Privatização da água ameaça a população
Programa de privatização do governo federal gera incertezas e pode trazer prejuízos sociais
Leonardo Sena, Lucas Alves, Lucas Henrique, Ruan Lucas e Victor Cavalier, especial para o LabF5
O governo federal está implantando um programa de privatização da agua no Brasil. O Programa de Parceria de Investimentos (PPI) abrange diversas companhias estaduais de saneamento. O Brasil, diferente de outros países que estão buscando a reestatização, está incentivando a privatização desses serviços.
Grupos internacionais têm demonstrado interesse em adquirir ativos do setor de saneamento no país. O PPI tem como papel fundamental designar ao Estado o papel de regulador, desse modo, retiraria todo entrave burocrático, atrairia a iniciativa privada e o capital internacional.
A meta desse programa governamental é normatizar as concessões de privatizações para os próximos dois anos. Em 7 de março de 2016 foram apresentados mais de 55 projetos do PPI, entre eles, a desestatização de 14 empresas, o que deve ocorrer no segundo semestre deste ano. Todavia, alguns governantes não demonstraram interesse na privatização do setor, como Rui Costa, da Bahia e Camilo Santana, do Ceará.
“A privatização cobre a ineficiência do Estado, obviamente, mas um dos ônus é o número gigantesco de demissões após a desestatização” , afirma José Roberto Carvalho, economista amazonense.
Criação do PPI
O PPI nasceu, em 2016, com intuito de reforçar a coordenação das políticas de investimentos em infraestrutura por meio de parcerias com o setor privado. Após isso, o governo elaborou um estudo denominado “Diagnóstico Saneamento”, que seriam consultorias com o objetivo de obter estudos técnicos e a proposição de modelagens adequadas a cada estado.
Uma avaliação setorial, com 13 medidas para adequar o saneamento brasileiro ao programa de privatização. O documento teve grande repercussão recebendo críticas de instituições e de especialistas do setor. Em entrevista ao LabF5, o doutorando em Hidrogeologia, Ingo Daniel admite que os riscos de se privatizar o serviço de água são altos. Confira a entrevista na íntegra:
Privatização no Exterior
As experiências internacionais com a privatização da administração de água e esgoto foram basicamente negativas. Então a reestatização está sendo a solução encontrada por para tentar solucionar a problemática que foi criada. A justificativa desses países para essa medida foi que na gestão privada havia problemas enormes com falta de investimento na infraestrutura, aumento de preços abusivos e grandes danos ambientais.
Um exemplo que pode ser dado é o da França, país com maior número de empresas privadas na administração da água e esgoto, tendo duas empresas concorrentes desse mercado. Por conta do elevado grau de insatisfação da população com os serviços prestados, muitos municípios abortaram os contratos ou esperaram o tempo de serviço chegar ao fim e não renovaram com as empresas, dessa forma essas cidades se reestruturaram para tomar posse dessa administração.
O gráfico abaixo expõe o processo de reestatização em diversos países:
Conflitos expõem distribuição deficitária de água ao redor do mundo
A água é um recurso de poder, principalmente, em lugares onde a distribuição é deficitária e até inexistente. Assim como o petróleo, a água potável gera conflitos por ser o mais estratégico dos recursos. Entretanto, a segunda opção não possui formas alternativas e muitos conflitos surgem a partir da disputa pela sua posse e controle. Confira no mapa alguns locais de intensos conflitos:
Conflitos no Oriente Médio
O primeiro conflito pela água que se tem notícia ocorreu na Mesopotâmia envolvendo duas cidades-estados, Umma e Lagash, há cerca de 4.500 anos. No Oriente Médio, subcontinente da Ásia, a escassez é tão grave que gera conflitos entre diversos países. Petróleo em abundância, água em escassez: é esse o problema encontrado por diversas nações presentes naquela região. Por se tratar de um raríssimo recurso, é privilegiado quem tem a nascente em seu território, caso da Turquia.
Com a finalidade de serem utilizados na irrigação, os rios Tigres e Eufrates protagonizaram uma tensão que também é vista hoje em dia no conflito entre Turquia, Síria e Iraque. Tendo posse da nascente, o governo turco construiu uma barragem para diminuir a vasão e gerou atrito entre os países, contribuindo para o embate. Diante disse, Síria e Iraque temem o controle turco sobre as nascentes dos rios, pois a Turquia pode represar suas águas para realização de irrigação, construção de usinas hidrelétrica ou para qualquer outro fim. Dessa forma, o abastecimento ficaria comprometido.Uma forte seca ocorrida no final da década passada fez com que acordos fossem fechados, porém a situação permaneceu caótica.
Conflitos na região africana
Na África, o maior conflito por recursos hídricos ocorre devido à monopolização do Rio Nilo. O Egito e Sudão controlam o acesso às águas por meio de um acordo proposto pela Grã-Bretanha em 1929. Esse acordo, porém, foi emendado apenas em 1959, com os demais países que fazem parte do curso e da nascente do Rio Nilo não sendo consultados sobre a decisão.
O tratado concede ao Egito 55,5 bilhões de metros cúbicos do fluxo anual médio do rio, estimado em 84 bilhões de metros cúbicos, enquanto o Sudão recebe 18,5 bilhões. Outros 10 bilhões se perdem na evaporação do lago Nasser, criado para a construção da represa de Asuã nos anos 1970. Os outros nove países banhados pelo rio não têm direitos sobre ele. Os países do acordo argumentam ter poder de veto sobre qualquer projeto em seu curso superior, tanto construção de represas como irrigação.
O desejo de conseguir uma distribuição mais igual do Nilo levou à aprovação, em 2010, do Acordo de Entebe, que substitui as antigas cotas e inclui uma cláusula que permite toda atividade rio acima desde que não haja um impacto “significativo” em toda segurança hídrica de outras nações da bacia do Nilo. Cinco países vizinhos (Etiópia, Quênia, Uganda, Tanzânia e Ruanda) também assinaram esse acordo, Burundi o fez em 2011.
“O Egito é totalmente dependente do Nilo. Sem ele, não há Egito”, apontou Richard Tutwiler, especialista em manejo de recursos hídricos na Universidade Norte Americana do Cairo, para a agência de notícias Inter Press Service.
Em um estudo preparado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o Dia Mundial da Água, foi mostrado que o acesso à água será a causa de maior relevância das guerras na África até 2030, principalmente em regiões pobres que compartilham rios e bacias.