Educação a distância e ambientes de aprendizagem

Angela Schmidt
La durabilité
Published in
5 min readDec 3, 2020
Imagem de Manfred Steger por Pixabay

Este é um texto para todos que, de alguma forma, atuam como educadores nos diferentes contextos, formal e não formal. Pensar em uma educação à distância que traga resultados efetivos sempre foi um desafio a educadores, educandos e instituições. Os tempos atuais de pandemia trouxeram de forma arrasadora (na grande maioria dos casos) a imposição dos processo educativos remotos. Este movimento já vem crescendo nas últimas décadas, mas agora, ganhou uma aceleração que tem atropelado a todos. Pensando nisso, trouxemos algumas reflexões sobre ambientes de aprendizagem (tema que já falamos um pouco por aqui) e seu papel na educação à distância (EaD).

Antes de avançarmos resgatamos uma definição ampla de Ambientes de Aprendizagem (que citamos em nosso artigo anterior aqui “Ambientes de aprendizagem: uma primeira aproximação”):

ambientes de aprendizagem não são unicamente espaços físicos, mas sim circunstâncias, micromundos, onde tem lugar uma aprendizagem que é espontânea, contextualizada, calcada na interação do aprendiz com seu meio. Os ambientes são preparados para de estimular uma (re)construção do conhecimento, onde o educando é reconhecido em sua multidimensionalidade, respeitando a complementaridade e a trama fina entre o racional e o emocional, que rege em parceria o processo cognitivo. Trazem para o processo educativo a emergência, cooperação, mudança, interatividade e autonomia, legitimando o processo de sentipensar e, consequentemente, levando o foco da atenção para esta relação imbricada entre razão/emoção.

A EaD que acreditamos nasce de alguns pilares teóricos/práticos que vão direcionar seu desenvolvimento e os resultados obtidos. Hoje apresentamos alguns destes referenciais, já sugerindo que você os conheça melhor caso esteja envolvido de alguma forma com os desafios da educação remota ou semi-presencial.

Micromundos de Seymour Papert

Na concepção que este pesquisador e autor nos traz de ambientes de aprendizagem, estes na verdade se constituem em micromundos, onde tem lugar uma aprendizagem espontânea, contextualizada, calcada na interação do aprendiz com seu meio, e com um forte viés epistemológico. Este tipo de aprendizagem contrasta com a aprendizagem dirigida que é observada nos currículos das escolas tradicionais e em muitos cursos que vêm sendo oferecidos atualmente no mundo online.

Ao analisarmos a estruturação dos micromundos podemos inferir qual seria a estruturação dos próprios ambientes de aprendizagem. O reconhecimento de algumas características essenciais, que o autor coloca como “pedras fundamentais”, desempenha um papel chave nesta estruturação.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

Uma destas características essenciais é a identificação das estruturas-mães atreladas a este ambiente. Papert nos fornece um exemplo elucidativo deste tipo de estrutura fazendo a seguinte colocação: imagine um micromundo onde as coisas podem ser ordenadas mas não possuem nenhuma outra propriedade. O conhecimento de como funciona este mundo é a estrutura-mãe de ordem. As estruturas-mães geralmente se referem a idéias simples mas com grande significância e coerência, ou seja, são estruturas que falam da essência de um micromundo ou ambiente de aprendizagem.

Outro fator que reforça a contribuição das estruturas-mãe, é o fato de que, apesar de sua independência, poderem ser aprendidas de forma concomitante, o que acaba por facilitar a aprendizagem de todas. Esta propriedade nos dá uma dica de que a aprendizagem de um assunto complexo pode ser atingida através de várias etapas mais simples porém significativas, tendo a cada uma delas, uma estrutura-mãe complementar associada.

Experiência ótima ou experiência de Fluxo de Mihaly Csikszentmihalyi

Na elaboração da teoria da experiência ótima, o Mihaly baseia-se no conceito de fluxo, definindo-o como o estado em que as pessoas se encontram tão envolvidas nas atividades que nada parece importante ou importar (p. 2). Contudo, estes estados de felicidade, não estão vinculados exclusivamente a sorte, ao acaso, ou à fatores externos. O modo como interpretamos os acontecimentos cotidianos, procurando a ação ao invés da reação, confere um grau de autonomia necessário a uma experiência ótima.

A imagem deste fluir, ou a idéia do fluxo, tanto corresponde a uma metáfora utilizada por artistas, poetas, como também tem sido trabalhada por pesquisadores das ciências naturais, relacionando-se neste âmbito, a troca dinâmica e infindável de energia e matéria entre sistemas vivos e não vivos. Na educação, a organização de ambientes de aprendizagem, é uma tentativa de proporcionar ao educando a vivência do fluxo no processo cognitivo.

Imagem de John Hain por Pixabay

A sensação de alegria e felicidade com a atividade que está sendo realizada no momento presente, gerada pela percepção e desbloqueio do fluir das transformações ao longo da vida, é descrita por Csikszentmihalyi citado por Moraes, como uma das características chave de uma experiência ótima ou experiência de fluxo. O autor ressalta que, o desenrolar deste tipo de experiência, não se dá somente nos momentos de relaxamento e passividade como pode parecer numa primeira impressão, sendo necessária, dentre outras coisas, uma grande concentração e esforço. Estes dois aspectos também são característicos das experiências ótimas.

Pensando na aplicação desta afirmação para a educação, é possível deduzir que ao alterarmos o ambiente, seja ele tanto o ambiente externo ao indivíduo, como seu ambiente interior, geramos novas freqüências vibratórias e abrimos espaços para a emergência de novos fluxos (a manifestação da criatividade vital), que por sua vez, vão gerar novas estruturas mentais e emocionais. O resultado deste processo de transformações multidimensionais é uma nova postura e atitude ante a realidade que se apresenta ao indivíduo e, como este não é um sistema vivo fechado e isolado, os demais sistemas que interagem com este indivíduo também serão transformados. Maturana nos coloca que quando você muda, o mundo muda !

Ambientes de aprendizagem e os educadores

O papel do educador/professor, no contexto de um ambiente de aprendizagem, assume um traço diverso do papel tradicionalmente seguido. A postura de detentor do conhecimento, de transmissor de conteúdos pré-determinados e estanques, isento de uma relação mais sensível, dialógica e afetiva com seus educandos, é um fator limite e que inviabiliza o fluir de uma experiência ótima. Moraes ao desenvolver a idéia da mediação pedagógica, aponta para algumas das atribuições de um educador que, através da consciência e do respeito ao processo de sentipensar seu e de seus educandos, pode contribuir para a construção de um ambiente de aprendizagem.

Partindo destes 2 referenciais apresentados é possível desenrolar um percurso de aprendizagem extremamente rico para qualquer processo educativo seja presencial, semipresencial ou remoto. Escolhemos estes 3 autores, Csikszentmihalyi, Moraes e Papert como ponto de partida para esta trilha de conhecimento. Deixamos o convite para que você estabeleça sua rota e traga para sua atuação como educador(a) a consistência, flexibilidade a autonomia necessária para superar este enorme desafio que o crescimento da EaD colocou em nosso caminho.

REFERÊNCIAS

CSIKSZENTMIHALYI, M. (1999). A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento com a vida cotidiana.. Rio de Janeiro: Rocco.

MORAES, M. C. (2003). Educar na biologia do amor e da solidariedade. Petrópolis: Vozes.

PAPERT, S. (1985). LOGO: computadores e educação. 1a. ed. São Paulo: Brasiliense.

SCHMIDT, A. F (2003). Trilha da Vida e ambientes de aprendizagem: uma análise na busca de convergências. São Paulo. Dissertação de mestrado em Educação — Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo, PUC/SP.

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Angela Schmidt
La durabilité

Mediadora e facilitadora da sustentabilidade em todas as dimensões, materializando-a em ações no cotidiano de pessoas, grupos e empresas.