Carro pra ver

Cerri Filmes
La Scena
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6 min readAug 7, 2015

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Um breve passeio pela evolução da propaganda automotiva audiovisual

O automóvel e a televisão são, sem sombra de dúvida, dois dos maiores ícones do século XX. Enquanto o primeiro consolidou-se como um símbolo de atividade, com a promessa de levar seus motoristas e passageiros a praticamente qualquer lugar, a segunda firmou-se como sinônimo de passividade, levando seus espectadores a vários lugares sem sair do sofá.

Mesmo atuando em polos opostos, os dois sempre andaram de mãos dadas, evoluindo juntos em uma das parcerias mas prósperas de todos os tempos. No Brasil, evidentemente, não foi diferente. E todos os incríveis avanços da indústria automobilística foram acompanhados fervorosamente pela telinha por uma nação apaixonada por carros e por propaganda.

Acompanhe abaixo como se deu a evolução desse relacionamento aqui no Brasil.

As primeiras décadas
Do primeiro automóvel à primeira TV

Quando o primeiro automóvel chegou ao Brasil, em 1897, importado por ninguém menos que Alberto Santos Dumont, ainda não havia televisão no mundo. Mas já havia publicidade. E, com a chegada de mais e mais automóveis nos anos posteriores,principalmente nas décadas de 1920 e 1930, os primeiros anúncios era sustentados, basicamente, por dois pilares: 1) existe o automóvel, e 2) ele anda sozinho, não precisa de cavalo.

Nesta época, a indústria automobilística ainda estava em busca de sua própria linguagem. Seus anúncios apresentavam as marcas e modelos, em sua grande maioria norte-americanas, ressaltando as características técnicas dos produtos.

Já na primeira metade da década de 1940, devido à eclosão da Segunda Guerra Mundial, a indústria, focada em suprir as demandas do conflito, deixa em segundo plano as necessidades dos consumidores. Os anúncios, agora, possuem forte viés institucional e procuram, de alguma forma, justificar as razões da guerra e prometer um futuro pacífico e justo.

Tudo isso, vale lembrar, via jornal, revista e rádio. A primeira televisão só chegaria no primeiro ano da década seguinte.

O Fusca durante o “Verão do Amor”, em 1967 (Crédito: Volkswagen Aktiengesellschaft)

Os anos 1950
Está no ar a televisão no Brasil

Em 1950, o Brasil testemunhou o início de suas transmissões televisivas. No dia 18 de setembro, a TV Tupi de Assis Chateubriand entrou no ar e um novo capítulo na comunicação brasileira foi aberto, mesmo com o baixo número de aparelhos televisores — à época, todos importados — existentes no país. Uma vez que ainda não existia videotape (VT), todas as transmissões eram feitas ao vivo. Os anúncios eram apresentados em sua grande maioria por garotas propagandas, mas os automóveis ainda não eram as estrelas dos intervalos. Isso só mudaria na década que mudou tudo — a década de 1960.

Os anos 1960
A hora e a vez da indústria brasileira

Dez anos depois de sua estreia em terras brasileiras, a televisão experimenta uma nova fase devido à chegada do videotape, a tecnologia que iria revolucionar e consolidar a sua linguagem, libertando-a das amarras das transmissões ao vivo e permitindo, inclusive, maneiras diferentes de se anunciar produtos.

Foi quando a indústria automobilística se aproximou da televisão. E com as restrições à importação de veículos no meio da década de 1950, nasceu o primeiro grande apelo publicitário automotivo brasileiro na televisão — o orgulho da indústria nacional.

Um dos grandes destaques foi o lançamento do Fusca. Em filmes preto e branco, com discurso simples e bem humorado, o ícone alemão foi apresentado ao público brasileiro a partir de suas características básicas, que se contrastavam com os padrões dos automóveis norte-americanos que povoavam nossas ruas e estradas até então — carros grandes, possantes, ostensivos.

Os anos 1970
Cores brasileiras

A década de 1970 é até hoje lembrada como a década mais colorida de todas. Foi quando, psicodélicas ou não, as cores chegaram às televisões do Brasil. A Copa do Mundo de 1970, programas como Vila Sésamo e Banana Split, os desenhos animados de Hannah Barbera, entre outros, enriqueceram ainda mais a linguagem televisiva, elevando o nível do formato, deixando definitivamente para trás o espectro de “rádio com imagem”.

A indústria automobilística, por sua vez, experimentava uma fase de consolidação. As três grandes montadoras (GM, Ford e Volkswagen) lançavam no mercado uma segunda geração de carros, já mais adequados à nossa realidade.

A publicidade não ficou para trás. E acelerou para acompanhar essa nova fase da indústria. Junto com a paleta de cores, a criatividade foi se impondo como forma de conexão com os consumidores. Como no lançamento do Corcel, que hoje certamente seria tido como politicamente incorreto.

Ou no lançamento do FIAT 147, que resolveu dialogar com a tradição brasileiríssima de se subir os degraus da escadaria da Igreja da Penha no Rio de Janeiro. Imagens aéreas e câmeras giroscópicas já começam a entrar em cena.

Os anos 1980
O reinado da criatividade

Na década de 1980, a TV brasileira goza de um status único. Dois novos canais nascem, o SBT e a (hoje extinta) Rede Manchete. Ícones como Xuxa, Gugu e Sergio Mallandro dão seus primeiros passos rumo ao estrelato. E novelas como Roque Santeiro e Dona Beija conquistam corações e mentes de milhões de brasileiros.

A indústria automobilística também não para. Novos modelos chegam ao mercado e, para apresentá-los ao consumidor brasileiro, todos os recursos audiovisuais mais modernos são utilizados. A criatividade continua reinando, mas, agora, o texto fica em segundo plano para que histórias sejam contadas por meio de imagens cada vez mais belas.

Como neste comercial do Volkswagen Santana, que utiliza cortes rápidos e uma trilha que remete a um estado onírico.

Ou neste institucional da Chevrolet, com direito a jingle de Zé Rodrix.

Os anos 1990
Novos paradigmas, novos desafios

A abertura das importações promovida pelo Governo Collor elevou o nível de competitividade do mercado automotivo brasileiro. E isso forçou com que as montadoras que aqui já estavam investissem em inovações tecnológicas, modernizando aos poucos suas fábricas e frotas.

Por sua vez, a televisão nacional também se abria para a influência estrangeira devido à chegada da TV por assinatura, que apresentou novas linguagens e canais para o público brasileiro. Como a MTV, que, com uma programação baseada em videoclipes, cristalizou o casamento da áudio com o vídeo em uma roupagem jovem e, à época, contemporânea.

Os comerciais dessa década começam a se aproximar das produções cinematográficas, com técnica e linguagem características do cinema.

Para apresentar o Kadett, a Chevrolet valeu-se da linguagem do videoclipe.

E para vender a Kombi, a Volkswagen recuperou o bom humor característico de nosso país.

Os anos 2000
Vender, vender, vender

O novo século começou com economia aquecida e a palavra de ordem de todas as montadoras era vender. O crédito facilitado e a ascensão da classe C contribuíram substancialmente para elevar o número de veículos nas ruas, com uma variedade de marcas e modelos nunca vista antes na história do Brasil.

Sem exagero, a imensa maioria dos vídeos que iam ao ar tinham como foco o preço e as condições de pagamento. A criatividade, assim ficou em segundo plano, enquanto recordes de vendas eram batidos a cada semestre, consequência do forte apelo varejista dos reclames.

Mesmo assim, houve quem remasse contra a maré e se destacasse. Como é o caso da FIAT, que para apresentar seu Novo Palio ousou tocar em questões que, infelizmente, ainda seguem fortes em nossa sociedade, como o racismo e o machismo.

Ou a Volkswagen, que na campanha do SpaceFox apresentou aos brasileiros o cachorro-peixe.

De 2010 até hoje
A Internet assume a dianteira

A segunda década do século XXI tem assistido à ressaca dos ótimos resultados do decênio anterior. Mesmo com fortes incentivos econômicos, inclusive tributários, as montadoras viram a estabilização e o declínio nas vendas.

Seus anúncios televisivos continuam batendo na tecla do varejo, mas para uma plateia cada vez menor. É que, com o aumento e a melhoria nas conexões à web, mais e mais brasileiros estão trocando de telas, assistindo horas de vídeos pela Internet, onde não existe a prisão dos 30 segundos.

E com tanta informação disponível, está cada vez mais difícil se destacar na multidão. Uns, como a Nissan, apelaram para o nonsense e exploraram as inúmeras possibilidades da Internet com enorme êxito.

Por sua vez, a Volkswagen apelou à técnica mais antiga de todas, o storytelling, para anunciar o deslançamento da tradicional Kombi, em um vídeo com mais de quatro minutos de duração.

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