Águas que inundam o imaginário

A água não é só elemento de preservação ambiental. Ela está inserida na religião, nas artes e em todo cotidiano de um povo.

Maria Clara Guimarães
LabF5
6 min readJul 23, 2018

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Por Camila Leonel, Kássia Tavares, Hilana Rodrigues, Luciana Silva, Maria Clara Guimarães e Stephane Santos. Especial para o LabF5.

“O rio, sempre o rio unido ao homem em associação quase mística unido ao homem […] Veias do sangue da planície, caminho natural dos descobridores, farnel do pobre e do rico, determinante das temperaturas, dos fenômenos atmosféricos, amados, odiados, louvados, amaldiçoados, os rios são a fonte perene do progresso”.

Foto: Gabriela Tavares

O trecho do livro O Rio Comanda A Vida, de Leandro Tocantins*, resume o significado das águas para o amazônida. Fluxo que não controla apenas o regime da vida que sincroniza período de cheia e seca, as águas também inundam o imaginário dos povos que vivem às suas margens. Na religião, na música e nas lendas, a água sempre é fator importante para a vida e a morte, é purificação e perdição.

Alguns povos têm a água, não só como um regente da vida. Ela explica o início e o fim da existência dos seres vivos. Umussy Fontes, da etnia Dessana, morador na comunidade do Tupé, a 30km de Manaus, explica que os seres viviam das águas e viajavam por meio dos rios à procura dos territórios onde residem atualmente.

“Uma parte do histórico da nossa etnia relata que nossos ancestrais eram seres invisíveis e viviam na natureza através da água e para se transformarem em seres visíveis, fizeram uma longa viagem no fundo dos rios à procura de território. Quando morremos, voltaremos a fazer essa viagem pelas águas para ir de encontro aos nossos ancestrais”, afirma Umussy. Devido à importância das águas, o respeito dos índios “é enorme, pois são imprescindíveis para a nossa sobrevivência”, completa.

Na religião cristã, trazida pelos colonizadores portugueses, o ser humano vem do barro, mas a água tem um papel fundamental na representação da purificação e, até mesmo, na Santa Trindade. “A água é um dos símbolos do Espírito Santo. Ela representa a pureza e a limpeza. É utilizada no batismo, como fonte de limpar e purificar. O mergulho nas águas representa o novo nascimento. A água também é importante já que ela estava presente no primeiro milagre de Jesus, quando ele transformou a água em vinho”, relata o teólogo e pastor Regilson da Silva.

Um das explicações para que as águas estejam tão presentes no simbolismo cultural e religioso é que as lendas e ritos são uma forma de dar sentido à existência do homem a partir de elementos que estão presentes no dia-a-dia dos ribeirinhos. “O homem se vê de certo modo, condicionado a entender a realidade à sua volta formando crenças a partir do meio ambiente que o cerca. De acordo com André Vidal de Araújo, que estudou a temática ele destaca em seus estudos que quando se tenciona a compreender o homem a partir da sua afinidade com o meio ambiente natural, tem-se uma perspectiva mais apurada sobre o cotidiano”, explica o jornalista Allan S. Rodrigues, professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura da Amazônia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

* Livro escrito em 1952

Olhares da Amazônia

Foto: Raphael Alves

Os rios que inundam a imaginação e a religiosidade dos povos ribeirinhos também impressionam o olhar de quem trabalha registrando imagens das paisagens amazônicas e encantam os que acompanham o trabalho do jornalista e fotógrafo Raphael Alves. Com fotos conhecidas no Brasil e no mundo, Alves afirma que retratar as imagens e os rios amazônicos significa mostrar o que “temos de mais importante”.

“Minha preocupação sempre foi trazer as águas para a fotografia e transformar essa imensidão em arte. O significado depende de quem ver, não pertence a mim que fiz a foto, mas é natural que toda vez que eu vejo os rios perceba neles coisas diferentes. Nunca é o mesmo rio, nunca é a mesma pessoa e, muito menos, o mesmo fotógrafo”, explica.

E as mudanças são transformadas em projetos que o fotógrafo desenvolve ao acompanhar o ciclo das águas. “A ideia não era comparar, mas a natureza é impressionante. Essa relação ser humano versus natureza vem aparecendo em vários projetos meus, no ‘quando as águas’ não foi diferente. É bom voltar e sempre procuro compartilhar as minhas fotos com as pessoas que vivem ali. Todas as imagens são questões que pergunto a mim mesmo. Não sei as respostas e espero que essa dúvida constante convide o espectador a participar do processo tecendo suas próprias discussões ou ficando sempre em dúvida como eu”, propõe o fotógrafo.

Foto: Acervo Pessoal — Claudionor Bentes Vieira

Para o artista plástico paraense Claudionor Bentes Vieira suas inspirações se baseiam, principalmente, em olhares mais naturais, na beleza da natureza e em sua simplicidade “Olha, os quadros que eu pinto… eles falam do reflexo da Amazônia. Eu trabalho com reflexos de igapós e, já sobre índios, pinto sobre a liberdade que eles tem, a inocência. Para me inspirar na beleza da Amazônia, o que eu observo são as flores, as lindas árvores, os cipós pendurados nas árvores, os peixes saltando fora d’água, principalmente o tucunaré”.

“Eu gosto muito de pescar sabe… gosto de planta. Eu gosto de coisas boas. Eu gosto muito da natureza. A água é uma coisa maravilhosa para nós, seres humanos, porque sem ela a gente não pode viver.”

Dona Maria Vitulino da Silva, 71, é uma dessa pessoas que está sempre viajando de barco, e já viu um pouco de tudo. Sua relação com a água vem desde menina e, cultivando um grande amor pela água, seu maior medo são as tempestades durante suas viagens “A gente conhece porque viaja sempre né?! E sempre vemos o negócio da água. Porque chove muito e tem também o negócio do encontro das águas com a água de uma cor e outro de outra que não se misturam. Eu sou muito medrosa quando tem temporal sabe… eu sei nadar, se não der nenhum problema eu me salvo. Eu viajo todos os meses, e faço tratamento (de coração) aqui em Manaus. Eu gosto muito de viajar, sou de Carauari. Aqui casei e aqui construí minha família. Eu gosto muito de pescar sabe… gosto de planta. Eu gosto de coisas boas. Eu gosto muito da natureza. A água é uma coisa maravilhosa para nós, seres humanos, porque sem ela a gente não pode viver. E nós estamos num lugar… com água linda e maravilhosa… nós temos de amar, o que nós temos de bom. A nossa água é a coisa mais preciosa que a gente tem. Nos rios. Então se cada um fizer uma partezinha pra ajudar, pra ta limpinho, ai é bom demais.”

Foto: Maria Clara Guimarães

Água & Arte

Além de estar inserida em nossa cultura por meio de rituais como forma de purificação em diversas religiões, a água é um dos elementos mais usados pela arte, seja para contar histórias, seja para transmitir ensinamentos através de músicas, filmes e pinturas.

O audiovisual apresenta-se, aqui, utilizando-se da água, seja como protagonista ou como apoio para mostrar a importância e consequência dela em nosso mundo. Livros e músicas também expressam o sentimento que a água passa em nossa vida, como disse Dona Maria… sem a água não podemos viver.

O LabF5 preparou vídeos especiais para seus leitores e, a editoria cultural trouxe 3 vídeos-lista com a temática sobre a água e sua diferentes formas artísticas como filmes, livros e música.

Fotos: Maria Clara Guimarães

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