Sociedade

Resistência: Roda de conversa discute o ‘jornalismo em tempos de autoritarismo’

A partir de uma aula sobre ditadura, evento promoveu conversa acerca do atual momento político do país.

Gabriel Bravo de Lima
LabF5

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Camila Barbosa e Gabriel Bravo, especial para o LabF5.

Todos os participantes reunidos ao final do evento (Foto: Camila Barbosa/LabF5)

A palavra “tóxico” foi eleita a palavra do ano pelo dicionário Oxford, da universidade homônima no Reino Unido. Segundo a instituição, o termo “é julgado como um reflexo do ethos, do humor ou das preocupações do ano”. Se o contexto social envolvido para tal escolha fosse apenas o do brasileiro, a palavra “resistência” seria uma das favoritas para a indicação.

E em meio ao atual contexto político que o Brasil enfrenta, os estudantes do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) promoveram, no último sábado (24/11), o evento “Jornalismo de Resistência: o papel do jornalista em tempos de autoritarismo”, no Musa do Largo São Sebastião, com a participação dos jornalistas Jorge Dantas (da WWF — BR), Katia Brasil (do Portal Amazônia Real), Wilson Reis (ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas) e do professor doutor em História César Queiroz (IFCHS/Ufam).

“O evento surgiu da necessidade de debater o jornalismo e o papel do jornalista nesses tempos em que estamos vivendo, que são autoritários, e frente a esses ataques que estão vindo do presidente eleito e da sociedade, influenciada por ele” explica Jullie Pereira, estudante de Jornalismo e idealizadora do evento.

A campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro foi marcada por ataques a imprensa e seu comportamento não mudou mesmo após a eleição.

Da esquerda para a direita: Wilson Reis, César Queiroz, Kátia Brasil, Jorge Dantas (Foto: Camila Barbosa/LabF5)

Para Kátia Brasil, co-fundadora do Portal Amazônia Real, é necessário pensar em alternativas para exercer a profissão. “Eu precisei aprender a empreender para resistir”, disse.

Kátia trabalhou por 13 anos no jornal Folha de São Paulo e, em 2013, foi demitida subitamente junto com outros colegas. No mesmo ano, fundou o portal “Amazônia Real”. “O leitor brasileiro precisa entender que o jornalismo independente é uma forma de resistência sim, não só em relação ao governo conservador que está assumindo, mas também a determinados temas que são invisíveis na nossa sociedade”, destacou.

Kátia citou, ainda, a desertificação de notícias no Brasil, percebido pelo Atlas da Notícia — iniciativa que mapeia a produção jornalística no país –, justificando sua fala sobre a necessidade de se criar mais veículos independentes. Estima-se que 30% dos municípios brasileiros podem virar desertos de notícia.

Kátia Brasil enfatiza a importância de empreender para a resistência do jornalista (Foto: Camila Barbosa/LabF5)

Outro tema de destaque no debate foi a censura à imprensa. A ideia de censura associa-se rapidamente a atos formais de um governo, como a criação de uma entidade responsável somente pela “regulação” do que é publicado ou à figura de um censor dentro das redações de jornais, por exemplo.

No entanto, não é sempre, ou não somente assim, que a censura se instaura em uma sociedade. É necessário levar em consideração os aspectos econômicos e jurídicos aos quais a censura pode se aliar. Recentemente, a TV Globo foi proibida pelo juiz Gustavo Gomes Kalil, da 4ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, de divulgar novas informações sobre o caso da vereadora assassinada Marielle Franco. A decisão gerou inclusive uma nota de repudio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

O professor César Queiroz explica, citando um caso específico do periódico Correio da Manhã, que esses mecanismos de censura não institucionalizados por um governo eram comuns na ditadura militar brasileira.

“Na fala de hoje eu busquei discutir a questão da censura numa perspectiva inclusiva, que não se restringe as práticas formais e institucionais de governo. O periódico Correio da Manhã teve enormes dificuldades financeiras ao se manifestar contra a ditadura, e acabou sendo fechado justamente por causa disso. Pensar a censura no Brasil não pode se reduzir a pensar a censura formal, institucional. Existem outros mecanismos de censura, como a econômica, a que ocorre pela coerção jurídica — que é muito comum hoje em dia –, e a censura que se dá a partir da pressão de alguns grupos, que tomam um discurso que, muitas vezes, se torna dominante.”

Público participa da roda de conversa (Foto: Camila Barbosa/LabF5)

César destaca ainda, a importância de se diferenciar ‘memória’ de ‘história’, principalmente em tempos autoritários, enquanto meios diferentes de acesso ao passado.

A afirmação do professor vai de encontro ao anúncio do futuro Ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Vellez Rodrigues que, em artigo publicado, exaltou e pediu comemorações a data do Golpe Militar de 1964 (também festejada inúmeras vezes pelo futuro presidente).

“Memória e história são duas formas diferentes de acesso ao passado. E hoje em dia há toda uma produção historiográfica significativa que se acumula há décadas sobre a ditadura militar, enfatizando seu autoritarismo, e é bastante complicado, em um governo, negar essa produção acadêmica. Está indo contra a pesquisa que é feita no Brasil, contra a pesquisa que é feita nas universidades e nos centros de pesquisa.”

A idealizadora do evento, Jullie Pereira, conclui sobre o atual momento político que “Não é hora de ignorar o papel do jornalista na construção do bem comum. Fomos silenciados décadas atrás, a história e os fatos recentes são a prova de que estamos caminhando para tempos sombrios”.

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