Não precisamos empreender sozinhos

Fernando Taliberti
Kria
Published in
3 min readAug 25, 2020

Como você acha que podemos contribuir com nossos empreendedores?
Essa foi a pergunta do Kria que deu origem a este artigo. Minha resposta não foi muito convencional.

Acho que uma das maiores diferenças que uma rede de empreendedores pode fazer para o sucesso de cada empreendedor individualmente é facilitar que eles apoiem um ao outro, psicologicamente. Isso porque vivenciei na pele essa diferença.

Ser um fundador de startup é glamuroso para quem está de fora. O culto à startup e à sua cultura está na moda. “Matar um leão por dia” é uma expressão bastante clichê, junto com outras tantas que são usadas para expressar o trabalho do empreendedor e que o fazem parecer um herói. Elas ilustram o imaginário, mas nem de longe comunicam o que sente o empreendedor encarando todos estes desafios. A verdade é que o empreendedor é um ser humano como qualquer outro. Bom, talvez com alguns parafusos a menos que a média, mas ainda assim, humano.

E para esse ser humano o maior desafio não está em encontrar o market fit, gerenciar o runway, afiar o pitch… Está no que isso exige do nosso psicológico. Imagine conviver o tempo todo com pensamento sobre o número de dias que a sua empresa tem de caixa para continuar viva. Soa massacrante, não é?

E é difícil achar apoio psicológico adequado, ou talvez específico, para um empreendedor. Será? Minha experiência que embasou minha resposta foi que o maior apoio psicológico veio de outros empreendedores.

Empreender é uma jornada muito solitária. Mesmo para quem tem sócios, é fácil se sentir sozinho, incompreendido, desamparado. Às vezes as pessoas mais próximas de nós são as últimas com quem nos ajuda dividir nossos problemas. E é por isso que ter uma rede de empreendedores fez toda a diferença em um momento especialmente difícil da jornada de empreendedor.

Aconteceu durante a residência no Google Campus for Startups. Eu poderia dizer que o programa foi espetacular por diversos aspectos, mas o principal deles foi a rotina de troca entre os founders. Quinzenalmente nos reuníamos. Algumas vezes para trocar experiências e avanços, mas em algumas sessões, apoiados pelo Marcelo Cardoso, fundador da Chie, fomos convidados a nos integrar de maneira diferente. Para começar compartilhamos nossas histórias de vida. E ao ouvir a história de cada um de meus colegas, algo surpreendente aconteceu com o sentimento de solidão. Eu não estava sozinho. Tinha um monte de gente quase igual a mim. Com histórias diferentes, mas parecidas. Com diversas coisas em comum. Com as mesmas dores.

Nas sessões seguintes compartilhamos desafios, crenças limitantes e até constelação sistêmica. A cada empreendedor que ouvíamos ajudávamos a nós mesmos. Os desafios de um ressonavam em todos e ajudavam a todos. Falamos sobre o que era difícil, sem nos preocupar com aparências, sem precisar vender nada para ninguém. Isso é libertador e poderoso.

Foi praticamente uma terapia de grupo, transformadora. Transformou a forma como lido com outros empreendedores. Sempre gostei de me conectar com outros founders, mas após essa experiência comecei a abordar outros tópicos nesse networking. A trocar experiências não mais no nível dos desafios de negócios, mas nos desafios emocionais e psicológicos trazidos por eles também.

E como se abrir para a vulnerabilidade ajuda. Ela nos torna mais fortes, abre portas e constrói pontes, que geram frutos.

Por isso quando uma rede de founders como o Kria me pergunta como podem ajudar, logo me vêem à cabeça diversos movimentos de networking, meetups, trocas de experiências, ferramentas e práticas. Todos importantes, mas sob esta ótica, superficiais. Quem mais pode ajudar um empreendedor é outro empreendedor. Uma rede deles, ainda mais. Fica o convite. Para o Kria também, é claro. Mas se você é um founder, procure outros como você. Troque experiências, mas fale sobre o que você sentiu, sobre o que está sentindo, conte a sua história, não a da sua empresa. E ouça, é claro, o mesmo.

Não se fala muito sobre isso e essa talvez seja a origem do problema. Entendê-lo e agir sobre ele pode trazer uma transformação profunda para nosso ecossistema. Se fizer para você, estarei ansioso para saber.

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Fernando Taliberti
Kria
Writer for

Entrepreneur and entrepreneurship promoter, proud husband and father of two boys, Co-founder at Onyo/Pede Pronto, innovation and tech enthusiast, speaker, write