado interessante da pesquisa é que a fonte preferida de cada uma das pessoas envolvidas não coincidia com aquela que permitiu um melhor desempenho individual. Isso mostra que possibilitar para os usuários finais de plataformas online a customização dos textos não é necessariamente a chave para leituras mais velozes, já que sequer o próprio leitor sabe quais são os critérios estéticos que delegam para a fonte a vantagem da fluidez textual.

Seria a idade também um fator influenciador nos resultados? Nessa análise, sim. Indivíduos mais jovens leem mais rápido em comparação aos mais velhos. É possível que esse seja um resultado das naturais perdas que o cérebro humano tende a passar com o decorrer do tempo. Vale lembrar que as fontes não exercem os mesmos efeitos entre as faixas etárias: Poynter Gothic, Garamond e Montserrat facilitaram a velocidade de leitura entre os mais velhos.

Além das variações etárias, também é preciso lembrar que há muitos fatores apontados por Nielsen que dificultam a precisão nos resultados da pesquisa. Por exemplo, o número de fontes utilizadas no estudo se limitou a 16. Usar todas aquelas disponíveis oficialmente seria impossível e só ampliaria a distância entre um resultado preciso e o “caos” das informações coletadas. Há, também, os casos de fontes muito pequenas, com pouco contraste ou excessivamente “desenhadas” que, por padrão, dificultam a visualização e a distinção entre os caracteres para qualquer pessoa, em qualquer lugar, de qualquer geração.

A conclusão de Nielsen a respeito da tentativa de Wallace e sua equipe é que os resultados não funcionaram como esperado. Não foi possível encontrar uma única tipografia que ajudasse todos os tipos de leitores a ler com mais rapidez, e muitas outras pesquisas serão necessárias para se chegar a uma conclusão satisfatória. No entanto, alguns pontos ficaram muito claros: cada leitor tem particularidades que podem influenciar no modo como lê, e tentar incansavelmente achar um padrão capaz de atender igualmente a todos os públicos é desconsiderar peculiaridades do indivíduo que podem ser a chave de uma ferramenta verdadeiramente eficaz.

Talvez o estudo que frustrou expectativas do time envolvido e, claramente, do guru Nielsen, seja mais um reforço de que a experiência do usuário é um universo ainda mais complexo do que podemos prever, e definir a tipografia para leituras em tela é um processo contínuo de estudo, pesquisa, adequação e aperfeiçoamento, assim como todas as propostas que pretendem diminuir ao máximo os obstáculos que desestabilizam a fluidez em qualquer atividade do usuário final.

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