Cultura

Eduardo Coutinho e o retrato sensível das realidades

Diretor consegue extrair histórias extraordinárias de situações e pessoas aparentemente comuns.

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Marhia Edhuarda Bessa, especial para o LabF5.

Eduardo Coutinho (Reprodução: Guillermo Giansanti/VEJA)

O cinema desde sua gênese buscou contar histórias, a princípio retratando paisagens ou alguma atividade cotidiana (como nos curtas dos irmãos Lumière) e depois migrou para um mundo repleto de fantasia e idealismos proporcionados pela ficção, que tratou de apresentar histórias de amor com mocinhos, mocinhas e vilões, semeando assim o imaginário de milhares de pessoas.

No entanto, apesar das incríveis histórias com finais felizes, não demorou muito para que as pessoas percebessem que o maior drama está na vida real. Sendo assim, surgiu o documentário, que apesar de estar a mercê de um diretor, edições que podem dar diferentes significados a certas imagens e situações, ainda é o mais perto que se tem da realidade.

Com isso, surgem uma série de filmes que, apesar de seus diferentes recortes socioculturais vislumbravam um objetivo comum: retratar suas respectivas realidades. Nesse sentido, surgiram diversos cineastas, entre eles o brasileiro Eduardo Coutinho.

O diretor paulistano, na década de 60, aos 27 anos já cursava direção e montagem no Institut des Hautes Études Cinématographiques. Suas primeiras produções eram voltadas para gênero de ficção como “O Homem que Comprou o Mundo (1968)”. No entanto, tempos depois, em 1975 passou a integrar a equipe do programa Globo Repórter onde pôde ter a oportunidade de viajar pelo Brasil e ter acesso a diferentes vivências, desenvolvendo assim o gosto pelo gênero documental.

Por ter tido experiência no meio jornalístico, desenvolveu habilidades ao fazer entrevistas (ele prefere classificar como conversa), e findou sendo a marca principal de seus filmes. Um dos aspectos mais interessantes era a habilidade que tinha em conduzir as perguntas, extraindo as histórias mais curiosas e impressionantes. O cinema à Coutinho é marcado pela estética minimalista e processo de produção transparente, onde ele se insere explicitamente em vários momentos, atribuindo um tom mais espontâneo.

A escolha dos temas também chama muita atenção, uma vez que levantam debates e reflexões muito pertinentes que vão desde questões sociais que se fundem às releituras de determinados aspectos humanos. Entre estes se destaca Boca de Lixo (1993), Santo Forte (1999) e Edifício Master (2002).

As capas (da esquerda para a direita) de Boca de Lixo, Santo Forte e Edifício Master.

Boca de Lixo (1993)

Nesse filme, Coutinho acompanha a rotina de catadores do lixão de Itaoca, município do Rio de Janeiro. Uma série de rostos enrolados em blusas onde tudo o que se consegue ver são os olhos de diferentes; um caminhão chega e deposita uma pilha de lixo, causando tumulto, essas são as primeiras imagens apresentadas. Mais um lixão, nada de novo, à princípio.

No entanto, ao longo do documentário diversas pessoas são apresentadas, como dona Nirinha que tira seu sustento do lugar há 15 anos e carrega diariamente cerca de sessenta a setenta quilos. Dando continuidade à “trama” real, diversas famílias contam como é morar no lixão, a rotina de trabalho e a relação que desenvolveram com espaço, a partir disso uma nova perspectiva vai sendo construída.

Geralmente há uma concepção que pessoas que moram em lugares assim vivem uma vida miserável e carente de qualquer tipo de felicidade. O filme propõe suscitar a reflexão de que apesar de (evidentemente) não ser o ambiente ideal para se viver (devido as condições de infraestrutura e higiene), é necessário repensar o olhar dirigido a esse tipo de realidade, marcada pela marginalização e banalização sistemática dessas existências. Elas importam e resistem apesar todos os percalços e descasos.

Santo Forte (1999)

Classificado como documentário ficcional por Coutinho, Santo Forte é uma espécie de divisor de águas em sua produção. É aqui que se estabelece a metodologia narrativa, através das entrevistas. O filme retrata as diferentes manifestações e experiências religiosas dos moradores da favela Vila Parque da Cidade, no Rio de Janeiro.

Aproveitando a vinda do Papa João Paulo II em 1997 ao Brasil e a comoção que ela causou, o diretor entrevista fieis do catolicismo que pela televisão se emocionam e fazem promessas, em um momento íntimo de fé e devoção; Além desses, Coutinho entrevista umbandistas, tecendo ao longo do filme contrastes presente entre as diferentes histórias de experiências “sobrenaturais” positivas e negativas.

Apesar de ser um longa onde o diretor se instala na comunidade, é interessante refletir que há um certo cuidado para não parecer exótico ou como se quisesse diagnosticar. É um documentário que mostra a sensibilidade das pessoas em relação as suas crenças. Do cristianismo a umbanda, todos têm algo em comum, a fé.

Edifício Master (2002)

Localizado no bairro Copacabana do Rio de Janeiro, o Edifício Master é o local que Coutinho convida a conhecer nesse longa repleto de fragmentos de vida dos moradores.

Antes de começar as gravações o diretor morou um mês no prédio, a fim de desenvolver algum tipo de familiaridade com o espaço e até mesmo com as pessoas, uma vez que precisava escolher os entrevistados, marcar horários, etc.

Nesse filme há uma grande variedade de histórias, como a de Henrique, um senhor que conta ter viajado sozinho para os Estados Unidos aos dezessete anos e que um dia, por ventura das circunstâncias teve a oportunidade de cantar com Frank Sinatra.

Para além dele, outras dezenas de relatos despertam emoções, levando a perceber como as pessoas dividem espaços iguais, mas têm dinâmicas e trajetórias distintas. Elas são complexas e é necessário tentar entendê-las.

Esses filmes, repletos de experiências levantam o questionamento de como o diretor conseguiu achar histórias tão incríveis que chegam por vezes a soar como ficção, se há algo de especial no lixão, na comunidade ou no edifício. Mas nas palavras dele: “as pessoas mais comuns têm pouco a perder” e essa é a razão “pela qual as pessoas comuns são mais interessantes” (COUTINHO, 2009, p.4). Portanto, através de sua obra, ele prova que o extraordinário está em qualquer lugar.

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