A volta dos que não foram

Recentemente ameçados de extinção, formatos analógicos ganham novo (e duradouro) sopro de vida

Cerri Filmes
La Scena

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Em recente entrevista para o jornal espanhol El País, Kazuo Hira, atual presidente da Sony, declarou que tanto o disco de vinil quanto o filme fotográfico ganharão uma segunda vida. E a declaração, incensada pela imprensa especializada, não se tratava de nenhuma previsão otimista, sequer uma profecia saudosista. Era, na verdade, uma constatação.

A volta aos formatos pré-digitais, analógicos, tem sido uma tendência forte nos últimos anos e, ao que tudo indica, não se trata de apenas mais um modismo hipster.

Novo lançamento da Kodak: Uma câmera Super-8. Hi-tec ou vintage?

Recentemente, foi divulgada a construção de uma nova fábrica de discos de vinil no Brasil, a segunda maior da América Latina, visando acompanhar o crescimento de 30% nas vendas em todo o planeta. E a Fujifilm abriu mais uma unidade de produção no Japão para acompanhar a crescente demanda pelas suas câmeras Instax, de revelação imediata, estilo Polaroid.

Isso sem falar também nas ressurreições anunciadas das câmeras Super 8 e das fitas K7…

Mas, por mais incoerente ou fetichista que tudo possa parecer, até que todos esses ressurgimentos (com exceção, vamos combinar, da fita k7) fazem bastante sentido.

Tecnologias mais avançadas não precisam necessariamente extinguir suas antecessoras. Pelo contrário: elas podem se complementar — coexistindo e ampliando o rol de opções para realizadores e consumidores que buscam melhores e mais adequadas experiências para cada tipo de obra.

Um dos maiores ícones da era de ouro do cinema foi o filme Kodachrome. Lançado pela Kodak em 1935, a película foi utilizada tanto na fotografia quanto no cinema, sendo vendida em diversos tamanhos e formatos em todo o planeta. Sua onipresença era tão notória que acabou rendendo uma música composta por Paul Simon, recentemente revisitada pela turma dos Muppets.

Mas a avalanche digital foi tão devastadora que a Kodak, despreparada, descontinuou sua linha mais famosa em 2009. E justo quando ela também pensava em fechar sua unidade de Rochester, NY, dedicada aos filmes para cinema, que amargavam uma queda de espantosos 96% em 2013, algo inesperado aconteceu.

Pressionados por gente como Steven Spielberg, Martin Scorsese e Christopher Nolan, os grandes estúdios de Hollywood realizaram uma série de acordos com a Kodak no verão de 2014 — a Fujifilm saiu desse mercado em 2013 — e garantiram a compra anual de uma determinada quantidade de películas, impedindo o encerramento da divisão.

Foi o que bastou para que, pelo menos, a opção-película se mantivesse à disposição dos cineastas.

Em 2014, apenas 39 longas foram realizados em 35mm. Já no ano passado, a maioria dos grandes lançamentos foi filmada em película, como Ponte de Espiões, 007 Contra Spectre, Steve Jobs e Star Wars — O Despertar da Força. Este último foi digitalizado depois para inserção de efeitos especiais.

Já em Os 8 Odiados, Quentin Tarantino utilizou uma película de 70mm (65mm de negativo, 5mm para som multi-canal) para alcançar o formato super-widescreen ultra Panavision, algo que não era feito há décadas. Até então, a última vez que as lentes usadas no longa viram a luz do dia foram na filmagem do épico de 1966, Karthoum.

Tarantino ao lado da cinquentenária câmera de 70 mm

Lançamentos esperados em 2016 como Batman Vs. Superman e Esquadrão Suicida também foram rodados analogicamente.

Os diretores justificam a necessidade de se manter a antiga tecnologia como um pintor não abre mão de uma cor em sua paleta. Afinal, cada roteiro, cada história pede uma determinada estética e, algumas vezes, a solução digital não é tão satisfatória.

O filme O Jogo da Imitação, por exemplo, que se passa durante a Segunda Guerra Mundial, utilizou película como forma de retratar mais fielmente o período. Por sua vez, a cinebiografia de Steve Jobs, dividida em três atos (1984, 1988 e 1998), valeu-se de 16mm no primeiro e 35mm nos demais.

A questão é ao mesmo tempo estética e metodológica. Enquanto as produções que usam o digital se dividem ainda nos formatos 2K e 4K, o valor-referência para o 35mm é de 10K, algo que ainda vai demorar um pouco para o digital atingir.

E, segundo os realizadores, quando um filme está carregado na câmera, a atenção de toda a equipe praticamente triplica. Com isso, o número de erros cai e o tempo acaba sendo otimizado. Em produções digitais, a quase-ausência de um limite técnico de armazenagem faz com que takes e takes sejam realizados, aumentando substancialmente o trabalho na sala de edição.

Além do cinema

Fotógrafos entusiasmados com o formato analógico tem compartilhado suas produções na web. No Instagram, a hashtag #filmisnotdead já conta com mais de 1 milhão e 300 mil menções. Por enquanto. E sem queimar o filme.

Originally published at medium.com on February 2, 2016.

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