A Vingança da Intimidade

O Tabuleiro
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8 min readOct 28, 2015

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Por Nathália Accioli e Emerson Lima

“Foi uma das piores sensações que já tive. Entrei em depressão, não quis sair de casa por um bom tempo. Acho que é uma das formas mais tristes de prejudicar uma mulher, pode parece banal, mas machuca muito e fica para sempre” — Bruna (nome fictício), 24 anos. Este é o relato de uma jovem, que prefere não ter sua identidade revelada, vítima do novo crime virtual que não para de crescer: a pornografia de vingança.

Do inglês ‘porn revenge’, a expressão é usada para descrever ataques virtuais de divulgação não consentida de fotos nuas. A maioria dos casos acontece após o término de um relacionamento, quando o ex-companheiro não aceita e procura alguma maneira de se vingar.

Segundo uma pesquisa realizada em agosto de 2014 pela ONG Safernet, especializada em segurança na rede, junto à Helpline Brasil, de janeiro a junho de 2014, totalizaram-se 108 ocorrências no site contra crimes de pornografia de vingança no Brasil, contra 39 casos no mesmo período em 2013. Isso indica um aumento de, aproximadamente, 177% em apenas um ano. Enquanto isso, o índice de roubos de carros aumentou 10% de 2013 para 2014, o que mostra que a pornografia de vingança é um dos crimes mais praticados atualmente.

O alto crescimento de um único crime em um período curto de tempo chamou a atenção em diferentes frentes. Para combater o crime e o seu incentivo, a Microsoft (Bing) e o Google criaram em seus mecanismos de busca diferentes formas de bloquear o conteúdo ilegal. Com um portal dedicado às vítimas, a Microsoft, por exemplo, permite que sejam relatadas as divulgações de vídeos ou fotos, sendo possível pedir a remoção dos endereços da pesquisa do Bing.

Walter Capanema, especialista em Segurança da Informação, conta que por mais que os sites de busca tenham mecanismos que auxiliam a retirada dos conteúdos de pornografia de vingança da rede, o compartilhamento de imagens e vídeos na internet é quase impossível de ser controlada. “Existem até sites especializados nesse tipo de conteúdo. Como retirar um conteúdo lançado no mar da Grande Rede? Impossível”.

Além das providências extrajudiciais, o Brasil já caminha na direção da criação de uma lei específica contra este crime. Já foram apresentados três projetos à Câmara, estando entre elas a do Senador Romário, que ficou a mais famosa. Todos foram colocados em discussão em 2013 e traziam diferentes pontos de alterações para que a violação da intimidade da mulher fosse entendida como “violência doméstica e familiar”, e que o texto da Lei Maria da Penha fosse alterado a fim de também abranger a divulgação criminosa de conteúdos íntimos.

Advogado especialista em direito penal, Leonardo Zanatta defende que a legislação no Brasil sobre o assunto trata consequências muito mais que atacar direto na fonte. “As legislações sempre são um problema. Já temos leis que chegam, falta eficácia, aplicabilidade, formas de educar e conscientizar que vazar fotos íntimas é errado. Existem formas de apurar o responsável e punir, quando necessário o agente causador ou os responsáveis por ele. O Projeto de lei do Deputado Romário certamente é um passo firme e necessário para apurar e responsabilizar os agentes com desvio de caráter. Ninguém se coloca no lugar da vítima, seja ela quem for. A situação e sensação de fragilidade e julgamento não são levadas em conta. O errado na situação é o agente que por ação ou omissão deu causa”, explicou.

Intimidade revelada

O caso de Bruna está entre os inúmeros que acontecem no Brasil diariamente. Na ocasião, ela tentou processar seu ex-namorado pela divulgação das fotos, mas o desgastante processo de recolhimento de provas a fez desistir. “Meu ex-chefe é advogado e nós montamos uma estratégia para processar meu ex-namorado. No entanto, por conta do processo ser muito demorado, eu desisti. Para me esconder, eu tinha excluído todas as conversas do meu celular e por isso não tinha provas de que enviei fotos para ele. Precisaria entrar com um processo judicial para conseguir as conversas do WhatsApp (aplicativo de conversas online)”.

Zanatta alega que as vítimas precisam procurar ajuda judicias e diz que há diferença entre os procedimentos entre maiores e menores de idade. “Legalmente, quando maior de idade deve recorrer à força policial e registrar o ocorrido e na oportunidade indicar eventuais suspeitos. Neste tipo de situação a mulher na maioria dos casos é vítima e deve ser tratada como tal. Quebra de confiança, exposição indevida, intimidade, são questões importantes e deve ser dada toda a atenção e suporte emocional e jurídico para o caso. Caso a vítima infelizmente seja menor de idade deve ser procurado força policial da mesma forma sendo os responsáveis legais aptos e responsáveis a dar todo o suporte”.

A proteção de um usuário da internet e das redes sociais não deve ser jurídica e tecnológica. Atualmente, a legislação não trata especificamente sobre a pornografia de vingança e por isso entende-se que qualquer prática dela pode se encaixar como outras formas de crime. Por exemplo, se a vítima for maior de idade, pode estar configurado o crime de injúria (art. 140, CP), que tem pena de um a seis meses de prisão, ou multa. Por outro lado, se a vítima for menor de idade, pode ser aplicada uma norma prevista no art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nesse caso, a pena é bem maior com reclusão de três a 6 seis anos e multa.

O mesmo drama vivenciado por Bruna também atingiu e deixou marcas na estudante de fisioterapia Juliana (nome fictício), 23 anos, que teve fotos nuas compartilhadas pelo ex-namorado em um grupo do Facebook logo após o término do relacionamento. “Pouco tempo depois que terminamos o namoro ele me fez inúmeras ameaças e, uma delas, era que publicaria as minhas fotos no Facebook, de início eu não acreditei, só que depois de um tempo elas já estavam circulando no WhatsApp de pessoas conhecidas”, relata Juliana.

Não apenas a falta de aparato judicial acaba sendo o maior empecilho na busca por justiça, mas também o baque psicológico e o medo de estender o problema. “Eu pensei em prestar queixa na delegacia, mas acabei desistindo. Eu não tinha coragem de conversar sobre isso, a única coisa que eu queria era me isolar e fazer com que as pessoas esquecessem aquilo, e levar isso adiante seria remoer um problema que não teria solução e só prejudicaria ainda mais meu psicológico”, conta Juliana.

As ausências de políticas públicas e leis que amparem mulheres vítimas desta exposição, faz com que pessoas que enfrentaram o mesmo drama elaborem meios de atender futuras vítimas, como é o caso da criadora da ONG Marias da Internet, Rose Leonel.

A ONG funciona exclusivamente pela internet, como uma consultoria para vítimas de crimes virtuais. O atendimento é feito pelo site da Marias da Internet ou pelo Facebook, as mulheres contam as histórias pelas quais passaram através de mensagens que chegam diretamente para Rose.

A dinamarquesa Emma Holten também chamou a atenção do mundo para a questão deste problema. Emma, na época com 17 anos, também teve fotos íntimas vazadas na internet por seu ex-namorado e sofreu com a repercussão da divulgação das imagens. Três anos após o incidente, a ativista decidiu publicar um ensaio fotográfico sensual e nu na internet, com o objetivo de alimentar o debate sobre consentimento de divulgação de fotos e evidenciar que todas as vítimas da prática do porn revenge não têm culpa do acontecido.

A dinamarquesa Emma Holten resolveu fazer o próprio ensaio nu para divulgar o debate sobre porn revenge. Foto: Reprodução/Friktion/ Cecilie Bødker

O ensaio foi feito em seu apartamento retratando situações cotidianas, como escovar dentes ou ler livros. Em entrevista à revista Elle, Emma diz que essa foi a forma que ela encontrou de retratar a si mesma como um ser humano e não um objeto sexual. “Isso não é apenas para que eu me sinta melhor. É sobre problematizar e experimentar os papéis apresentados pela maioria das mulheres quando posam nuas. Nós dificilmente sorrimos, estamos no controle, vivemos. Nós nunca vemos, mas somos sempre vistas.”

O porn revenge no mundo

Em outros países, as leis sobre as “pornográficas de vingança” também são recentes. Na Inglaterra e País de Gales a lei foi introduzida em abril deste ano e não atende casos ocorridos antes desta data, enquanto isso nos EUA a lei foi sancionada em 2013, mas válida apenas no estado da Califórnia.

O Japão foi o primeiro país a ter uma lei específica para a pornografia de vingança. Com projeto de lei pioneiro de 2014, o Parlamento do Japão aprovou na noite desta quarta-feira. A nova lei pune quem divulgar qualquer material pornográfico sem autorização, principalmente em casos que envolvam ex-parceiros(as).

Os criminosos virtuais japoneses podem ser multados em até 500 mil ienes (aproximadamente R$ 11 mil) e prisão de até três anos. Além disso, os provedores de internet também entraram na nova legislação, sendo exigido que todo o conteúdo de teor sexual seja eliminado no prazo de dois dias após o pedido da justiça. A lei japonesa também pune com até um ano de prisão e multa de até 300 mil ienes (aproximadamente R$ 7 mil) quem distribuir material para que outros divulguem na internet.

O advogado especialista em crimes digitais, Felipe Padro diz que embora a legislação brasileira não seja a ideal, hoje a vítima de um crime virtual dispõe de diferentes mecanismos de proteção. “O artigo 21 do Marco Civil da Internet, por exemplo, possibilita que a vítima da prática da pornografia de vingança notifique o provedor que hospedou suas fotos íntimas para que este as remova sob pena de se tornar responsável pelo dano causado. Temos aprovada a lei 12.737/13, conhecida como lei Carolina Dieckmann, que tipificou os crimes de invasão de dispositivo informático, interrupção ou perturbação de serviço telemático ou de informação de utilidade pública e falsificação de cartão de crédito. É certo que nossa legislação penal precisa ser reformada para a inclusão de outros crimes cometidos no ambiente virtual, mas precisamos também que esta reforma seja criteriosa para não criminalizar a conduta dos usuários comuns”.

Cultura de exposição

Compartilhar informações, narrar rotinas, despejar na rede os mais variados momentos do dia-a-dia, como fotos pós-sexo ou até mesmo “mandar nudes”. Os limites da exposição nas redes sociais passam constantemente por mudanças e novos conceitos do que é ou não permitido. Atualmente, qualquer um com acesso à internet, pode criar uma página pessoal podendo postar fotos, acontecimentos, escrever mensagens, currículo, debates e artigos, com ou sem filtro.

As redes sociais e aplicativos de interação online dominam os celulares e computadores. Tal cultura de exposição e da necessidade constante de conquistar likes instiga os jovens a se exibir mais do que o necessário.

Capanema defende que, para manter a segurança na rede, as pessoas precisam diminuir a quantidade de exposições e começar a filtrar os conteúdos postados. “As melhores recomendações para um comportamento sadio na Internet derivam do bom-senso: não se exponha demais, divulgando fatos e atos da sua vida privada e da intimidade. Lembre-se que a Internet guarda tudo, até aquilo que queremos esquecer. E, principalmente, cuidado com a sua segurança: quando você faz check-in em lugares, você está anunciando publicamente a sua rotina (o que poderá dar margem a ser vítima de um sequestro, por exemplo).”

O especialista em Segurança da Informação afirma ainda que os Termos de Uso das redes sociais não protegem em sua totalidade o usuário de qualquer exposição indevida. “Na verdade, eles (termos de uso) são contratos que os usuários assinam com uma empresa (site, aplicativo etc), classificados, no Direito, como “contratos de adesão˜. Neles, o usuário não pode discutir suas cláusulas. Ou tudo ou nada. Esses contratos não podem contrariar as leis brasileiras, especialmente as que dizem respeito ao Direito Penal e ao do Consumidor.”

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