Jornalista Forense: A notícia a partir das técnicas da criminologia.

Naiana Andrade, após atuar por 18 anos em veículos de comunicação tradicionais, criou o Jornalista Forense, no intuíto de mostrar de perto a investigação criminalística

Miryam Cruz
LabCon / UFMG
12 min readJul 4, 2022

--

Identidade visual do Jornalista Forense — Foto: Redes Sociais/Reprodução

Por Miryam Cruz, Ana Magalhães, Maria Luiza Sena e Natália Oliveira.

Naiana Andrade atua no jornalismo há mais de 18 anos. Com trajetória na Rede Globo Minas, como produtora em jornais nacionais, GloboNews e Fantástico, a jornalista também trabalhou no jornal mineiro Diário da Tarde e como editora de conteúdo na TV UFMG, rede universitária. A jornalista tem mestrado em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência pela Faculdade de Medicina da UFMG e se especializou na cobertura jornalística investigativa de assuntos policiais, crimes políticos e ambientais.

Atualmente, Naiana é jornalista independente e colabora em vários veículos de comunicação, como a Carta Capital, Agência Pública, Brasil de Fato, Tab UOL, jornal Aqui e Estado de Minas. Além disso, desde maio de 2022, ela assumiu a Assessoria de Comunicação da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). Para ampliar a divulgação do seu trabalho, Naiana criou o Jornalista Forense, meio dedicado à promoção do jornalismo investigativo no Brasil, sobretudo, no estado mineiro.

O jornalista Gabriel García Márquez, durante seu discurso na Sociedad Interamericana de Prensa, em 1996, ficou bastante famoso com uma fala sobre o jornalismo investigativo: “Toda a formação deve se sustentar em três vigas mestras: a prioridade das aptidões e das vocações, a certeza de que a investigação não é uma especialidade dentro da profissão, mas que todo jornalismo deve ser investigativo por definição, e a consciência de que a ética não é uma condição ocasional, e sim que deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro”. Por discursos como esse, é comum que muitos jornalistas se questionem se todo jornalismo deve ser investigativo.

Naiana contou que decidiu criar o Jornalista Forense quando percebeu que o jornalista tem potencial para se aprimorar sobre o fato inicial questionando o porquê do ocorrido. Ela usa como exemplo o fato de vários jornalistas pensarem nos desastres com mineração como algo pontual, sendo que, se aprofundarmos no assunto, vemos que os casos estão interligados.

A jornalista independente afirma que é possível conseguir isso “com um estudo de uma área ampla dentro da criminologia em que a gente pode se respaldar com excelentes pesquisadores especialistas”.

Foto da jornalista Naiana Andrade — Foto: Arquivo Pessoal

A matéria que escolhe o veículo de comunicação

Em relação à escolha do tema abordado nos diferentes veículos que ela atua, Naiana explica que, na maioria das vezes, é o meio de comunicação que seleciona a pauta.

“Quando somos jornalistas independentes, costumamos ligar para os produtos de mídia, na tentativa de vender a reportagem. Costumo brincar que a matéria escolhe o veículo. Em uma ocasião, eu e outra colega começamos a procurar um meio de comunicação, para publicar uma reportagem muito boa, às 19h30 e só fomos acabar às 00h30, sem saber se iriam comprá-la”, contou.

Segundo ela, o grande problema é que nem sempre os meios de comunicação têm condições de remunerar.

“Muitas vezes, já recebi negativas porque o veículo não tinha condições de pagar, pois, são alternativas. Quando você vai para a mídia independente, você fica em uma situação meio empobrecida de veículos que possam te pagar o mínimo pela sua reportagem. Às vezes, falta editor para revisar. Passei por uma situação parecida com o The Intercept, tinha uma denúncia enorme, mas avisaram que não tinha quem editasse a matéria. Na época, eles estavam em esquema de plantão e não conseguiram contratar ninguém”, afirmou.

Além disso, a jornalista independente afirma que outra forma é a encomendação de reportagem, por parte dos meios de comunicação.

“Eu já passei por matérias encomendadas relacionadas à violência contra mulher. Nestes casos, a Pública ou o Brasil de Fato me acionam, para fazer essas reportagens, já que tenho uma abordagem respeitosa com as vítimas. Como foi o caso da minha matéria com a Elisangela Colodeti, que denunciou os abusos feitos pelo Dinamá Rezende, na cidade de Várzea da Palma, em Minas”, disse.

Conforme Naiana, nessas reportagens especiais, ela busca trabalhar em equipe.

“Eu gosto muito de trabalhar em equipe ou em dupla, pois acho muito agregador. Acredito que ninguém deve ter o brilho sozinho e, muitas vezes, o profissional do impresso ou da televisão pensa que assinar sozinho uma reportagem é o ápice da ascensão. Principalmente na TV, é um conjunto e resultado do trabalho em equipe, por mais que o repórter faça a passagem, mostre o rosto ou a voz, é um trabalho que exige muito carinho e cuidado de várias pessoas”, explicou.

“Quanto mais gente for acionada, maior é chance de dar certo e ter sucesso. Esse é o meu ponto de vista, e sei que esse é o de poucas pessoas. Vivemos, atualmente, um ambiente de redação muito competitivo, sobretudo com as novas gestões que pensam que competir com o colega resulta reportagens melhores. Então a sugestão que dou é buscar sempre trabalhar em grupo, agregar e fazer um trabalho diferenciado”, ressaltou a jornalista independente.

Presença na mídia

Como citado anteriormente, Naiana Andrade, por meio do Jornalista Forense, atua em diferentes formatos de mídia, tanto próprios do veículo criado pela jornalista independente, quanto meios de comunicação de grande circulação. Entre eles estão, o jornal mineiro Aqui, do Diários Associados, National Geographic e a Agência Pública.

Já os meios criados por Naiana, estão o Instagram e o podcast, disponível no Spotify, do Jornalista Forense. Pensando nisso, aproveitamos para descrever algumas características presentes em cada proposta de vinculação, para não só compreender o trabalho da jornalista, mas também observar, de modo empírico, as diferenças nas abordagens e assuntos escolhidos.

Instagram

O Instagram @jornalistaforense atualmente possui 672 seguidores e segue 587 pessoas. Com identidade visual bem marcada pelas cores amarela e preta, a jornalista segue à risca a paleta de cores da marca com a utilização da logo e o nome nos posts, ajudando a localização visual do perfil página inicial do feed do aplicativo.

Para a jornalista Naiana Andrade, idealizadora do @jornalistaforense, a escolha das cores na identidade visual das redes sociais se baseou nas figuras semióticas de sombra e luz, sendo a cor preta e amarela, respectivamente. A união das duas cores traz a essência da investigação que retoma luz e esclarecimento ao que antes estava oculto.

Com 19 posts presentes no perfil desde o seu início (2022), o @jornalistaforense utiliza o Instagram para anunciar os trabalhos publicados em outros meios de comunicação, como o Spotify, mas também anunciar novos cursos que contribuem para a formação de conhecimento na área forense.

Spotify

Layout do Podcast Jornalista Forense, no Spotify (Reprodução)

Naiana Andrade também criou um podcast, a fim de contar os bastidores de investigações criminais. Devido à popularidade desse formato de mídia, o meio de comunicação busca alcançar o maior número de pessoas com interesse no jornalismo investigativo. A cada temporada, Naiana escolhe um tema e entrevista profissionais da área, como peritos, psicólogos forenses e jornalistas. Os crimes possuem diversas características, sendo eles hediondos, ambientais ou políticos. Os programas são apresentados pela jornalista independente.

Composta por quatro episódios, Naiana lançou, até a criação do podcast, em 25 de janeiro deste ano, a Série Brumadinho, que conta os bastidores da tragédia-crime do rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão da mineradora Vale, que deixou 272 mortos, em 2019. Os episódios são intitulados como ‘Marcas do tempo’, ‘Fragmento da vida’, ‘Atualiza Brumadinho’ e ‘Sobreviventes’.

Os podcasts apresentam gravações em off feitas por Naiana e Luiza Galvão, apresentadora da série, e trechos das falas dos entrevistados, feitos pessoalmente e via telefone, que variam entre amigos e familiares das vítimas, profissionais do direito, médicos legistas e sobreviventes. Além disso, o Podcast explica sobre os impactos culturais e sociais na cidade, após a tragédia, e faz o panorama das investigações do caso e o trabalho da Perícia na localização dos corpos.

Jornal Aqui

No jornal Aqui, do Estado de Minas, Naiana Andrade já publicou 15 textos, sendo o primeiro no dia 7 de março de 2022, que variam entre notícias mais curtas, cerca de 5 parágrafos, e reportagens sobre procurados pela polícia, que trazem uma análise mais completa dos casos e alguns com entrevista com especialistas, como na reportagem “VIOLENTOS E PERIGOSOS: saiba quem são os 5 criminosos mais procurados de MG”, em que ela entrevista o com o psicólogo forense e investigativo Denis Lino.

Já na reportagem AUTÓPSIA PSICOLÓGICA: técnica pode ser usada na investigação do crime em Sabará (MG), Naiana, além de noticiar o crime, também convida a advogada criminalista e especialista em mentes criminosas, Luciana Vidal, que analisa o caso e fala da importância do perito criminal e dos depoimentos das testemunhas e parentes, que ajudam a traçar um perfil psicológico do suspeito.

Essa análise é importante, socialmente, pois a especialista fala de como a vivência e experiência que crianças e adolescentes tem em casa e na família, interferem na saúde mental dos mesmos e interferem em seus comportamentos, podendo refletir em ações negativas.

National Geographic

Para o National Geographic, Naiana publicou duas matérias sobre o caso do rompimento da barragem de Brumadinho. Na primeira “Quase dois anos depois, familiares de 11 vítimas de Brumadinho ainda não velaram seus mortos”, Naiana e outros jornalistas realizaram uma reportagem especial com fotos, vídeo e texo narrando a dor das famílias que perderam entes queridos no deslizamento da barragem de Brumadinho e ainda não encontraram os corpos nos escombros.

O vídeo começa com relatos emocionantes dos parentes das vítimas desabafando sobre sua dor. Logo após, vemos imagens do IML com uma narração explicando os detalhes técnicos forenses, traço característico de Naiana. É explicado as viás que os peritos utilizam para identificar um corpo, como tatuagens, dentição. Então, até o final do vídeo, seguem intercalando desabafos de familiares com imagens e informações sobre a busca.

No texto, segue-se a mesma lógica. Primeiro, é descrito como a vida dessas onze vítimas foram interrompidas por erro da Vale.

O que essas pessoas têm em comum? Morreram trabalhando e, até hoje, quase dois anos depois, as famílias não velaram suas mortes. Os corpos dessas e de mais quatro pessoas não foram encontrados. São 11 desaparecidos em meio ao mar de lama da tragédia provocada pela mineradora Vale, em Brumadinho, Minas Gerais. Outros 259 mortos já foram identificados, entre eles três mulheres grávidas.

Depois, debate-se sobre os acidentes de trabalho perante a lei, em conversa com o representante do Fórum Sindical dos Trabalhadores Diretos e Terceirizados da Vale e outros especialistas. Enquanto o tema é discutido, intercalam-se fotos das famílias das vítimas para mostrar que o acidente de trabalho pode ser discutido no nível técnico, mas é vivido por pessoas reais.

Além das vítimas, dos líderes da Vale e de especialistas, Naiana foi atrás de outra fonte muito importante: o coveiro.

O coveiro Wellington de Souza Maia conta que, todo dia 25 de janeiro, data de aniversário da tragédia, vários familiares visitam o cemitério para prestar homenagens aos seus entes falecidos. Foto: Ísis Medeiros/ Produção: Naiana Andrade

Já na segunda matéria, “IML ainda trabalha no reconhecimento de vítimas da barragem de Brumadinho”, Naiana realizou a produção de uma reportagem fotojornalística. A matéria mostra com fotos como é a rotina de um perito do IML no reconhecimento dos corpos das vítimas do crime ambiental.

As legendas descrevem detalhadamente como é o trabalho do legista, mostrando inclusive o nome dos funcionários e o que ele está fazendo na missão.

Exemplo Prático

A perícia forense pode fazer muita diferença na cobertura de um crime. Para a análise, observamos duas reportagens que tratam sobre o mesmo assunto: o feminicídio de uma mulher em Belo Horizonte. As produções escolhidas foram a do Jornal Aqui, assinada pela jornalista Naiana Andrade, e a matéria produzida pelo jornal Correio de Minas, sem assinatura pessoal.

As diferenças entre as reportagens começam nos títulos: Após matar a mulher, esposo bate de frente com caminhão de combustível e morre na BR 040 e Suspeito de feminicídio trabalhava numa das maiores mineradoras do mundo, com bigode “A polícia investiga se depois de assassinar a esposa, o homem de 41 anos se matou em acidente na BR-040, nesta segunda (28)”.

Na primeira matéria, produzida pelo jornal Correio de Minas, o assunto é tratado de forma direta, trazendo o fato logo nos primeiros parágrafos. Nos trechos é possível notar que os fatos são noticiados apenas no que tange o crime ocorrido na BR-040.

“Imagens impressionantes mostram o momento em que o carro usado pelo suspeito de ter matado a esposa a facadas no bairro Carlos Prates, na região Noroeste de Belo Horizonte, bateu de frente em um caminhão na BR-040, na altura de Itabirito, pegou fogo e o motorista morreu carbonizado. (…) Segundo a PM, o casal estava em processo de separação e o suspeito não aceitava o fim do relacionamento. O homem foi até a casa da ex-companheira. Lá, ele assassinou a mulher com golpes de faca enquanto os filhos do casal, de 4 e 6 anos, estavam dormindo. Após cometer o crime, ele avisou familiares, acionou a polícia e fugiu em um veículo Etios XS, ano 2014, o mesmo envolvido no acidente na BR-040. A polícia trabalha com a possibilidade de suicídio.” O jornal apresentou o caso ocorrido, mas não se aprofundou nos espectros que rondam a construção do crime e o pós acontecimento.

Em contrapartida, a reportagem produzida com a técnica forense no jornal Aqui apresentou, nos primeiros parágrafos, uma descrição que aproxima o leitor da vítima de feminicídio. “Amigos de uma das clínicas onde Cecília Marina Ribeiro Araújo, de 39 anos, trabalhou em Belo Horizonte como nutricionista disseram que ela era muito carinhosa e que apostava na relação amorosa desde o início do casamento. “Ela dizia que o marido tinha estabilidade financeira, trabalhava como engenheiro em uma mineradora grande e que estava feliz com a união”, conta uma amiga que não quis se identificar. Tanto que pouco tempo depois o casal teve dois filhos, que agora, têm 6 e 4 anos de idade. A principal preocupação dos amigos era que Thiago Lima Ferreira, de 41 anos, trabalhava em uma das sedes da mineradora que fica em Itabirito. “A gente pensava se a relação poderia ou não dar certo por causa dessa distância. Nem sempre era possível que o marido de Cecília voltasse para casa todos os dias”, conta. Mas, depois de um tempo o casamento acabou “esfriando” e Cecília já não queria mais seguir a vida com Thiago.”.

A produção da reportagem também conta com o depoimento da polícia militar sobre a vida pessoal do casal e a pesquisa sobre possíveis queixas anteriores. “Os dois já viviam em casas separadas, mas, ainda segundo os militares, o suspeito não aceitava o fim do relacionamento. A equipe do portal Aqui verificou se Cecília já havia registrado algum boletim de ocorrência contra o marido ou pedido algum tipo de proteção, mas não há nenhuma queixa anterior ao crime.”

Ainda sobre as características do jornalismo investigativo forense, a matéria produzida por Naiana abre também a ótica dos que ficaram após a tragédia. “Da noite para o dia, as duas crianças do casal ficaram sem os pais e em situação de vulnerabilidade. De acordo com os militares, as crianças, de 6 e 4 anos de idade, estão com a avó materna, de 73 anos. Segundo Margarida Monteiro Arcanjo, assistente social e coordenadora de uma das unidades de acolhimento institucional de Belo Horizonte, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que a criança tem direito de ser cuidada no seio familiar, por avós ou tios, por exemplo”.

O aprofundamento da investigação com a aplicação das técnicas forenses, seja na entrevista com as autoridades locais, círculo social da vítima e profissionais que dominam e explicam os espectros que levam ou se tornam consequências dos crimes, podem trazer à tona uma perspectiva nova e muito importante para o jornalismo. Em outra reportagem, Naiana entrevistou um Psicólogo criminal que avalia o perfil de homens que cometem crimes passionais contra mulheres. “Matar por paixão é justificativa para violência”, relata.

A reportagem “Crime passional: Quem é capaz de matar por paixão?” foi escrita e postada por Naiana Andrade no jornal Aqui 7 dias após a matéria sobre o caso de feminicídio na BR 040. “A palavra passional do latim passionalis, de passio (paixão) na criminologia é entendida como um ato criminoso praticado por aquele que mata por “paixão”. Ao longo dos séculos esse é um tipo de crime nunca deixou de existir. Mudam-se apenas os nomes dos criminosos e das vítimas, mas os motivos são sempre idênticos: ciúme excessivo,orgulho ferido, privação da posse e controle do outro, além de dificuldade em lidar com a frustração.”

Dessa forma, diante de tantos casos de feminicídio em Minas Gerais e no Brasil, a busca por compreender, estudar e entender as particularidades do crime através do jornalismo forense se torna alvo interessante para a construção da notícia. Analisando dois canais de notícia que abordaram o mesmo assunto em técnicas diferentes, nota-se que a análise profunda aplicada às técnicas investigativas podem trazer novos panoramas para a produção, que se torna empática e explicativa.

--

--