Do Jornalismo à cultura de viagens
Como blogueiros transformaram uma paixão em trabalho
Por Gustavo Moreno, Matheus Muratori e Vítor Gomes da Cunha
Viajar por países de cinco continentes, vivenciar experiências diversas, contar para milhares de seguidores, além de ter isso como trabalho é o sonho de muitos brasileiros. Os jornalistas Luiza Antunes, Natália Becattini e Rafael Sette Câmara mantém desde 2011 o blog 360meridianos e atravessaram as mudanças da comunicação nos últimos anos aliados à paixão pela comunicação e pelo turismo.
Tudo começou quando os três amigos de faculdade, recém formados em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram, em 2011, para a Índia em um intercâmbio de seis meses, abrindo mão de seus empregos em jornais, canais de televisão e assessorias. Após a primeira viagem, decidiram dar a volta ao mundo, registrando sempre as histórias e a vivência dos diversos lugares que visitaram e, com isso, criar uma espécie de blog a fim de possuir esse registro.
Os jovens tomaram gosto pela coisa e, ao retornarem, continuaram trabalhando com a iniciativa, mesmo tendo retornado a seus empregos. Entretanto, após o contínuo trabalho e dedicação no blog, eles perceberam que essa dinâmica era a qual mais se encaixavam e, percebendo o potencial do projeto, resolveram investir um maior tempo e dedicação, começando assim a encarar o serviço de blog como um trabalho profissional.
Para a realização da reportagem, Rafael nos recebeu em seu apartamento em Belo Horizonte, onde mora. Recentemente, Natália se mudou da Espanha de volta para a capital mineira, enquanto Luiza vive em Porto, Portugal.
Mesmo desenvolvendo um trabalho por home office, a atividade implica em uma rotina organizada, contando com distribuição de tarefas e compromissos pontuais via internet.
“A partir do momento que você não tem chefe, não tem escritório e sim home office, não tem onde ir todos os dias como nos veículos tradicionais, a coisa fica meio solta. Então, o que acontecia muitas vezes é de simplesmente adversidades da vida, como levar o avô ao supermercado, acabavam acontecendo em horário comercial, resultando que nós só começávamos a trabalhar para o blog às 18h da noite”, explica Rafael.
Para contornar essas dificuldades adotaram uma série de medidas, como horário de trabalho, reuniões de pautas às segundas-feiras, e outras estratégias.
Faz parte da administração do blog os cuidados com a produção de conteúdo a serem tomados. Por dia, é postado pelo menos um conteúdo no site. “A principal função é sempre a produção de conteúdo. Temos muito claro que essa é nossa prioridade. O 360meridianos conseguiu destaque no nicho de blogs de viagem porque sempre nos preocupamos muito com a qualidade, por isso tentamos não deixar outras tarefas afetarem esse funções primordial”, afirma Natália.
Na página inicial do blog, há diferentes conteúdos relacionados ao turismo, desde dicas e roteiros até reflexões, porém a organização de textos dentro do site é cuidadosa. “Há uma diferença também em tipos de textos, alguns deles são publicados mas não vão para a home do site e visam atingir um público que chega por meio de buscas no Google. Então, em tese, seriam sete textos por semana e mais três textos que não vão para a home do site”, afirma. Através dessa estratégia, o blog busca atrair leitores que procuram através do Google alguma informação pontual sobre turismo e acabam encontrando a página.
Nas segundas-feiras também são definidas as tarefas da semana que se estendem às funções jornalísticas, mas também englobam questões de publicidade e contabilidade, por exemplo. Nesse cenário, Rafael ressalta que cada um teve de adotar atribuições diferentes, como em seu caso, ser responsável pelas contas e orçamentos. Já Natália, por exemplo, tem tarefas diferentes dos outros dois sócios. “Também faço edição dos textos, redes sociais, organização das pautas, reuniões com possíveis anunciantes, correção de posts antigos, organização da estrutura do site, um pouquinho de webdesign, criação de produtos, serviços e de novos projetos”, conta.
Em alguns lugares é comum a utilização de animais como atrativo turístico, principalmente como lazer, como é o caso de montar em elefantes no sudeste asiático e em camelos no norte africano. Também há cativeiros e aquários com casos de maus tratos e captura de espécies do habitat natural. O blog adota o editorial de não trabalhar com pautas que envolvam o turismo com animais.
“O SeaWorld (grupo de parques aquáticos de espécies marinhas nos Estados Unidos) já nos convidou e já recusamos porque a gente não faz atração turística que envolva animal”, destaca Rafael.
Como a maior parte dos produtores de conteúdo para a internet, os jornalistas se preocupam com a manutenção de leitores no blog. Adotam estratégias de publicação com uma agenda ao longo da semana que busca trazer abordagens diferentes. “A gente tenta mesclar temas. Sexta, sábado e domingo, que são dias ‘ruins’, nós colocamos coisas como lista do que fazer em tal lugar, atrações turísticas, tudo isso entra nesses dias. De segunda a quinta tentamos dar um balanceamento em textos que variam de crônica de viagem até uma reflexão sobre o turismo, e isso é algo que temos como propósito”, pontua.
Redes sociais: essenciais
A questão das redes sociais surgiu como uma incógnita para o grupo, que não sabia como lidar direito com a situação. Eles começaram a perceber que as formas de agir com as diversas redes sociais tivessem de ser direcionadas e com certos protocolos para atendimento. Antes de tudo, os administradores do blog explicam que se atentam a não entrar nos modismos relacionados às redes sociais de forma precipitada, uma vez que determinada rede social pode não ter sucesso e acabar se tornando um trabalho perdido.
Luiza, Natália e Rafael se preocupam com a relação entre eles, os seguidores e o próprio 360meridianos. “Não queríamos transformar nossas vidas em reality shows, isso é algo que traçamos no começo e queremos ficar conhecidos por nosso conteúdo, pelos textos, então pra gente é muito problemático se toda foto de algum destino aparecesse a gente, entendemos que a evidência nesse caso é o destino e não a pessoa”, explica Rafael.
Para postagens no Facebook, a programação é feita de quatro a cinco vezes durante o dia, dependendo do conteúdo. A relação com Twitter é pontual, ele apenas reproduz tudo aquilo publicado no blog, sem uma interação a mais da página com o twitteiro. O Instagram funciona muito como registro e, também, como link dos próprios jornalistas com os leitores com redirecionamentos para as páginas dos blogueiros, uma vez que para eles não é necessário uma exposição pessoal na página institucional. Cada um dos jornalistas também se preocupam em alimentar o perfil pessoal com as viagens para geração de interação com os seus seguidores.
Pelo Facebook, além da divulgação das publicações, há as perguntas de questionamentos mas de forma bem breve, uma vez que, segundo Rafael, as respostas já estão em alguns textos e, uma coisa que foi deixada clara é o fato deles sempre atualizarem as páginas pessoais para possíveis questionamentos mais específicos ou para que as pessoas tivessem noção de eles estivessem.
Em relação à qualquer tipo de comentário no próprio blog, a interação é obrigatória, já que seria esse público aqueles indivíduos já fidelizados com o blog e com a dinâmica do portal.
Propaganda, merchandising e verba
A questão da propaganda e merchandising é algo que os jornalistas sabem lidar, utilizando do esclarecimento da situação como auxílio para o investimento dos leitores. Isso se dá pela divulgação de dicas sobre algum hotel, pousada, companhia aérea ou o que for relacionado por meio da geração de links específicos, que geram o lucro a partir da compra da passagem ou da reserva de algum hotel.
Os jornalistas deixam claro essa relação e não fazem questão de escondê-la, por considerar que seja uma forma mais honesta e que os leitores possuem pré-disposição a ajudar o blog dessa maneira. A parte não tão benéfica é o fato do blog fazer uma espécie de propaganda gratuita para alguma empresa.
Além dessa forma, que é a principal para a monetização, há os anúncios convencionais no blog e também a questão dos acessos ao blog através do Google.
O blog possui uma relação de parceiragem com outros blogs de viagem, principalmente através de órgãos reguladores desse tipo de blog como a RBBV (Rede Brasileira de Blogueiros de Viagem) e da ABBV (Associação Brasileira de Blogs de Viagem). Segundo Rafael, o sistema de relacionamento com os outros blogs é mais com um pensamento de coletividade.
“O que fazemos normalmente é negociar de forma coletiva para alcançar determinados fins diferenciados”, salientou o blogueiro sobre a articulação com outros blogs.
Os autores já publicaram três livros sobre turismo, entitulados “Primeira Viagem”, “Roteiros da Índia” e “Como viajar pelo mundo por um ano”. Segundo Natália, continuar neste trabalho é uma de suas intenções, porém acabaram por priorizar outras atividades para acelerar o crescimento do blog. “Já pensamos diversas vezes em lançar um livro de crônicas, mas ainda não tiramos esse plano do papel. Queremos fazer algo que não seja as já batidas histórias de volta ao mundo, que todo mundo já lançou. Temos algumas ideias que esperamos concretizar nos próximos anos”, afirma.
Esta reportagem foi produzida na disciplina Projetos B1 do curso de Comunicação Social/Jornalismo da UFMG (prof. Carlos d’Andréa). Para ver outras reportagens sobre projetos jornalísticos sediados em Belo Horizonte, visite a publicação LabCon/UFMG (https://medium.com/labcon-ufmg)