ESPORTE

Na disputa contra o racismo a Itália perde de goleada

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4 min readOct 23, 2019

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O país da bota sofre com inúmeros casos de racismo todos anos no futebol, tornando-se um desafio a ser superado pela sociedade italiana.

Luciano Cunha, especial para o LabF5.

Há um século surgia na Itália um movimento político resultante da crise socioeconômica ocasionada pela Primeira Guerra Mundial chamado Fascismo. Entre suas características podemos destacar o totalitarismo, nacionalismo e o antissemitismo. Além disso, assim como na nossa Ditadura Militar(1964–1985), o movimento fascista usou do futebol como meio de propaganda para exaltar seus ideais entre os cidadãos italianos e mostrar para o mundo o crescimento do país graças ao regime autoritário, exemplos disso são as conquistas dos mundiais de 1934 e 1938, no qual o governo autoritário teve grande influência.

Porém, mesmo após o fim do regime fascista, a ideologia liderada por Benito Mussolini ainda pode ser vista enraizada na sociedade italiana, e como o futebol é uma extensão da sociedade, logo, se existe racismo fora das quatro linhas, existirá dentro também.

Na atual temporada do futebol italiano já aconteceram alguns casos de racismo, entre eles um com o lateral-esquerdo brasileiro Dalbert, da Fiorentina, que ouviu da torcida da Atalanta coros ofensivos, e avisou o árbitro que paralisou a partida e, depois do sistema de som do estádio avisar que são proibidos coros preconceituosos, a partida foi retomada e terminou num empate de 2 a 2. O presidente da FIFA, Gianni Infantino, assistiu a tudo num programa esportivo da televisão italiana e lamentou:”Na Itália, a situação não melhorou, isso é grave.” Ainda afirmou que é necessário usar medidas mais severas como a expulsão dos autores dos estádios. Outro acontecimento recente que chamou a atenção no futebol foi o caso com o recém-contratado da Inter de Milão, Lukaku. Em partida disputada contra o Cagliari pela segunda rodada do Campeonato Italiano, o atacante belga ao se preparar para bater um pênalti e convertê-lo, sofreu com agressões verbais de cunho racial vindas da arquibancada. Os ultras da Curva Nord, assim chamados os torcedores mais fervorosos da Inter de Milão, defenderam em carta aberta enviada ao atacante Romelu Lukaku a atitude do time rival dizendo ao jogador ,que encarou a arquibancada na comemoração do gol, que é preciso entender a cultura italiana. “Lamentamos que você tenha entendido que o que ocorreu em Cagliari foi racista. Você tem que entender que a Itália não é como muitos países do norte da Europa, onde o racismo é um problema real. Nós entendemos que pode ter parecido racista para você, mas não é assim”, diz trecho do texto, publicado em italiano e em inglês. Essas atitudes deixam claro que o racismo estrutural é um problema que a sociedade italiana precisa lidar.

Em dados publicados neste ano no relatório anual Calciatori Sotto Tiro [futebolistas sob fogo cerrado] pela Associação de Futebolistas Italianos (AIC, na sigla em italiano), que é uma investigação aprofundada sobre a quantidade e o tipo de intimidação, ofensas e ameaças que os jogadores de futebol sofrem no profissional e no amador, relata nesta quinta edição quase 500 casos de violência. Além disso, com 41%, o racismo tornou-se a primeira causa de violência mais comum, seguido de uma derrota em partida ou um desempenho esportivo abaixo das expectativas.

Outro dado publicado pelo Observatório Nacional em Manifestações Esportivas mostra que das 382 ultras observadas, termo semelhante a uma torcida organizada no Brasil, 60%(231) se declaram apolíticas, enquanto a terceira maior concentração ideológica nas organizadas é de extrema direita, mostrando que de norte a sul da Itália existem movimentos nazifascistas em muitas torcidas do futebol italiano.

Nota-se no mapa que há movimentos nazifascistas em muitas torcidas do futebol italiano de ponta a ponta na Itália (AGI)

Contudo, existe um movimento de luta contra o racismo no atual recém-chegado governo italiano, com a entrada do novo Ministro dos Esportes, Vincenzo Spadafora, que afirma:”Eliminar o racismo da sociedade é um processo longo e custoso, que chegaremos mais adiante, mas eu me comprometo a eliminá-lo dos estádios durante o meu mandato.” Spadafora já tem um longo currículo de trabalho contra discriminação, com trabalhos sociais na Unicef(Fundo das Nações Unidas para a Infância), e em seu discurso diz que futebol é divertimento, porém também é uma forma de desenvolvimento e é isso que deve voltar a ser. A batalha que o novo ministro enfrentará será árdua, pois a partida está acontecendo e o racismo está ganhando de goleada.

No Brasil, o problema com o racismo não é diferente. Segundo relatório anual de 2017 disponibilizado pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que é um projeto brasileiro que monitora e noticia casos de racismo no futebol, dos 77 (setenta e sete) casos discriminatórios monitorados ao longo de 2017: 69 (sessenta e nove) ocorreram em território nacional. Dos 69 (sessenta e nove) casos que ocorreram no Brasil: 61 (sessenta e um) estão relacionados ao futebol e desses 61(sessenta e um) 43 (quarenta e três) ocorrências estão atreladas a discriminação racial; 10 (dez) a LGBTfobia; 05 (cinco) com machismo; 03 (três) com xenofobia.

O racismo estrutural é um problema que necessita ser combatido na sociedade para poder ser refletido no esporte. Tanto o futebol brasileiro quanto o italiano precisam olhar para dentro e enxergar que o futebol assim como outros esportes são portas para mudanças de vida e não retrocessos históricos.

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O LabF5 publica conteúdo desenvolvido por estudantes do curso de Jornalismo da Ufam e colaboradores. E-mail: contato.labF5@gmail.com