Estamos sozinhos (trecho de Buda Rebelde)

Lúcida Letra
Lúcida Letra — Textos
3 min readOct 24, 2016

Um trecho do capítulo “Como proceder: Estamos sozinhos”, página 65 do livro Buda Rebelde, cuja 3ª tiragem já está na gráfica (clique aqui para comprar).

Do momento que saímos da barriga da mãe e o cordão umbilical é cortado, estamos sós. Cortar o cordão é muito simbólico. Daquele momento em diante, temos que começar a aprender a sermos independentes e começamos aprendendo a respirar sozinhos.

Claro, há muitas pessoas que ao longo do caminho nos ajudam — os pais, as babás, a família e os amigos. Ainda assim, enquanto crescemos, fazemos isso sozinhos. Quando nos mandam para a escola, vamos sozinhos, ainda que centenas de outras crianças estejam lá. Temos que passar os dias sozinhos. Estamos a sós quando estudamos e a sós quando fazemos as provas. Nem mesmo nossos melhores amigos podem nos ajudar a fazê-las. Quando nos formamos, vestimos a toga a sós. Quando precisamos de um emprego, temos que buscá-lo sozinhos e, quando o encontramos, ninguém além de nós mesmos é responsável pelo trabalho. Não interessa quantas outras pessoas tenhamos em nossa vida, no fim das contas, precisamos nos erguer por nós mesmos.

Podemos não estar conscientes, mas a realidade de nossa solidão está conosco o tempo todo e a sentimos de diversas formas. Podemos vivenciá-la como uma sensação de insatisfação ou inquietação, ou podemos sentir sinais de ansiedade ou depressão. Não importa quem somos e não interessa o que estamos fazendo em um dado momento: nunca parece ser o bastante, sempre está faltando algo. Quando estamos sentados em casa e olhamos pela janela, queremos sair. Depois que ficamos lá fora por uns cinco minutos, começamos a achar que é melhor voltar para dentro. Vagamos sem rumo da mesa de trabalho para a cozinha e então nos perguntamos por que fomos até lá — não estamos com fome ou com sede. Ligamos a televisão, mas seguimos mudando de canal. Se não temos um alguém especial, sonhamos com a felicidade que seria encontrar o parceiro ideal. Mas quando ele está dormindo bem ali do seu lado, você não está satisfeito. É muito raro surgir um sentimento simples de contentamento. É um processo sem fim essa busca por o que quer que seja “aquilo” que, supostamente, preencherá o espaço vazio que existe em todas as nossas experiências.

Não interessam os desejos, obter os seus objetos não é a mesma coisa que o contentamento, que vem de dentro. Nunca encontraremos contentamento completo, um sentimento perfeito de paz, se a nossa mente não estiver contente e pacificada. Podemos ser muito bem-sucedidos em nossas carreiras e estar ganhando o salário ideal. Podemos ter dinheiro no banco, um cônjuge, cinco filhos, uma casa e um belo carro com uma semiautomática no porta-luvas. Podemos ter o sonho norte-americano nas mãos… e ainda sentir que falta algo. Nesse caso, nossa mente que é pobre — não a nossa vida ou a nossa conta bancária. O contentamento não significa que somos preguiçosos ou que nos acomodamos, satisfeitos com qualquer coisa. Significa que vivemos satisfeitos e alegres. Contentes, seremos ricos ainda que tenhamos pouco na carteira. Mas, sem contentamento, sofreremos mesmo com um milhão embaixo do colchão.

Dzogchen Ponlop Rinpoche (no livro “Buda rebelde: na rota da liberdade”, traduzido por Eduardo Pinheiro (trecho selecionado pela equipe do www.olugar.org)

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