dia 30

M. Vicente
La Distopista
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2 min readApr 23, 2020

Eu nunca gostei de aniversário e de repente me vi desejando que esse dia chegue logo. Ao contrário do que se pode pensar, não foi nenhuma morte e nem a pandemia o que me mudou. Não há catarse no luto, acreditem. Eu disse isso pra uma Anta no dia do enterro do meu pai. Ela estava desesperada procurando em mim alguma alguma magia, não tem!

Também não me mudou a tremenda pandemia que me fez até sentir saudade, veja só. Uma saudade genuína que acho que nunca senti. Porque talvez o outro não me desperte ausência, mas o outro colocado na vida sim, talvez a existência me faça sentir saudade. Mas a catarse não veio. Vejo a vida do mesmo jeito, agora maior uma vez que está suspensa.

O fato é que essa data comercial e mística — eu não acredito em nenhum dos dois — são o completo oposto do chão onde se deitam meus olhos e cérebro: concreto, seco e esmagado pelas leis das ciências duras.

Em verdade superei essa condição através dos olhos dos outros.

Esses outros em sua existência compartilhada comigo, deram-me uma visão de composição que eu jamais teria como romper. Aos 33 anos eu vi amigos vindo de longe, vi meu companheiro empolgado com uma simples festa. Amigos que eu não via há tempos estavam ali. Meus irmãos se reuniram.

Mesmo que não fosse só por mim, ainda que eu fosse o último motivo, vale a pena poder ver as pessoas num dia completamente difícil como é o meu, difícil como eu que não sente saudade, que não abraça, que não confessa fraqueza e que aparece pouco.

Eu sou completamente o dia em que nasci e por isso, todo dia 27 de dezembro, eu quero me ver pelo olho dos outros pra me ver mudar devagarinho e alcançar o grande ser humano que qualquer um de nós pode ser.

Celebro por cada uma das existências que perdi.

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M. Vicente
La Distopista

UX/ Service Designer na PagSeguro e pesquisadora mestranda do Programa de Integração Latino Americana da Universidade de São Paulo. www.marianavicente.com.br