Os Sete Divinos Santos [Desafio Outubro]

Priss Guerrero
L.E.I. & A.
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3 min readNov 11, 2015
Imagem by Priss Guerrero

Um vento frio uivava solitário naquela noite. A lua iluminava palidamente aquele trecho de estrada em formato tão peculiar. As estrelas cintilavam serenas e observavam a figura trajada com um terno tão negro quanto aquela noite.

Caminhava calmamente, instrumento preso às costas enquanto as mãos carregavam cestas de vime, chacoalhando e criando uma melodia de vidros e potes batendo durante o percurso.

Ao chegar à encruzilhada, abaixou-se, colocou as cestas no chão duro de terra batida e olhou para o fino poste de madeira velha, que segurava uma placa suja, de tintas descascadas onde mal se lia o nome do lugar que indicava.

Retirou as velas gastas, mas ainda boas para o que planejava. Tirou os 7 copos de vidro, colocou bebidas neles, a mais fina cana destilada daquela região, igualmente acomodou os potes cheios de especiarias, que juntas exalavam um aroma misto de cravo, canela e pimenta.

Rezou baixinho aos sete divinos santos que receberiam suas oferendas. Acendeu as velas, uma a uma e mesmo com o vento frio, que ululava naquela noite, nenhuma delas se apagou, avivaram-se com ele.

Pegou seu instrumento de cordas e tocou uma bela melodia, dedicando-a aos sete divinos santos a quem já oferecera comes e bebes. Abriu o terno, folgou a gravata e a camisa branca de linho que usava. Estava à vontade.

Cantou a melodia, num tom baixo, tanto quanto aquela oração que fizera. Não era para uma plateia, era apenas para os sete divinos santos.

Ajoelhou-se. Rezou mais uma vez. As velas haviam terminado. O sol não fazia questão de aparecer e a Lua ainda estava firme e forte no céu. Levantou-se e virou. Era observado por um ser igualmente alto, de olhos faiscantes.

Arrepiou-se com o frio que percorreu sua espinha. Tremia tanto que o instrumento quase caiu no chão, se não fosse a rapidez daquele que o fitava amparar o objeto, ao mesmo tempo que o acariciava, com as mãos calejadas e dedos cheios de grandes nós.

Seus olhos chispantes conferiram cada curva do belo instrumento, as pontas de seus dedos puxaram delicadamente cada uma das seis cordas, ouvindo apuradamente cada gota de som que se manifestava, enquanto cheirava a madeira daquele corpo cuja melodia o chamara para aquela aparição.

O músico, paralisado, vislumbrou mais seis figuras, igualmente negras, altas e com olhos vermelhos e cintilantes, que subitamente se posicionaram ao seu redor. Não tinha para onde ir, como fugir. Não esperava estar naquela situação.

Não acreditava em nada daquilo, achou que era apenas um ritual a toa e por isso aceitou o desafio feito pelo baixista de sua banda: ir até a velha encruzilhada, à meia noite do dia das bruxas, oferecer uma melodia aos sete divinos santos em troca de ser o melhor guitarrista de todos os tempos.

Achou que era bobagem e por isso mesmo os sete divinos santos resolveram se mostrar e assim levar a alma desse incrédulo, que fora encontrado metros adiante, pela polícia daquela cidadezinha, morto, esticado na estrada, sem o instrumento que tanto amava.

“Roubo seguido de morte”, foi a conclusão do perito, ao ver sete buracos no peito do homem morto, apelidado pela equipe como ‘Boddah’, nome encontrado próximo ao corpo, formado pela parafina das velas.

Este texto faz parte do Desafio do Mês LEI&A (texto feito a partir de um tema dado pelo grupo este foi: música e terror), um de nossos projetos para exercitar a escrita. Conheça os outros projetos e leia mais textos em https://medium.com/l-e-i-a

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Priss Guerrero
L.E.I. & A.

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