Sergio Sayeg e a evolução do mercado de alimentação saudável

Gabriel Ferreira
Kria
Published in
10 min readSep 14, 2022

Mesmo antes de empreender pela primeira vez, Sergio Sayeg sentia uma inquietação para construir algo. Foi isso que o fez — mesmo sob o estranhamento da família — trocar o emprego em um banco por uma vaga em uma startup. A liberdade para tirar ideias do papel e para ter uma visão do negócio como um todo foi a confirmação que ele precisava para investir na ideia de montar o próprio negócio.

Em 2014, ao lado de colegas de infância, lançou a Massau. A empresa nasceu como clube de assinatura de snacks saudáveis e, ao longo da jornada, acabou se transformando em indústria. Tempos depois o negócio foi vendido para a Unilever — e o trabalho em uma gigante trouxe novas visões para Sergio sobre como gerir uma estrutura muito mais robusta — e sobre o mercado de alimentos como um todo.

Agora, Sergio assume a missão de ser o deal partner da rodada de investimento da The Question Mark Co. no Kria. Todo seu histórico e conhecimento sobre produtos alimentícios saudáveis e desenvolvimento de mercado poderão apoiar o crescimento da empresa, gerando maior valor para o negócio — e, por consequência, para os investidores.

Nessa entrevista para o Kria, Sergio conta um pouco mais de sua jornada como empreendedor e investidor e fala dos maiores aprendizados acumulados até aqui.

Qual foi sua motivação para empreender? Como você começou?

Acredito que empreender sempre esteve no meu DNA. Gosto muito de me envolver nas atividades em que participo, ser mão na massa, ter autonomia e tomar decisões, então acho que foi natural para mim. Eu comecei trabalhando em banco, e percebi que tudo lá já estava pronto, feito. Que eu não podia sair me envolvendo com diversas áreas e tarefas, tinha que focar no “meu quadrado”. Claramente aquele ambiente não era para mim e acho que fui feliz em perceber isso logo. De lá, fui parar em um mundo completamente oposto: uma start up de e-commerce, em 2011, que vendia sapatos e roupas pela internet, quando esse mercado ainda estava engatinhando. Lembro do choque da família, por eu ter aberto mão de um trabalho em um setor convencional e da risada dos meus amigos: “olha o vendedor de sapatos ai”, “olha o sapateiro digital”.

Mas nada disso me incomodava, porque lá achei o meu lugar. Era uma bagunça! Tudo acontecendo ao mesmo tempo, mil coisas para fazer, um ambiente dinâmico, jovem… empreendedor. A partir daí não tinha mais volta, eu queria cada vez mais estar próximo do início, do começo, do momento criativo, e naturalmente resolvi seguir meu próprio caminho e empreender.

Na época eu já me encontrava com alguns amigos da faculdade para discutir ideias de negócios, mas nada de concreto saia. Um dia, um pouco frustrado com essa morosidade, comentei isso com amigos de infância. Eles ficaram super entusiasmados com essa ideia e falaram que queriam tentar algo parecido. Passamos alguns meses estudando mercados que achávamos que eram atrativos, até tomarmos nossa decisão final e fundarmos a Massau, o que seria o primeiro clube de assinatura de snacks saudáveis do Brasil.

Reportagem sobre a Massau, empresa fundada por Sergio Sayeg, na época da criação do negócio

Quais foram os principais desafios no processo de criação da Massau?

Éramos muito jovens, tínhamos 23/24 anos, então com certeza a inexperiência e falta de maturidade foram grandes obstáculos e ao mesmo tempo grandes mestres para nós. Erramos e batemos muito a cabeça no começo.

Também não tínhamos quase nenhum dinheiro para investir ou estrutura, o que nos forçou a ter que fazer tudo sozinhos, de forma muito manual a princípio, e a começar a vender nossos produtos o quanto antes para termos dinheiro, mesmo não estando prontos para isso. Eu sei, parece um pouco estranho ouvir um empreendedor falar isso, mas eu vou explicar um pouco melhor para vocês entenderem/visualizarem o problema.

Claro que é muito bom o empreendedor se envolver em todas as etapas do seu negócio e ainda mais ir para mercado o quanto antes, para ter o máximo de iterações possíveis em seu produto, mas acredito que no nosso caso colocamos a roda para girar cedo demais. A consequência disso é que uma vez a roda girando, ela não para mais.

Passamos a nos atolar no “operacional do dia-a-dia” que não agregava nada nem para nós, nem para o negócio: fazíamos entregas, compras no supermercado, dobrávamos e montávamos embalagens com as nossas próprias mãos. Chegamos a um ponto no qual passávamos 5 dias na semana fazendo o operacional e apenas 1 dia cuidando de assuntos relevantes/estratégicos. E isso é um risco/problema que muitos empreendedores que começam sem dinheiro e estrutura enfrentam. Mas se você não está com a cabeça focada na sua empresa, se você não está à frente do seu negócio para tocar assuntos estratégicos e de longo prazo, se você não está correndo atrás de parcerias, contatos, clientes, ninguém mais está. Você consegue terceirizar suas entregas, sua produção, seu packaging, alguma atividade administrativa, mas você não consegue terceirizar o que é mais importante: sua visão de empreendedor, sua vontade de fazer acontecer, ações relevantes para sua empresa e etc. que são exatamente as atividades nas quais você deveria focar, as que fazem a diferença.

Quais foram as maiores descobertas ao longo da jornada?

Em primeiro lugar, que a jornada é muito menos glamorosa do que imaginamos. Existe um romantismo sobre empreender. Achamos que é uma atividade dominada por Zuckerbergs e outros nomes icônicos difíceis, que vieram de Harvard e Stanford com sua genialidade. Mas, na verdade, vemos empreendedores a nossa volta o tempo todo. São os donos dos bares, dos cabelereiros, comércios do bairro, muitas vezes nossos próprios familiares que têm uma pequena empresa familiar… essas pessoas são verdadeiros heróis. Enfrentaram hiperinflação, confisco de poupança, burocracias e as mais diversas intempéries e obstáculos que nosso (custo) Brasil nos coloca.

Em segundo lugar, que consistência, estratégia, comprometimento e maturidade valem muito mais do que ideias geniais ou “talento”. Muitas vezes não tem “pulo do gato”, não tem momento de “eureca”, lâmpada acendendo ou alguém para te ajudar. Você só precisa estar lá, dia após dia.

Por último, parece clichê, mas ser estratégico, reavaliar e aprender sempre, priorizar o longo prazo e ter paciência. Não podemos ser o jogador que “corre errado”, ou o barco sem vela à deriva (escolha a sua analogia rsrs). Precisamos de um plano/estratégia de longo prazo para seguir. Depois precisamos ser imparciais e não nos apegarmos demais a ele, estarmos abertos a aprender com os feedbacks do mercado, e nos questionar para podermos mudá-lo caso seja necessário. Por fim, confiar no seu processo e ter paciência.

A experiência de, após o exit, trabalhar para uma empresa tida como referência global trouxe quais aprendizados que a gestão de uma marca independente não tinha te dado ainda?

De forma mais genérica, trouxe principalmente aprendizados referentes a processos escaláveis e controláveis, em um nível multinacional. Em uma estrutura pequena, é muito mais fácil ter padronização e controle, pois tudo basicamente acontece debaixo do seu nariz.

Já em uma multinacional, os controles precisam ser impecáveis, escaláveis mas ao mesmo tempo cuidar para não engessar a organização. É uma relação de controle/flexibilidade bem complexa.

Além disso, a oportunidade ter uma estrutura de ferramentas e pesquisas aplicadas de mercado, estratégias, tendências e de produtos, pronta para te atender, é um privilégio que poucas empresas conseguem manter.

De forma mais aplicada ao meu negócio especifico (fábrica de alimentos), os aprendizados foram em cima de temas como tecnologia, qualidade e segurança de produção, todas em níveis de excelência que eu nunca havia visto.

O que mudou no mercado de alimentos saudáveis nesses quase 10 anos em que você está diretamente envolvido no setor?

Tudo? Rsrs… Mas brincadeiras à parte, acho que tem alguns pontos que eu gosto de salientar:

Conhecimento: antes o conhecimento estava ainda restrito a “nichos” de interesse. Com o tempo, o assunto foi ganhando relevância e “caiu no gosto” do povo. Gostando ou não, o Instagram e seus “Influencers” trouxeram diversos temas e popularizaram muitos conceitos, deixaram eles mais acessíveis. Nem sempre da maneira que eu considero correta, mas é fato que o assunto se tornou muito mais disponível, e não apenas nas redes sociais, mas em TVs, rádios, internet e etc.

Sabor: antigamente as pessoas estavam mais dispostas a abrir mão do sensorial para comer saudável, entendiam que era um trade-off que tinham que fazer. Hoje, já vejo que, graças à popularização mencionada acima, somada à explosão do mercado e à evolução tecnológica da indústria de alimentos, tal trade-off não é mais necessário. As pessoas querem comer saudável, mas também querem alimentos saborosos. O consumidor está mais exigente nesse quesito e o mercado responde, florescendo com novas opções quase que diariamente. Hoje comer saudável é sinônimo de comer bem, de comer comida de verdade.

Acessibilidade em questão de preço: comer saudável antes era luxo. Não que agora os produtos custem o mesmo que os mais industrializados do mercado, mas hoje temos produtos disponíveis nas mais diversas faixas de preços. A maior demanda por essa categoria aliada com maior investimento em tecnologia no setor possibilitaram a alimentação saudável estar mais acessível.

Em sua experiência como investidor-anjo, você já teve alguns casos de sucesso. Quais elementos mais te chamam a atenção ao selecionar um negócio para investir?

Pergunta complexa para um resposta em poucas linhas, rsrs. Difícil cravar uma fórmula, mas acho que tem alguns temas que eu, particularmente, gosto de ter como pelo menos “pré-requisitos” (ou seja, não quer dizer que eu invista mesmo que a empresa atinja todos eles).

Mercado: você tem que não apenas acreditar, mas ter dados concretos que seu mercado é grande, ou, no caso de uma inovação, de que ele se tornará grande. Temos que tomar muito cuidado aqui com viés de confirmação: não podemos ir atrás de dados que nos mostrem o que queremos ver. Precisamos fazer uma análise fria e não manipular dados ou busca-los em fontes enviesadas.

Projeto: claramente a proposta tem que ser relevante para esse mercado/consumidor. Ou ser algo que não exista ainda, mas as pessoas precisam ou, ainda, algo que já é ou foi feito, mas de forma ineficiente. É um pouco do bordão de que se tem que resolver alguma dor desse mercado. E cuidado! Temos que achar uma solução para um problema e não um problema para a solução que a empresa está apresentando. Parece confuso ou a mesma coisa, mas entender essa frase ao contrário é perigoso. Então, mais uma vez, temos que conseguir avaliar se de fato, mesmo que indiretamente, tal produto/serviço, está resolvendo/melhorando algo, ou trazendo uma inovação que agregue valor.

Empreendedor: esse ponto pra mim é o mais importante. Na minha opinião, não há projeto incrível em mercado promissor que sobreviva às etapas iniciais de uma empresa sem um bom empreendedor por trás. E repito o que disse mais no começo da entrevista: não é questão do empreendedor ser um gênio, ou de ter suas credenciais que apenas 1% do planeta consegue ter. É um questão de comprometimento, preparo e conhecimento do mercado/produto, de estar lá para “o que der e vier”, ser um idealista com os pés no chão, ser obstinado. Eu preciso saber que essa pessoa à frente do negócio está 200% focada e comprometida com isso, que ela não vai parar e que dia após dia, ela vai fazer de tudo para que essa empresa dê certo. No começo, empresa e empreendedor se tornam um organismo “simbionte”, eles se mesclam em um só. Portanto não há startup sem empreendedor.

Interesse: esse ponto é algo bem particular meu, e não acredito que precise ser um “pré-requisito”. Eu gosto de investir em temas, mercado ou produtos que me interessam. Isso facilita, pois significa que eu já conheço/entendo um pouco, me mantém mais engajado com a startup e eu sinto que consigo fazer avaliações melhores (cuidando sempre com o viés de confirmação que falei acima) e talvez até eventualmente ajudar a empresa.

Na sua visão, de que forma um investidor melhor pode contribuir para o sucesso do negócio em que aporta?

Não atrapalhando — rsrs. Mas falando sério, investir, por si só já é ajudar.

Muitas vezes o investidor precisa tomar cuidado para após o investimento, deixar o empreendedor e a empresa trabalhar, não atolá-lo em burocracia e nem desmotivá-lo (ex: às vezes o investidor fica muito ávido para ter uma % da empresa maior, o que reduz a participação do(s) empreendedor(es) e pode resultar em desalinhamento entre as partes.)

Mas além disso, formas como ele pode ajudar seriam:

1 — Manter um canal aberto com a empresa. Deixem eles saberem sempre que você quer ajudar, pois muitas vezes o empreendedor não quer te incomodar — “ah, ele deve estar super ocupado, não vai ter tempo de me ajudar com isso” — pensa o empreendedor.

2 — Ficar atento às comunicações, ler com atenção, perguntar e se interessar. Muitas vezes o pedido de ajuda está lá, escrito, várias vezes em diversos relatórios, e a gente simplesmente não leu (e você, empreendedor, deixe claro que você precisa de ajuda com algo, não há vergonha ou problema nenhum isso!).

3 — “Quem não é visto não é lembrado” — manter suas empresas investidas no seu “top of mind” (e você empreendedor, faça o possível para manter sua empresa no top of mind de seus investidores — mas sem exagerar na comunicação rsrs). Frequentemente passar pelo próprio portfolio, olhar suas start ups e fazer um exercício de “como eu posso ajuda-la?”, “qual contato/oportunidade posso apresentar?”, “eu vi algo recentemente que faça sentido mandar para eles?”.

4 — Ajuda ativa. Se você tem alguma habilidade (é advogado, contador, programador, designer, já empreendeu/trabalhou naquela área) ou tem tempo disponível, avise-os. Às vezes você tem muito mais para ajudar do que imagina. Tanto que existem muitos venture builders ou até mesmo VCs que entram mais na operação, porque sabem que conseguem ajudar com algo.

Em resumo, dá para ajudar das mais diferentes formas, o principal é que o investidor e o empreendedor estejam bem alinhados e confortáveis com a forma a seguir e que o canal de comunicação seja muito fluido e aberto a feedbacks de ambos os lados. A relação é de parceiros/sócios e deve seguir essa bilateralidade e equivalência, sem ninguém tentar se fazer valer em detrimento do outro.

Gostou da entrevista do Sergio Sayeg? Então te convido a assistir à live que ele participou sobre o negócio da Question Mark, empresa que está com rodada aberta no Kria. Sergio é o deal partner da rodada.

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Gabriel Ferreira
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Jornalista por formação. Apaixonado por startups pela prática da vida. Head de Marketing do Kria.