UX Writing: nada é por acaso, muito menos o texto.

Cicília Oliveira
Koodari
Published in
5 min readJun 8, 2022

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No princípio, era o verbo. E, para ser bem sincera, ainda é. O texto acompanha o ser humano muito antes da escrita, mas essa é uma outra história. O fato é que ele é vivo: pulsa, respira, se adapta, evolui, e está em todos os ambientes, servindo a todos os tipos de comunicação que existem.

Hoje, os cenários comunicativos são muito diversos, os suportes (meios pelos quais as pessoas têm acesso ao texto) se multiplicaram e as possibilidades de enviar e receber mensagens alcançaram uma eficiência completamente imprevisível. Obras cinematográficas, cartoons de décadas atrás chegaram a idealizar um futuro ultramoderno, com transportes incrivelmente potentes, carros voadores e casas flutuantes, já que o conceito de tecnologia futurística estava focado no poder da energia. Nós, enquanto sociedade, não conseguimos imaginar que o grande boom da revolução viria das comunicações.

O meio digital se tornou o principal canal moderno de troca, inclusive entre as empresas e os seus clientes. Sites, blogs, redes sociais, aplicativos. Os gêneros textuais acompanham os falantes vernáculos, e, se é em frente às telas onde passamos a maior parte do tempo, é claro que a língua está lá também.

É nessa necessidade de escrever para interagir com um público mais dinâmico e conectado, entender as suas maiores necessidades e ser, ao máximo, um agente facilitador, que surgem as ideias de enxergar a experiência do usuário (UX — User Experience) dentro das interfaces de sites e aplicativos. O termo não é tão jovem quanto parece, ele surge em 1990, através de Don Norman, um cientista cognitivo e design thinker da Apple, que já dava os primeiros passos rumo a uma área de trabalho ampla e promissora.

As variedades de subáreas em UX já são uma realidade dentro das empresas que querem criar a melhor usabilidade e facilitar a interação dos clientes com os seus canais digitais, afinal de contas, é para quem consome os produtos ou serviços que tudo deve ser pensado, desde o início. São UX Researchers, UI Designers, UX Strategists, entre outros profissionais, pensando, repensando e se moldando frente aos novos desafios.

Dentro de uma nova perspectiva, nasce, também, o conceito de uma vertente da experiência do usuário: o UX Writing. Essa especificidade valida as dificuldades e incômodos de quem usa um produto ou serviço e encontra soluções textuais para esses impedimentos. O trabalho do UX Writer é pegar na mão do usuário e guiá-lo pelas telas. Bruno Rodrigues, um dos maiores nomes da área no Brasil, ainda complementa que é a semântica, com a correta escolha vocabular, que direciona o leitor aos seus objetivos.

A teoria parece fácil e rápida, mas a prática é um pouco complexa e requer estudo, revisão e aprimoramento constante. A ideia da escrita voltada para fornecer a melhor experiência para os usuários de interfaces ganha muita força, e demanda profissionais especializados, que, além de possuírem um bom domínio do texto, estejam dispostos a empatizar com as situações que vivenciamos todos os dias, afinal, o próprio especialista é, primeiramente, consumidor.

Lembremos que as empresas são diferentes, fornecem produtos distintos e para públicos variados também. O desafio é adaptar essa comunicação para os seus suportes digitais, facilitar a usabilidade e, claro, imprimir nesse processo a personalidade da corporação.

Dentro do UX Writing não existe um padrão. Aliás, pensar em entender as dores do usuário, e com a cara da empresa, é o oposto completo de padrão. Exceto quando as situações se repetem e é possível aprender com os ciclos. Mas, mesmo essas ocasiões, são muito mais dispositivos de uso de texto que o próprio texto, como destrinchou Torrey Podmajersky em Redação Estratégica Para UX (leitura obrigatória para quem tem interesse pela área). Títulos, botões, descrições, rótulos; todos são pilares de uma construção única. É preciso um trabalho de pesquisa para entender quais as peculiaridades do seu público, quais as palavras que ele usa no dia a dia, as buscas mais comuns que faz nos mecanismos populares, os seus obstáculos, e, então, agir a partir dos dados que forem possíveis coletar.

O aspecto robotizado como as empresas respondiam aos seus clientes, seja por um e-mail, uma tela de aplicativo ou na sua página oficial é uma roupa que não cabe no entendimento do relacionamento humanizado moderno. A ideia é se aproximar ao máximo do leitor final, ser verdadeiramente útil, e entender o grau de urgência dessa comunicação.

Os usuários de aplicativos de smartphone têm necessidade de rapidez e concisão, mas, também, de usufruir de uma comunicação única, com a cara de quem interage com eles. É nessa vibe que precisam ser estabelecidos a voz e o tom da organização. Assim como nós, seres humanos, temos a nossa própria voz, mas variamos o tom de acordo com uma série de circunstâncias, os textos do meio digital também devem exprimir as mesmas características quando se comunicam com o seu público (ou quando querem conquistar novos). O aplicativo Enjoei, por exemplo, faz esse trabalho de modo criativo, empático e, sobretudo, ousado. A marca leva ao usuário uma experiência leve, rápida, direta, em concordância com o serviço que quer oferecer. iFood e Nubank seguem a mesma ideia, com bom humor e parceria na escolha vocabular.

No entanto, não se engane. Nem sempre ser despojado e irreverente é o que a sua empresa quer ou precisa. Nem sempre essa é a sua essência. E não é esse o trabalho do UX Writer. O objetivo é andar ao lado do usuário, estar disposto a tirar as pedras no meio do caminho, cumprir, da melhor forma possível, uma missão. Usar o cômico ou ser muito coloquial são apenas algumas das possibilidades.

Por essas e outras, o trabalho do profissional de texto dentro das novas plataformas está sendo requisitado com uma frequência cada vez maior. O dia a dia dentro dessa carreira inclui muita criação, revisão, edição e correção. Um time que integra designers e UX Writers em projetos entrega resultados muito mais fiéis à realidade e às necessidades de usabilidade. Ao final, o que se alcança é o aumento do número de usuários satisfeitos, clientes fiéis e parceiros das instituições.

Sim, estamos falando de uma área muito jovem e que surgiu da necessidade de existir. É justamente o nascimento da urgência que torna o UX Writing um divisor de águas no mindset corporativo humanizado e na visão de que, para que um segmento funcione, ele precisa estar atento ao modo como estabelece (e mantém!) vínculos textuais com os seus clientes.

Não existe texto neutro. A neutralidade é uma ficção jornalística. Toda comunicação, por mais curta que seja, tem um efeito, e, se não for moldada com profissionalismo e expertise estratégica, pode resultar em receita de miojo na redação do Enem.

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