Playlist LabF5: Da periferia para seus ouvidos

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9 min readJul 28, 2018

De Baco Exu do Blues ao grupo Rimas e Melodias: uma playlist para quem quer conhecer o mainstream do rap nacional.

Elânny Vlaxio, especial para o LabF5

Desde a melodia romântica até o mais underground da cena, o gênero musical rap vem se tornando cada vez mais popular, principalmente entre os jovens.

A palavra rap significa rhythm and poetry — ritmo e poesia em português. Nascido na Jamaica, passando por Nova York e chegando com tudo ao Brasil no cadente som do Racionais Mc’s ainda na década de 90, o gênero ultrapassa uma simples batida.

Carregando consigo uma forma de discurso rítmico, o rap ostenta como regra o direito à informação. Quem escuta o som, na maioria das vezes, percebe se tratar da voz de comunidades periféricas, isto é, uma narração cantada da realidade de muita gente no Brasil que é esquecida pelos governantes.

Tendo como foco a cultura urbana, o LabF5 preparou uma playlist com alguns rappers nacionais, dedicado a você que gosta do cenário urbano ou pretende dar uma chance para conhecê-lo.

1 Baco Exu do Blues

Diogo Moncorvo, mais conhecido pelo nome artístico Baco Exu do Blues, é cantor e compositor brasileiro. Representante do estado da Bahia no gênero, ganhou fama depois da popularidade do hit “Sulicídio”, em parceria com Diomedes Chinaski.

(Foto: Ariel Fagundes/ Noise Brasil)

Sem pedir licença, a música começa com um beat agressivo e o instrumental que lembra o funk seguido de ritmos da região norte. Baco e Chinaski não medem palavras ao tecer críticas aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, reivindicando visibilidade para os outros estados. Produzida por Mazili e Sly, “Sulicídio” é o que podemos chamar de diss — resposta em uma música — para os mc’s, e um grito de rappers do norte.

Em 2017, o cantor deu um grande salto com a música “Te amo desgraça”, do álbum “Esú”. Unindo o instrumental de tambores do axé ao dialeto baiano, a música se tornou legenda de fotos para muitos casais apaixonados. Baco manifesta em suas letras temas como religião, sociedade, empoderamento negro e exaltação pela sua cidade.

2 Tássia Reis

(Foto: Marco Pinheiro/ Screamyell)

Cheia de autoestima, a rapper Tássia Reis não dispensa o uso de jazz, samba, soul e r&b para criar uma mistura relaxante aos ouvidos. Em seu repertório, destaca não apenas as questões do racismo, mas também dá evidência à importância e à força da mulher, como pode ser constatado no refrão da música “Desapegada”:

Tão solta como o vento indica,

voando por onde se quer e vai querer

Ninguém manda na tua vida,

ela criou um jeito novo de viver”.

Na batida de um ritmo calmo, como uma espécie de paquera para quem ouve, a música “No seu radinho” foi um pontapé inicial na carreira da cantora. Com apenas 25 anos, Tássia já produziu o EP “Ouça-me RMX” e o álbum de estreia “Outra Esfera”, que conquistou os fãs por ser um disco que carrega resistência, seja nas letras ou no simples instrumental, que lembram ritmos africanos e brasileiros.

Atualmente, a cantora participa de grandes projetos como o “LabFantasma”, produtora musical liderada pelo rapper Emicida, que trabalha especificamente com o gênero hip hop. No ano passado, a empresa conquistou espaço ao lançar videoclipes, músicas e vestimentas com o seu selo, e Tássia tem uma parceria com a produtora na colaboração de shows e eventos.

3 Sant

Para quem curte um típico rap de mensagem, o Mc Sant é um dos melhores nesse quesito. Carioca de Pilares, zona norte do Rio de Janeiro, Sant’t Clair Araújo Alves é rapper, compositor e artista brasileiro.

(Foto: divulgação)

Desde os 15 anos, Sant já participava do meio hip hop, fosse mostrando um freestyle — rimas sobre determinado assunto — em batalhas de rimas, ou marcando presença em shows. Com 16 anos se descobriu Mc, lançando os singles “É o Rap” e o romântico “Entre nós”.

Em 2015, lançou seu primeiro projeto. Um EP de cinco músicas com uma pegada autobiográfica; entre elas, a faixa “O que separa os homens dos meninos” ganha destaque. É o tipo de música para quem aprecia uma reflexão, posto que fala sobre questões de família, amadurecimento precoce e abandono paterno. Em um dos trechos da música, o ouvinte consegue ter noção de como a letra é pesada e ao mesmo tempo significativa em diversos sentidos:

“Não sou daqui, mente é plutão, coração faixa de Gaza

Já viu alguém pedir licença pra entrar na própria casa?

Talvez quem tinha que tá vivo era meu irmão

Que foi abortado e veio eu: péssimo filho.

Doente, fedendo a pecado, mas tenta não pirar

Apesar da pouca idade, Sant é muito conhecido no meio artístico do rap pela forma como introduz suas letras, tratando de colocar críticas, afirmações maduras e ainda brincar com figuras de linguagem.

Sant deu uma pausa na carreira, mas continua com os trabalhos em colaborações com grandes nomes do rap nacional como o rapper Djonga, na faixa “UFA” do álbum “O menino que queria ser Deus”.

4 Djonga

Por falar nele, Gustavo Pereira Marques, ou Djonga como é mais conhecido, ainda criança já era envolvido no meio do rap, sempre teve uma ligação com a poesia, seja falada ou escrita.

(Foto: Red Bull)

Vindo da favela do Índio, Belo Horizonte, o cantor representa muitos jovens brasileiros ao rimar sobre questões como sociedade, racismo, drogas, criminalidade e sexo.

Djonga é o tipo de rapper que chama atenção justamente pela maneira como aborda os assuntos nas suas letras, e um exemplo disto pode ser encontrado em seu álbum de estreia “Heresia”, lançado em março de 2017. Desde a capa do disco, fazendo referência ao álbum LP “Clube da Esquina” de Milton Nascimento, até uma das faixas chamada “Esquimó”, todas as músicas são recheadas de referências e samples — trecho de outra música/audiovisual inserido em uma música — dignos de um play.

Em março de 2014, o rapper lançou seu primeiro single, “Corpo fechado”, mas foi apenas em 2016 que ficou conhecido com o hit “Sujismundo”, que trazia as participações do cantor Bino e o rapper Baco. A música ainda lembra um pouco a faixaSulícidio”, mudando apenas o intuito, e funcionou mais como uma espécie de autoafirmação.

No ano passado, o mineiro escreveu o single “Olho de Tigre”, cujo refrão “Sensação, sensacional, sensação, sensacional… Fogo nos racistas” ficou conhecido entre jovens e adolescentes como uma frase antirracista.

O álbum “O menino que queria ser Deus” vem com ideias mais maduras. A marca e as referências do Mc estão presentes em faixas incríveis como “Junho de 94”, “Atípico” e “Corra”.

“Corra”, por sua vez, foi de longe a faixa que mais chamou atenção dos entusiastas do rap, com a participação da cantora Paige. A letra narra a história de sofrimento dos negros, possui uma lírica excelente e faz valer cada um dos seus 3 minutos.

5 Rimas & Melodias

(Foto: Yago Peres / Estadão)

Em estilo de banca, sete mulheres criativas vieram para mostrar que o movimento hip hop feminino também tem seu espaço.

Com toda a era Cypher — videoclipe com união de um ou mais rappers — , a cena do rap brasileiro estava dominada em sua maioria por artistas masculinos. Nesse meio, as Mc’s perceberam a falta de representatividade feminina e resolveram criar o coletivo Rimas e Melodias.

Formado em 2015, o grupo reúne grandes nomes como Drik Barbosa, Karol de Souza, Stefanie, Tássia Reis, Alt Niss, Tatiana Bispo e Mayra Maldjian. O objetivo do grupo é trazer o empoderamento femino para mulheres de todas as idades, retratando o que é ser mulher na sociedade e o peso de ser negra.

Em 2017, as meninas mostraram que não vieram para brincadeiras e garantiram um lugar no rap game — vivência sobre trabalhar com a área do rap. Com estilos como rap, r&b e neo-soul, o álbum “Origens” compartilha um pouco das histórias e raízes das sete jovens, que cantam sobre feminismo dando força e autoestima para mulheres que o escutam.

O grupo se inspirou na introdução da música Flawless da cantora Beyoncé, que trouxe o discurso da feminista nigeriana Chimamanda Ngozi. Assim, a música “Manifesto/ Pule Garota” termina com a fala da filósofa e feminista Djamila Ribeiro, para encerrar a letra com chave de ouro.

A música que carrega o nome do disco é uma das merecem um minutinho do seu tempo, e não é à toa que foi a primeira a ganhar um videoclipe. Com beats cheios de referências, “Origemchega pesadíssima com o ritmo armênio falando sobre ancestralidade, força e presença feminina, um dos trechos que provam isso é o da paulistana Drik Barbosa:

“Na bike sem freio me equilibrei e das armadilhas e eu me livrei

Criança de vila nasceu das batida, tem que ter swing, eu suinguei

Meu pai baterista, baiano, axé

Sou pérola negra, Olodum maré

Mãe nascida em Recife, porreta, afiada tipo peixeira, então bota fé”

Apesar da mudança dos beats, que vão desde o erudito até o mais eletrônico envolvendo um trap soul, a música em nenhum momento deixa de lado o contexto, que é justamente o lado pessoal de cada uma das meninas.

Outro bom exemplo de faixa é “Coroação”. Tendo um ritmo calmo, mas ao mesmo tempo cativante, a música traz uma força poética enorme falando sobre preconceito:

É sobre lutar, sobre nos amar

É sobre viver e sobreviver

É sobre lutar, sobre conquistar

É sobre fazer valer

Toda força, mulher preta

Toda garra, mulher preta”

Refrão da música Coroação.

6 Síntese

Para além do estereótipo de glamourização que é criado sobre o hip hop, o grupo Síntese tem sua forma única na construção de letras com teor metafísico e até um beat com um simples boom bap — música composta com o ritmo da bateria dos anos 70.

A formação antiga feita pelos irmãos Neto e Léo, assim como a maioria dos rappers, tenta abordar questões sociais. Mas o que se torna peculiar nas letras é que em grande parte relatam assuntos sobre o sobrenatural e religião, possibilitando diversas interpretações para quem escuta.

(Foto: divulgação)

O cd “Sem Cortesia” apresenta batidas pesadas, como o flow — velocidade da rima — , que lembra algo jamaicano, e o característico boom bap da velha escola do hip hop. As letras, além de falar sobre pensamentos espirituais e conflitos pessoais, evocam conceitos da bíblia e por vezes um sentimento de esperança, paz e revolta.

Uma das músicas preferidas entre os fãs é “Se Escute”, que inicia com um interlúdio entre Léo e Neto, uma espécie de hino que inspira quem ouve a ser uma pessoa melhor e nunca desacreditar de que é capaz. É uma música que faz você parar alguns segundos para pensar.

Em 2013 foram lançados os EP’s “Buracos ao chão” e “Perdão e Gratidão”. A música “Perdão e Gratidão” é muito forte, tanto na parte instrumental e técnica, quanto na letra em si, que se configura como uma grande reflexão:

“Enquanto isso. Esperançosa e inocente,

A criança espera o pai ansiosa pelo presente que não vem.

Acumula decepções.

A esperança morre sempre que alguém ganha ilusões”

Com tantas reflexões e um beat simples, uma expressão que vale para definir as suas músicas é expansão de pensamentos. Na adolescência, os rappers passaram por dificuldades; em 2013, Léo foi diagnosticado com esquizofrenia, e a dupla deu uma pausa na produção musical.

A partir desta perspectiva, buscam sempre abordar nas letras assuntos como saúde mental e espiritual com uma importância maior, servindo mais do que uma autoajuda e faixas extraordinárias, mas expondo também relatos pessoais dos irmãos.

”Desconstrução”, por exemplo, é uma música que faz jus ao título que carrega. Com um boom bap leve, a faixa veio associada à espiritualidade e à transcendência, aludindo a uma atmosfera budista com o som da guitarra no fundo.

Até para quem não é fã de rap, Síntese tem o estilo de letra que vale a pena dar um play no Spotify. Todas as músicas tentam oferecer algo de bom para quem as escuta, e garantem uma reflexão não apenas sobre a psique humana e o imaginário místico que carregamos, mas, sobretudo, sobre o modo com que a sociedade se transforma.

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O LabF5 publica conteúdo desenvolvido por estudantes do curso de Jornalismo da Ufam e colaboradores. E-mail: contato.labF5@gmail.com