De mulheres, sobre mulheres e para mulheres — O jornalismo esportivo na era digital

Izabela Baeta
LabCon / UFMG
Published in
11 min readNov 28, 2023

Dos desafios da comunicação esportiva às novidades da era digital, o EsportudoW nos ensina que a resiliência feminina é chave para a mudança

Por Alice Alves, Ana Paula, Izabela Baeta, Joyce Rosa e Julia Gabriella

Logo oficial do EsportudoW acompanhada de grandes nomes do esporte feminino. Foto: Divulgação

Um projeto que reúne as principais notícias sobre mulheres no esporte, dá voz a modalidades tantas vezes desacreditadas na mídia hegemônica e cria um ambiente seguro para meninas explorarem suas opiniões e gostos: essa é a missão jornalística do EsportudoW.

Idealizado por Isabela Dâmazo e Vitória Badini, o EsportudoW nasceu de uma colaboração voluntária e de um sonho: Dar voz às mulheres do esporte. “A gente queria juntar ali no W um lugar onde pudéssemos falar sobre todos os esportes em que vemos mulheres. E mesmo de jornalistas, até para que nos sentíssemos incluídas, porque como jornalista, eu sentia muita falta na hora de consumir, mesmo porque eu sou uma pessoa que gosta muito de esporte, então é aquela história clássica de uma menina que às vezes tem dificuldade de se encaixar nos lugares majoritariamente masculinos”, conta a jornalista Isabela Dâmazo, gerente do W.

Com quase 120 mil seguidores em suas redes sociais, o EsportudoW não para de crescer e romper barreiras importantes da comunicação. Em 2023, a página atravessou o oceano e esteve presente na cobertura da Copa do Mundo Feminina da Austrália. Mas nem sempre foi fácil, como contam as idealizadoras do projeto.

Da ideia à realização

Fundado em abril de 2022, o EsportudoW é um dos braços da startup de comunicação esportiva Esportudo.

Com mais de 1 milhão de seguidores entre suas verticais, o Esportudo é uma empresa de comunicação estadunidense de mídia digital esportiva que visa produzir uma cobertura especializada, com análises e conteúdos esportivos direcionados para os fãs. No mercado desde 2017, a empresa atua nas principais mídias digitais, como o YouTube, Twitter, TikTok e Instagram.

A fim de personalizar a experiência do torcedor, o Esportudo divide-se em “braços” para diferentes modalidades, como o Goleada (para futebol masculino), o Camisa 23 (para basquete), o Endzone Brasil (para futebol americano), o Next Level (para cultura pop e games), o Racing Br (para automobilismo), o Xportudo (para esportes radicais), o Naipe Inc (para conteúdo de esporte e moda), o Esportudo Green (para apostas esportivas) e o EsportudoW.

Segundo Isabela Dâmazo, o EsportudoW, assim como outros braços do Esportudo, surgiu de forma colaborativa e experimental, entre profissionais que atuavam em outras áreas da empresa e se interessavam pelo esporte feminino.

“Quando começou, na verdade, o W era só eu e a Isa. Então a gente fazia tudo: Instagram, TikTok, Twitter, site, Youtube. Tudo passava por nós duas, e a partir daí, o W evoluiu e com isso a equipe evoluiu também. Hoje eu sou supervisora, então eu acho que seria mais ou menos como se a Isa cuidasse do W para fora, nas questões de marketing, e eu do W para dentro”, explicou Vitória Badini.

Atualmente com sete mulheres na equipe, o projeto se divide entre criação de conteúdo para as principais redes sociais. Para Sofia, antiga estagiária do W, que atua como Talent do time, o EsportudoW aproveitou o crescimento do esporte feminino e está se consolidando no meio jornalístico.

“Quando entrei era eu e mais duas na equipe, hoje já somos sete, então tá indo aos poucos, tá crescendo. A gente vai vendo que cada vez mais estamos crescendo e o esporte feminino também. A gente viu o que aconteceu com a Rebeca Andrade, querendo ou não, a ginástica não era falada do jeito que deveria e do nada todo mundo viu ela ganhando da Simone Biles. Já é uma mudança. Então a gente quer aproveitar muito essa onda de crescimento tanto do esporte feminino, como das mulheres no meio do esporte, porque a gente não aborda só o esporte feminino, mas mulheres que estão em ambientes majoritariamente masculinos. A Mariana Becker, na Fórmula 1, a gente fala dela, da comissão técnica do Bayern de Munique que tem uma mulher. Então a gente quer mostrar exemplos pras meninas seguirem no futuro”.

Modelos de jornalismo: o jornalismo digital e o EsportudoW

O EsportudoW, assim como os demais projetos da startup estadunidense, já nasceu totalmente inserido no modelo de jornalismo digital. Todo o conteúdo é elaborado considerando os formatos específicos de cada plataforma e suas dinâmicas próprias de funcionamento.

Nesse tipo de jornalismo, o engajamento é para a internet o que as medidas de audiência são para a TV ou as vendas físicas para o jornal impresso. A isso, soma-se o lucro gerado pela publicidade. Mas, a característica principal do jornalismo digital está na interação com o público, que se dá de modo muito mais íntimo, direto e dinâmico. As pessoas não só consomem o conteúdo, mas interagem com ele e participam em sua produção.

Como uma iniciativa que produz informação sobre o esporte feminino, o EsportudoW se propõe a falar de mulheres, sobre mulheres e para mulheres, mas nem sempre o retorno acontece como esperado. No Twitter, há uma dificuldade em definir o gênero majoritário dos seguidores. Já no Instagram, o público é, ainda, muito masculino, por conta de uma série de questões envolvendo especificidades da plataforma, como explica Isabela Dâmazo. “No Instagram a gente tem dois momentos, porque a gente tinha uma conta maior e ela caiu — por conta de direitos autorais — então a gente precisou reformular, pegar uma conta nova e ainda estamos trabalhando nesse processo […]. Hoje em dia a gente ainda acha que tem mais homens seguindo no Instagram, justamente por essa mudança recente, não faz tanto tempo, foi antes da Copa (Feminina de 2023), então isso acaba afetando […]”

Ainda assim, existe um esforço da equipe para construir uma relação com seu público-alvo: “Mas vai muito do que a gente está postando, né? Então acho que aí entra muito eu [Isabela Dâmazo] e Badini traçando como a gente vai pensar para o público de fora. Pensar nas estratégias de conteúdo.”

Uma outra questão aparente no jornalismo digital é a forma como o conteúdo é produzido e a velocidade com que as informações circulam. Principalmente nas redes sociais, observa-se uma linguagem jornalística muito mais informal, marcada pela presença do audiovisual e dos hiperlinks, que levam o leitor de uma página à outra.

Desde que começou a crescer, o EsportudoW abraça todos esses recursos. A forma mais próxima e criativa de produzir conteúdo e o aproveitamento do que cada plataforma tem a oferecer é o que ajuda a dar personalidade ao projeto. Nalu Dias, a social media do grupo, aponta que é isso, também, que diferencia o EsportudoW da cobertura esportiva tradicional: “A nossa ideia é falar com o torcedor — de torcedor para torcedor, de fã para fã, de apaixonado por esporte para apaixonado por esporte. E eu acho que é uma sacada, porque a gente tem uma mídia nacional que funciona há muito tempo e que é muito bem consolidada, então é muito difícil, enquanto uma empresa que tá crescendo e que está se inserindo no nicho, querer bater de frente fazendo a mesma coisa que eles fazem. Aí a nossa ideia é ter essa abordagem mais descontraída. Então a gente faz desafio, a gente faz vídeo trazendo curiosidades, a gente faz vídeo de top 5 […]”

Jornalismo em Redes Sociais

O EsportudoW, inserido na era digital, destaca-se por sua atuação exclusivamente nas redes sociais, utilizando plataformas como Instagram, Twitter e TikTok para disseminar conteúdo jornalístico sobre mulheres no esporte. No entanto, essa escolha não está isenta de desafios e considerações estratégicas.

A recente mudança de conta no Instagram ressalta a vulnerabilidade das iniciativas dependentes de plataformas terceiras. O histórico de suspensão da plataforma devido a questões de direitos autorais evidencia a fragilidade de depender inteiramente de uma rede que pode suspender ou banir uma conta a qualquer momento. Alterações nas políticas podem impactar diretamente o alcance e a audiência do projeto.

Vale ressaltar o risco de depender exclusivamente dos algoritmos das redes sociais, o que impacta na visibilidade do EsportudoW e sua capacidade de atingir novos públicos. No Twitter, por exemplo, há uma dificuldade em determinar o gênero majoritário dos seguidores, oriunda da complexidade de compreender a audiência em plataformas mais abertas, onde as interações são efêmeras.

A equipe do W compreende as nuances de cada plataforma, adaptando-se à linguagem informal e dinâmica própria de cada uma, o que contribui para sua personalidade única. O modelo adotado pelo EsportudoW permite o engajamento direto com o público, que resulta não apenas no consumo passivo de conteúdo, mas também na participação ativa na produção.

Vantagens e Desvantagens da Presença nas Redes Sociais:

As redes sociais proporcionam um alcance global, permitindo que o EsportudoW ultrapasse fronteiras geográficas. A interatividade direta com os seguidores cria e fortalece uma comunidade engajada.

Embora as redes sociais ofereçam vantagens significativas em termos de alcance e interatividade, o EsportudoW enfrenta desafios inerentes à dependência exclusiva dessas plataformas. A vulnerabilidade a mudanças nas políticas, a dificuldade em definir audiência, e para além disso, a exposição do projeto a comentários negativos e machistas, exigindo respostas cuidadosas, ressaltam a importância de estratégias equilibradas e a consideração de estabelecer um site próprio como complemento.

A resiliência feminina demonstrada pelo projeto não apenas impulsiona a mudança na cobertura esportiva, mas também destaca a necessidade contínua de adaptação e superação de desafios no cenário jornalístico das redes sociais.

Conteúdo x Engajamento

A cobertura do EsportudoW tem como prioridade dar destaque aos assuntos mainstreaming. Isto é, a página está diretamente ligada ao que acontece de mais importante nas modalidades femininas ou em conteúdos que envolvem mulheres no esporte. De forma dinâmica e direta, a página produz conteúdos autorais, mas não funciona como um portal de notícias, se diferenciando do jornalismo clássico.

Os posts seguem um caráter informativo, mas de forma rápida. Sem grandes legendas ou explicações, a comunicação com o seguidor é feita pela arte, que normalmente vem acompanhada de um título, com o texto nos comentários, para contextualizar o leitor daquele momento.

Com designers e redatoras contratadas, as publicações são programadas conforme a grade esportiva da semana.

“Então, por exemplo, tá rolando Libertadores, a gente precisa estar falando de Libertadores. Tá rolando um mundial de ginástica, a gente não pode deixar de falar de ginástica. Nós temos reuniões diárias que acontecem durante a manhã de todos os dias. E aí a gente vai conversar: Oh, tem isso daqui, então a gente pode mudar nossa grade”, contou Isabela.

O perfil busca dar atenção principalmente para os resultados das competições ou com conteúdos de repercussão envolvendo eventos esportivos. Por exemplo, recentemente, um grupo de freiras ganhou atenção por frequentarem jogos do Flamengo no Maracanã. A página fez um post especial destacando a reportagem que foi veiculada sobre o tema em outro canal.

Post colaborativo entre o EsportudoW, o Goleada e o Flamengo. Memes sobre as torcedores freiras do Flamengo. Foto: Reprodução/EsportudoW

O EsportudoW também tem muito espaço destinado para os “virais”, que são conteúdos — normalmente vídeos — que movimentam as redes sociais e costumam gerar debates ou comentários a respeito. Vídeos de golaços, de dancinhas, de trends famosas são publicados na conta com a intenção de gerar mais tráfego e interação com os seguidores. Ainda que os virais tomem conta de boa parte do feed, as responsáveis pelo projeto garantiram que o tema engajamento não é um norte para as produções.

“Não queremos deixar que o engajamento seja o nosso norte para o que deve entrar em pauta ou não. Então, existe essa dicotomia entre o que é importante e o que dá retorno, porque, de um jeito ou de outro, a gente trabalha numa empresa que no final do mês a gente tem que mostrar o nosso resultado”, falou Vitória.

A dualidade entre os conteúdos agregadores, que são facilmente reconhecidos nas publicações sobre recordes femininos, por exemplo, e entre os conteúdos que apenas movimentam o Instagram mostram uma face do jornalismo presente na maioria dos portais. O interesse pela vida particular das personalidades esportivas pode dar mais retorno do que uma publicação divulgando marcas históricas para o esporte feminino. Além disso, revela também a cobrança da empresa que está por trás do projeto e que interfere na produção.

Por fim, é também importante ressaltar, que por mais que a página seja engajada em produzir conteúdos próprios voltados para modalidades femininas — como foi feito na Copa do Mundo 2023, no automobilismo e até em competições de vôlei -, o perfil tem muito espaço destinado a “reposts”. Isto é, as informações e conteúdos são na verdade compartilhamento de matérias feitas por outros sites ou jornalistas.

Rolando o feed, é possível perceber que o EsportudoW costuma repercutir assuntos do mundo esportivo. A página usufrui de conteúdos — como entrevistas, vídeos e pautas — feitos por outros sites, sejam eles do mainstreaming — como Ge e Uol, ou até mesmo de portais menores voltados ao esporte feminino. Nessas publicações, os créditos são sinalizados no rodapé. Esse tipo de post também movimenta o Instagram e gera engajamento para a página, já que, muitas vezes, as jornalistas responsáveis utilizam de aspas relevantes para acender o holofote sobre determinado assunto. Contudo, dessa forma, o conteúdo passa a não ser 100% autoral do EsportudoW — o que pode culminar em direitos autorais, situação que anteriormente já ocasionou no banimento da página da plataforma Instagram.

Aceitação do público e machismo

Ainda que nos últimos anos tenha ocorrido, de fato, avanços notáveis ​​na cobertura do esporte feminino, esse campo do jornalismo esportivo ainda é um terreno permeado pela heteronormatividade e que enfrenta desafios na aceitação e interesse da audiência. Um público que desempenha um papel crucial para promoção dessa mídia para a indústria esportiva.

No Brasil, apenas 2,7% da cobertura da mídia é focada no esporte feminino, 37 vezes menos do que no masculino. O machismo é o principal vilão para a desigualdade de gênero no esporte, e se manifesta desde as manchetes dos grandes programas esportivos até a interação da audiência pela as redes sociais.

Dentro ou fora dos campos e quadras, mulheres precisam se desdobrar para encaixar padrões de uma sociedade patriarcal em busca de reconhecimento.

“No começo do W, a gente recebia muito comentário negativo, muito mais do que hoje — mas ainda recebemos bastante. Por exemplo, a gente postava sobre futebol feminino e os caras vinham com argumento: “Aii futebol feminino é uma *****”, “ por isso que lugar de mulher não é no futebol”, “vai jogar vôlei” e aí eu ia lá responder todo mundo”, relatou Badini.

Comentários sexistas destinados às mulheres do meio esportivo demonstram a urgente necessidade de mudança. A inclusão de vozes diversas e a desconstrução de estereótipos de gênero são passos importantíssimos na construção de uma cenário mais esperançoso.

Em conversa, Isabela Dâmazo diz estar desgastada com situações de machismo que presencia: “Acaba que cai muito no nosso colo de levantar essa bandeira e lembrar que isso é inadmissível. E tudo bem que nós somos jornalistas e precisamos ter um cuidado a mais quando vamos nos posicionar, mas nós também somos mulheres, então é um assunto que dói quando vamos falar. Quando a gente está vendo isso acontecer com outra mulher, a gente se sensibiliza muito mais do que os homens.”

Ainda há um longo caminho a percorrer para que o esporte feminino receba o mínimo de entusiasmo que merece, e quem sabe seja consumido como as modalidades masculinas. Iniciativas no meio digital com EsportudoW, rompem com o tradicionalismo da cobertura esportiva e podem ser consideradas agentes de transformação para evolução do esporte e da sociedade, em que a resiliência de mulheres se destacam, ganham cada vez mais espaço e se tornam inspiração.

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Izabela Baeta
LabCon / UFMG

Estudante de jornalismo e curiosa. Por isso escrevendo sobre tudo que eu tenho vontade.