ESPECIAL

Que liberdade de imprensa comemoramos no dia 03 de maio?

Segundo a organização Repórteres sem Fronteiras, o Brasil ocupa a 102 ª posição no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa em um total de 180 países avaliados pelo relatório.

Nicole Baracho
LabF5

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Natália Serrão e Nicole Baracho, especial para o LabF5.

(Ilustração: Kidler).

Hoje (03/05), comemora-se o dia Mundial da Liberdade de Imprensa com dados intimidantes. Quatorze jornalistas foram assassinados ao redor do mundo no exercício da profissão entre janeiro de 2018 até o presente momento, os dados são divulgados pelos Repórteres Sem Fronteiras (RSF), organização independente que luta pela liberdade de informação internacional.

Entretanto, esses dados ainda não incluem o assassinato de 9 jornalistas que aconteceu na última segunda-feira (30/04) na capital do Afeganistão, Cabul. O ataque, reivindicado pelo Estado Islâmico, foi especificamente voltado contra a imprensa. Então, ao todo, são 23 jornalistas mortos até agora no ano de 2018.

A necessidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) de estabelecer um dia para celebrar o direito de investigar, apurar e publicar informações de forma independente vem como uma forma de aviso, já que muitas torturas e assassinatos são cometidos contra jornalistas como uma forma de repressão e continuam impunes.

No Brasil foram registrados 99 casos de violência contra a categoria no relatório anual de 2017 da Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) e um total de 130 vítimas, já que houve casos em que mais de um jornalista foi agredido. Este número põe o Brasil na 102ª posição no ranking Mundial de Liberdade de Imprensa da RSF em um total de 180 países investigados. O país estava estagnado na 103ª posição desde que começaram a fazer o ranking em 2002 e só conseguiu subir uma posição este ano pelo agravamento da situação em outros países.

O RANKING

O Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa é publicado anualmente desde 2002 através da RSF. Com o objetivo de analisar a liberdade das informações em 180 países, é possível analisar se os jornalistas possuem autonomia para o exercício da profissão, a diversidade de vozes nos relatos dos acontecimentos, a independência dos veículos de comunicação e a transparência e qualidade da informação.

A RSF seleciona especialistas da área jornalística, sociólogos e juristas para responder um questionário online composto por 87 perguntas que abordam o grau da diversidade de opiniões, a independência dos meios de comunicação em relação ao governo e à política e a infraestrutura para a produção de notícias. Por meio de um balanço dos casos de violência, incluindo assassinatos e agressões, é possível que a organização elabore um indicador para o país.

Brasil é indicado em situação sensível para a liberdade de imprensa (Foto: Reprodução RSF)

A LEI E O ATRASO

A primeira lei de liberdade de imprensa do mundo foi criada em 1766, na Suécia. A mesma lei só veio surgir no Brasil 220 anos mais tarde, na Constituição de 1988. A Suécia, em 1916, criou um conselho que pudesse regulamentar os excessos perigosos cometidos pela mídia. No Brasil, não há nenhum projeto definido e nem proposto para a regulação da mídia nacional. Entende-se que este atraso não vem apenas de um descaso com a mídia, mas sim, de uma sucessão de acontecimentos históricos que levaram ao atraso generalizado do Brasil.

Por exemplo, as riquezas exploradas durante décadas por países europeus, a tardia Proclamação da República e, mais tarde, uma Ditadura Militar que censurou a liberdade de imprensa. Tudo isto tornou o país instável economicamente e politicamente, presente até hoje e só se acentua em 2018, ano de eleições, trazendo uma atmosfera propícia para a violência contra os profissionais da mídia.

ASSASSINATOS E AGRESSÕES

Durante a cobertura da condenação e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, jornalistas de diversos veículos de comunicação foram vítimas de agressão de manifestantes a favor e contra o réu da Lava Jato. Equipes de repórteres foram xingadas, carros das empresas foram depredados, profissionais atingidos com objetos, as transmissões foram interrompidas e os jornalistas foram obrigados a se retirarem do local como medida de segurança.

Para Emmanuel Colombié, diretor regional para a América Latina da RSF, as autoridades devem garantir o trabalho da imprensa em períodos de tensão política. “Os jornalistas brasileiros são injustamente tomados como alvo, vítimas da indignação dos manifestantes que os associam diretamente à postura editorial dos veículos para os quais trabalham.”, disse, segundo a organização.

A cobertura da prisão de Lula foi marcada por tumulto e agressões aos jornalistas (Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles).

Em janeiro desse ano, dois jornalistas brasileiros foram assassinados em um intervalo de pouco mais de 24 horas nos estados de Rondônia e Goiás. Ueliton Brizon, proprietário e editor do Jornal de Rondônia, foi assassinado quando estava acompanhado da esposa em uma motocicleta em Cacoal, a 479 km de Porto Velho. Ueliton publicava reportagens sobre a região que morava, especialmente sobre os acontecimentos políticos e era presidente do Partido Humanista da Solidariedade (PHS) e suplente de vereador na Câmara da cidade.

No dia seguinte, o radialista Jefferson Pureza foi assassinado na garagem de sua casa no município goiano de Edealina, distante 153 km da capital. Ele apresentava o programa “A Voz do Povo” na rádio Beira Rio FM, que foi incendiada pela segunda vez em novembro do ano passado. Jefferson cobria as irregularidades políticas e comentava sobre a gestão do prefeito Winicius Arantes de Miranda, e de acordo com a polícia civil, o programa era bastante conhecido e não agradava as autoridades locais. Segundo amigos de Jefferson, o jornalista já havia denunciado as ameaças de morte que estava recebendo há mais de um ano.

Enquanto cobria uma manifestação de servidores estaduais próximo à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o jornalista Caco Barcellos foi agredido com garrafas, caixas e cones de trânsito por manifestantes enquanto tentava gravar uma reportagem para o seu programa. Ao ser escoltado por policiais e sair do local, alguns manifestantes ainda o seguiram e gritavam discursos de ódio contra o profissional.

Caco Barcellos deixou a manifestação aos gritos de ‘golpista’ (Foto: Alex Ribeiro/Folha de São Paulo).

O PROJETO TIM LOPES

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) com financiamento da Open Society Foundations criou em 2017 o projeto Tim Lopes com o objetivo de defender os profissionais da área jornalística que foram vítimas de crimes no exercício da profissão. O nome do projeto é uma homenagem ao repórter Tim Lopes que foi assassinado no ano de 2002 durante uma reportagem no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

Dividido em duas etapas, o projeto pretende percorrer os cenários onde aconteceram crimes simbólicos contra jornalistas nos últimos anos, coletando informações do crime, das autoridades locais, dos conhecidos da vítima e o significado da morte para a comunidade. Com isso, é esperado que as respostas dos crimes sejam rápidas e que o material seja publicado por todos os veículos de comunicação envolvidos no projeto esclarecendo os motivos que deram causa aos homicídios e agressões cometidas ao profissionais de mídia.

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