Novas plataformas digitais e a reinvenção do jornalismo

Victor Guimarães
LabCon / UFMG
Published in
10 min readJul 5, 2022

Como a Galãs Feios foi além de página no Facebook e se tornou o ganha pão de Hélder e Bezzi

Por Filipe Câmara, Isabela Ferreira, Pedro Gonçalves e Victor Guimarães

Os Galãs Feios: Marco Bezzi e Helder Maldonado

Acesso à informação

A prática jornalística tem sido assunto de debate nos últimos anos em razão dos avanços tecnológicos e novas mídias. Hoje é possível encontrar notícias em redes sociais e de forma digital através de telefones celulares. Essas transformações mudaram a maneira de como a informação chega até as pessoas. Se antes era necessário comprar o jornal diário em uma banca, ou assistir ao noticiário, agora é só abrir um aplicativo e a notícia está ali.

O acesso à informação se tornou rápido, quase que instantâneo. Qualquer pessoa que tenha um celular com internet e redes sociais, pode virar um produtor de notícias. Dessa forma, a divulgação de fake news cresceu e o cuidado com ela se torna ainda mais necessário.

Por isso, ainda que diferentes pessoas sem formação jornalística possam exercer essa prática, mesmo de forma amadora, o profissional da área é mais preparado para a tarefa. Ele está ciente da responsabilidade que é pertencer ao ramo e tem um conhecimento acerca de sua execução antes mesmo de passar para a prática.

Em meio a essas questões sobre a produção jornalística na atualidade, surge o jornalismo independente, feito por profissionais da área. A grande mídia não é mais a única fonte de informação confiável, por mais que o seu poder continue incontestável. Porém, a mídia independente tem ganhado força e a preferência de muitas pessoas. Muitos profissionais têm saído dos grandes veículos e gerido projetos pessoais. Por conta da experiência e conhecimento adquiridos no ramo, eles possuem condições suficientes de exercer o trabalho em um novo meio, pelo menos no que tange a prática, ferramentas e habilidades necessárias.

Quem são os Galãs Feios?

Os jornalistas Helder Maldonado e Marco Bezzi são os responsáveis pelo projeto Galãs Feios, que produz conteúdo jornalístico independente e com humor para as principais mídias sociais.

Fala seus mal diagramados.

O projeto surgiu inicialmente como uma página no Facebook, ele é um conceito criado pelo jornalista Helder Maldonado (Record — R7) em 2015. No ano seguinte, o jornalista Marco Bezzi (Estadão, Ed. Abril, Rede Record) entrou como parceiro, expandindo as atividades para outras redes e criando um site para a marca.

Arte do projeto Galãs Feios
Ícone do canal do Youtube Galãs Feios

A proposta dessa nova plataforma consiste em trazer notícias relevantes com uma abordagem cômica, tratando de assuntos desde a política até o entretenimento, sendo este último o foco original do portal.

Atualmente, a dupla vive do projeto. Eles não estão mais vinculados à Record — onde se conheceram — ou a outros veículos da mídia tradicional. Com o sucesso do Galãs Feios a remuneração recebida se tornou suficiente para que ambos possam trazer o sustento para suas famílias, não precisando mais conciliar um com o outro. O plano B assumiu o protagonismo, o foco, a dedicação e o investimento por parte deles.

Marco Bezzi, em entrevista concedida ao grupo, defende que todos, em especial os jornalistas, precisam ter um plano B, e não ficar dependente de apenas uma ocupação, que eventualmente pode chegar ao fim. Como alguém que começou a carreira em revistas, passou pelo jornal e depois pela internet, Bezzi afirma que viu o seu mundo ruir. Ao ter o desejo, como jornalista, de alcançar grandes veículos e ter passado por alguns deles, ele viu que a parte da redação estava acabando, por volta de 2015.

Ao entender que em seu meio ele poderia estar com os dias contados, o jornalista apostou no projeto paralelamente até o momento em que percebeu uma oportunidade em direcionar seu trabalho apenas a ele.

A gente precisava de um plano B e eu vi aquilo como uma oportunidade, mas tínhamos que ver se ia render. Eu não larguei o meu trabalho até o momento que a coisa deu uma virada, que foi quando a gente começou a fazer política.

As redes sociais hoje se tornaram um meio pelo qual profissionais de outras áreas possam fornecer seus trabalhos. Para o jornalista isso não é diferente. Além de alcançar um público que não consumia o jornalismo da maneira convencional, há uma liberdade de redação e flexibilidade de horários que o meio tradicional não oferece.

Essas novas possibilidades possuem riscos como em toda profissão. Bezzi está feliz com a decisão que tomou, onde vê mais benefícios do que malefícios, mas reitera que a responsabilidade é a mesma do trabalho em plataformas ortodoxas, o compromisso é diário, mesmo com as mudanças.

Tem risco em qualquer lugar, você faz escolhas e eu não troco por nada o que eu tenho agora. Pode ter coisa melhor, mas só de não ter chefe enchendo o saco o dia inteiro é muito confortável. Apesar de trabalhar 12 horas por dia, você tem mais oportunidades, mas sempre com muita responsabilidade. Mas o risco você vai correr em todos os lugares.

Do Hobby ao Empreendedorismo, a Organização dos Galãs

O projeto Galãs Feios a princípio não tinha o intuito de chegar ao tamanho e alcance que possui atualmente, tendo sido criado inicialmente como uma forma de Helder Maldonado disseminar o seu bom humor para mais pessoas além daquelas do convívio diário na redação da Record. O crescimento veio após o acréscimo do também jornalista Marco Bezzi na jogada, ajudando o colega de profissão a aproveitar a onda que a página conseguiu, que até então estava apenas no Facebook.

É evidente que o salto que a página alcançou nas redes tem muito a ver com o seu caráter de humor, e a sagacidade e acidez que traziam em seus comentários sobre o mundo do entretenimento. Entretanto é preciso ressaltar que foi fundamental haver toda uma estruturação e planejamento de crescimento atuando por trás disso também.

O primeiro passo foi deixar de ser uma página apenas do Facebook, espalhar o conteúdo pelas outras grandes redes sociais do momento, que não possuem nenhuma forma de conversão da produção em renda por si. Portanto, o mais importante seria adentrar o espaço do Youtube, a única rede rentável, criar um site e buscar os meios para gerar renda a partir desse conteúdo.

Eu propus para ele que a gente levasse o nome Galãs Feios pra outras redes sociais, como o Instagram, Twitter e também pro Youtube, que é a única rede que monetiza produtores de conteúdo. Junto disso a gente tem um site também, o Galasfeios.com, que a gente conseguia tirar dinheiro no AdSense, de propaganda e tal.

Os Galãs Feios no antigo estúdio na casa de Bezzi

Já com o conteúdo permeando as principais redes sociais, além do site próprio, chegou um momento onde a gestão dessas redes, além de tudo que ocorre por trás, precisa ser cumprida com bastante planejamento e cautela, para manter um crescimento estável e bem trabalhado.

A Galãs Feios agregou mais pessoas, responsáveis por assistir e cuidar de questões mais burocráticas, como, a parte legal, contabilidade e orçamentos, gestão da marca, entre outras. Dessa forma, eles se permitem, como produtores de conteúdo, a focar plenamente no material que estão planejando criar e em como fazer isso.

Ainda dentro disso, com o crescimento e expansão, além de novas oportunidades na internet, foi preciso entender as maneiras de manter o trabalho rentável, tendo em vista que é um mercado que muda constantemente e passou a ser a principal fonte de renda, não só de Marco Bezzi e Helder Maldonado, mas também desta equipe que foi agregada.

Sendo assim, além da monetização dos vídeos, eles aderiram à ferramentas de apadrinhamento, as quais permitem que o próprio público consiga ajudar no financiamento de manutenção do canal. Assim, foram criados produtos personalizados para serem vendidos com estampas e a logo do canal. Mais recentemente, com o crescimento das lives, as doações por meio destas também auxiliam que os Galãs mantenham as contas em dia, tendo em vista que o site acabou tornando-se um meio ultrapassado no cenário atual, e com isso, a renda que vinha do AdSense também foi perdida.

Com a saída do site, e agora com foco maior na produção de vídeos, é muito importante manter uma rotina de planejamento para o conteúdo a ser produzido e divulgado nas redes.

Todo dia a gente acorda, a gente tem uma conversa pra ter um feed do dia, o que a gente vai chamar à tarde, o que vai ser o da noite e o que a gente pode fazer de novidade pra live.

O uso de cada rede social precisa ser feito tendo em mente o público ali presente, e o objetivo que este visa cumprir. Assim, no Facebook, Twitter e Instagram, os Galãs Feios buscam atender a um público mais voraz, que não se prende, e que busca por entretenimento fácil e rápido. Por consequência, as publicações nestas redes precisam entregar humor de forma simples, o que faz com que imagens com manchetes ou comentários breves, que pode ou não ser repetido nas legendas das fotos (muito ignoradas por esse público), seja o tipo de conteúdo que preencha os feeds dos Galãs, apesar de vez ou outra subirem algum conteúdo que difere um pouco.

O Youtube é a rede que tornou-se o foco principal deles. O conteúdo é mais completo, e de certa forma até denso — apesar de sempre tratado com bom humor, pois é onde as maiores críticas e comentários sobre o cenário político é feito. Na plataforma, as lives são a maioria, tal qual o compartilhamento delas por meio de cortes no canal, que vez ou outra, no caso de viralizarem, podem respingar nas demais redes deles.

Enquanto as outras redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter reproduzem basicamente o mesmo conteúdo, mais humorístico e direto, o Youtube se mantém como a principal e mais completa mídia do projeto, o que a torna a mais próxima do formato jornalístico tradicional, mas que não releva sua raiz cômica.

Jornal e humor, a construção do formato perfeito

O foco da página em 2015 era tirar sarro de atores como Rodrigo Simas e James Franco, e os contestados títulos de galãs. Atingiu a marca de 10 mil seguidores uma semana depois de sua criação, números altos para a época. Na redação de cultura do R7, os memes criados por Hélder eram conhecidos por todos, principalmente por Bezzi, chefe de redação e que posteriormente viria compor a equipe.

As mudanças que a profissão de jornalista vem atravessando nos últimos 10 anos afetou milhares de profissionais pelo país, Helder e Bezzi não foram exceção. Assim, ao perceber a demanda por um jornalismo que acompanhasse as novas mídias e associar a uma base que buscava por humor já consolidada nas redes sociais, a Galãs Feios adentrou o YouTube.

O primeiro vídeo foi postado em 16 fevereiro de 2017 e começou seguindo o conteúdo da página, com um humor sincero e não poupando ninguém do “ódio festivo”. Este tipo de conteúdo foi majoritário, com algumas pontuais inserções de opinião e prática jornalística.

Para o Jair (Bolsonaro), no entanto, essa aprovação é um golaço de placa no ângulo, que pode até nem mudar o resultado da partida, mas que será lembrado no quadro como “o grande momento do futebol”, narrado por Milton Neves e sua cabeça de 72 polegadas widescreen — Frase de Hélder sobre a PEC Kamikaze.

Os primeiros vídeos do canal do Youtube dos GF

Foi durante as eleições de 2018 que a política começou a adentrar os vídeos, tornando hoje a pauta principal do canal. Assim, ele começou a ganhar mais inscritos, consequentemente, mais popularidade e mais vídeos com entrevistados foram chegando. A variedade é grande, envolvendo desde músicos como João Gordo, outros youtubers e jornalistas como Maíra Medeiros, Gregório Duvivier e Leandro Ramos (o Julinho da Van, do Choque de Cultura), além de políticos como Sâmia Bomfim, Manuela D’Ávila e Ciro Gomes.

Até o começo de 2020, os vídeos eram gravados em um estúdio improvisado na casa de Bezzi e com ambos presencialmente falando, algo como uma conversa informal entre amigos, mas com uma pauta a seguir, e uma informação a transmitir. A pandemia acabou por separar fisicamente os Galãs, mas fortalecendo imensamente o canal. Neste período em que as lives se popularizaram (até demais), a GF também surfou nessa onda. Durante uma ou duas vezes na semana, a transmissão ao vivo era aberta, rolava um bate-papo, e depois a entrevista com o convidado da vez.

Vídeos recentes do canal Galãs Feios

Também foi mais ou menos nessa época que a escala de vídeos ganhou nomenclatura e organização que são seguidas até hoje. Durante a semana, o Papo Reto é publicado de 2 a 3 vezes, ou quando se achar necessário devido a urgência do assunto, e possui uma duração média de 10 minutos. Os vídeos de 3 a 8 minutos, são do tipo Rolou na Live, e são pequenos cortes das lives que ocorrem — geralmente — de segunda a sexta-feira às 15h, onde são repercutidos as notícias do dia, com muito bom humor, opinião e qualidade no jornalismo, informações checadas e com credibilidade. Além disso, temos os Piores Vídeos da Semana de duração variável, que faz um compilado dos vídeos com pior repercussão durante a semana e é publicado sempre aos sábados.

Perguntado sobre onde o conteúdo da GF se encaixava, contido na seara humorística ou jornalista, Marco Bezzi nos respondeu que pensa ser uma perfeita amálgama entre os dois, uma maneira diferente de tratar assuntos pesados e revoltantes nesta quadra tão complicada da história. O texto contextualizado, atual e repleto de referências é a marca do canal, que usa de comparações pontuais bem marcadas, tornam os vídeos divertidos e relembram as origens da página.

Para provar que a comédia de bordão não morreu, algumas falas e expressões são características e ficam marcadas no meio jornalístico de produtores de conteúdo semelhantes, como o luideverso, Meteoro Brasil e o Medo e Delírio em Brasília. Educadamente intitulando seus seguidores como “mal diagramados”, eles também criaram expressões icônicas como “robozão do pix”, para se referir a golpes financeiros e esquema de pirâmide, apelidando evangélicos como “neopentecs” e tarjando profissões mal executadas como “freestyle”.

Vídeos dos cortes das lives

No YouTube, muitas vezes, um bom audiovisual não é o suficiente para garantir visualizações, títulos chamativos e thumbnails (as capas que carregam informações sobre o que virá) também são necessários. Pontos que complementam e trazem mais a essência da GF para aqueles que não a conhecem.

E pra aqueles que acharam que jornalismo e humor não podem coexistir, a gente só tem uma coisa pra dizer: não passarão!

--

--