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Saúde mental dos vestibulandos: quais os limites para a conquista de uma vaga?

O LabF5 entrevistou estudantes e uma psicóloga para falar sobre a jornada de conseguir aprovações nas universidades públicas e as complicações físicas e mentais causadas por distúrbios psicológicos.

Nicole Baracho
LabF5

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Natália Serrão e Nicole Baracho, especial para o LabF5

O nível de estresse e ansiedade se torna cada vez mais elevado entre os vestibulandos. (Foto: Reprodução/iStock)

Para os estudantes que estão no último ano do Ensino Médio, as provas que lhes esperam no final do ano serão como um divisor de águas para o sucesso profissional. Para quem passa de primeira, é mais do que uma conquista: é a realização de um sonho que precisa ser bastante comemorada. Todos aqueles anos perambulando entre escola, cursinho e viradões parecem valer a pena quando se tem uma vaga na universidade pública para chamar de sua.

Já aqueles que fizeram a prova uma ou mais vezes e não viram o seu nome na lista dos aprovados, é recorrente a sensação de um ano jogado fora. A frustração pessoal é tão grande quanto a culpa por ter feito os pais pagarem a mensalidade cara do cursinho e, ainda por cima, os estudantes são obrigados a ver inúmeras postagens nas redes sociais de todos que foram aprovados.

Dandara Soares, 23 anos, ainda não desistiu do sonho de cursar Medicina, um dos cursos mais disputados com uma das maiores notas de corte do vestibular. Desde 2013, a vestibulanda tenta uma vaga na graduação e não mostra sinais de querer desistir. “Todos os vestibulandos que almejam a tão sonhada vaga no seu curso dos sonhos sabem qual é a sensação de vencer uma lista da sua pior matéria e o que é estudar 12 horas seguidas, cada subida faz você se sentir vitorioso”, afirma. O esforço de Dandara e de muitos outros vestibulandos é reconhecível, entretanto, não é para qualquer um estudar mais de 12 horas por dia e se livrar do contato com o mundo virtual e real para conseguir seu lugar na faculdade. Veja outros relatos de estudantes no final do texto.

Segundo relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde, a depressão atinge cerca de 11,5 milhões de brasileiros (aproximadamente 5,8% da população), enquanto distúrbios relacionados à ansiedade afetam quase 19 milhões de brasileiros, principalmente as mulheres. No ano de 2015, o suicídio tornou-se a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 e 19 anos, justamente na época de descoberta intelectual, desejo de liberdade, crescimento pessoal e sentimentos amorosos à flor da pele.

(Arte: Natália Serrão e Nicole Baracho)

Um estudo publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sugere que os estudantes brasileiros estão entre os mais ansiosos do mundo. Os resultados deste estudo, “Bem-Estar do Estudantes: Resultados do Pisa 2015”, mostram que 80,8% dos estudantes brasileiros se sentem ansiosos durante avaliações e 56% ficam tensos durante os estudos.

Ao conversar com a psicóloga Sandra Fernandes (CRP 05483), algumas orientações foram abordadas para que os vestibulandos cumpram saudavelmente suas rotinas de estudos e obtenham êxito nos vestibulares, além reforçar a importância do acompanhamento médico e psicológico durante essa etapa, confira no vídeo abaixo:

A psicóloga Sandra ainda comenta sobre o importante papel dos pais na vida dos filhos.

FALANDO EM EDUCAÇÃO…

Nas escolas e universidades, o método de avaliação se mostra desatualizado ao mensurar a capacidade de aprendizado por meio de números calculados em provas. O estudante que não se mostra apto ao modelo de aprendizagem imposto pelas instituições de ensino é taxado de incapaz e inconsequente. Como saber quantas mentes brilhantes estão se calando por não reluzirem diante dos testes tradicionais?

De acordo com o teórico Howard Gardner, a inteligência está dividida em sete áreas de habilidades diferentes e todas as pessoas possuem áreas mais desenvolvidas que outras:

(Arte: Natália Serrão)

Segundo o artigo XXVI da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória e a instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, baseada no mérito”.

Os modelos educacionais precisam ser inclusivos, abordando cada tipo de inteligência para que esta geração e as gerações futuras não definhem cada vez mais diante de provas que são de resistência física, mais do que tudo. De acordo com a Declaração, todo ser humano tem educação por direito e deve-se lutar para que os jovens deixem de achar normal o fato de precisarem passar mais de 12 horas por dia estudando para conseguir uma vaga numa universidade. Uma vaga que será dele “baseada no mérito”, mas que de forma alguma deve vir à custa da sua sanidade mental e integridade física.

O LabF5 conversou com alguns jovens sobre as pressões que o vestibulando sofre.

Karine Barbosa sonha em cursar medicina desde os 14. Tentando pela terceira vez entrar na faculdade por meio do Enem e do Macro, ela afirma que o caminho não é fácil. “Esse ano estou me sentindo muito pressionada por mim mesma. Sinto uma angústia, estou desanimada e pessimista com meu próprio futuro. Parece que essa barreira nunca vai ser ultrapassada e meu sonho nunca vai chegar”, relata.

Ela ainda disse que é fundamental que a pessoa saiba conciliar os estudos com a vida social e amorosa, mas lidar com a realidade de ver todos os seus amigos aprovados nas faculdades é um caso complicado. “Me sinto alguém incapaz, é uma ansiedade que tira a minha paz”. Após ter excluído todas as suas redes sociais no ano passado, Karine afirma que estava isoladamente socialmente e isso de uma forma a prejudicou a encontrar o equilíbrio entre a rotina de estudos e sua vida social. “Nesse ano, estou tentando interagir com algumas pessoas no Instagram para não ficar tão pesado pra mim, senão, não vou aguentar”.

“Decidi que não queria mais tentar o vestibular porque estava me desgastando. Eu estudava em casa e no curso preparatório quatro matérias por dia e ainda resolvia simulados… Quando não passava em nada no fim do ano, começava a me sentir extremamente incapaz. Foi quando comecei a procurar outros cursos que pudessem não ser tão maçantes”, relatou a estudante que sonhava em cursar medicina e realizou a prova durante três anos consecutivos, mas não passou.

Como alternativa da situação em que se encontrava, Emile Souza buscou outras formas de ingresso em faculdades que não exigissem a prova como um requisito de admissão. Foi assim que descobriu uma faculdade de medicina em Buenos Aires e resolveu submeter sua inscrição. “Fui aceita e embarco em julho desse ano. Apesar da distância dos meus familiares, amigos e medo da adaptação, prefiro arriscar essa tentativa fora do país a passar minha vida dentro de cursos preparatórios, me frustrando emocionalmente a uma vaga na universidade pública que nunca será minha”.

Indo de encontro com o pensamento da maioria dos entrevistados, o estudante do terceiro período de Enfermagem, Luan Penha, contou que sua perspectiva em relação à atual graduação mudou bastante. “Pretendo continuar na área, pois descobri que tenho diversas oportunidades dentro e fora da universidade. Mesmo que enfermagem tenha sido minha segunda opção, não pretendo sair para tentar outra coisa. Não tenho coragem de trocar o certo pelo duvidoso e Deus me livre ter que passar pela fase do vestibular novamente”, disse.

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