Tiro de meta: trio aposta em resenha esportiva por ondas sonoras

Elton Novais, Marco Antônio Astoni e Rodrigo Fuscaldi comandam o “Bora Pra Resenha Podcast”

Thiago Cândido
9 min readJul 5, 2022
Bora Pra Resenha Podcast: Marco Antônio Astoni (em pé, à esquerda), Rodrigo Fuscaldi (em pé, ao centro), Thiago Pinheiro (em pé, à direita), Elton Novais (sentado à direita) e o convidado Christiano Junqueira (sentado, à esquerda). Foto: Reprodução.

Desde o começo do século passado, a história de Minas Gerais se entrelaça ao do futebol. Naquela altura, com os recém-criados Sport Club Foot-Ball, Plínio Foot-Ball Club e Villa Nova Atlético Clube, as montanhas do estado ainda não assumiam os papéis de verdadeiras paredes de um caldeirão repleto de aficionados pelo esporte. Hoje, sob as figuras expressivas de Cruzeiro, Atlético e América, Minas abriga um mar de apaixonados pelo ‘mundo da bola’, e é com leveza e titulares de renome que o “Bora Pra Resenha Podcast” mergulha nesse universo através das ondas sonoras.

Pelas principais plataformas de streaming de áudio da atualidade, estreou, no dia 02 de março de 2022, o BPR — como foi apelidado o projeto de Elton Novais, Marco Antônio Astoni e Rodrigo Fuscaldi. Diante da popularização dos podcasts, principalmente durante a pandemia de Covid-19, o trio decidiu apostar no formato como meio de produção de um jornalismo esportivo diferente. A iniciativa também dispõe de um canal no YouTube, onde Novais, Astoni e Fuscaldi encaram, juntos, as câmeras. O time ainda conta com Thiago Pinheiro nos cortes e um convidado a cada episódio. “Nosso diferencial é trazer gente boa”, diz Astoni, enquanto comenta o crescimento promissor do “Bora Pra Resenha Podcast”. Em quatro meses no ar, são mais de 30 entrevistados, 6 mil inscritos nos perfis oficiais, 1,5 milhão de impressões orgânicas e 15 mil horas de exibição sobre conteúdo esportivo.

Craque do Jogo

Amplamente difundido pela internet nos últimos anos, o podcast se tornou um dos principais meios de comunicação do Brasil e do mundo. O novo formato traz a praticidade como grande vantagem, além de poder ser consumido sob demanda, isto é, o ouvinte escolhe o que ouvir e quando ouvir, sem estar submetido às escalas de uma programação, como acontece nos meios radiofônicos tradicionais. A alta taxa de adesão do público ao recurso de áudio, aliada à sua disponibilidade on demand, alimentou a fome de produção dos criadores de conteúdo online, abrindo um horizonte editorial vasto.

Atualmente, vários temas são explorados pelos podcasts: política, cultura, humor, dramaturgia, ficção, opinião, etc, atendendo às necessidades de todo tipo de ouvinte. Dentre eles, está o bate-papo descontraído sobre esportes, que vem ganhando adeptos exponencialmente. No caso do BPR, além de leveza, o projeto conta com uma gama extensa de convidados ligados diretamente ao futebol mineiro. Ao todo, são 37 episódios (até o fechamento desta reportagem), que reúnem jornalistas do impresso ao digital, influenciadores, ex-presidentes, jogadores e diretores dos principais clubes mineiros.

Segundo Rodrigo Fuscaldi, “o protagonista é o convidado”. “Nosso diferencial começa na análise da pauta. Quando vamos trazer alguém, pensamos: tem que ser relevante, tem que ter conteúdo. Tem que acrescentar alguma coisa além do que nós três podemos falar. Queremos trazer gente boa, gente que agregue ao programa. Não iremos trazer qualquer um só porque temos que colocar um programa no ar”, complementa ‘Fusca’, como carinhosamente é chamado pelos companheiros.

BPR: Entrevista com Duke. Foto: Guilherme Reis.

Experiência em campo

Em função do tempo de estrada de Elton, Marco Antônio e Rodrigo no jornalismo esportivo, muitos dos convidados, se não são amigos, são ex-colegas de trabalho ou conhecidos do trio, fato que colabora para a fluidez dos episódios do podcast. Contudo, o verdadeiro responsável pelo ambiente descontraído do trabalho é o formato de ‘mesa-redonda’, que simula uma “conversa de boteco”. “Às vezes o convidado chega desconfiado, e em 5 minutos se sente à vontade, porque o clima é leve. A gente não coloca o convidado sob pressão. Aqui não é um formato de perguntas e respostas, é um bate papo”, destaca Fuscaldi.

Sobre eventuais polêmicas abordadas durante o programa — recorrentes no mundo do futebol, Marco Antônio Astoni aponta: “A gente pergunta o que tem que perguntar. E você não precisa ser estúpido ou grosso para isso. Às vezes o tema da pergunta é polêmico, mas não precisa ser desconfortável. A gente quer saber o que o povo quer saber, afinal, somos ‘o povo’ também”.

Fato é que as polêmicas são fontes primárias de engajamento nas redes sociais e audiência no YouTube. Diante disto, o mecanismo de ‘cortes de podcasts’ — postados em plataformas de compartilhamento de vídeos curtos, tais quais o TikTok e Reels, do Instagram — funciona bem para a divulgação do trabalho dos podcasters, usando, como autopromoção, a declaração de uma personalidade a respeito de determinado assunto. “A gente acha muito bom algo polêmico e engraçado. Sabemos que vamos usar aquele corte. Mas nós não estamos aqui pra buscar a polêmica de ninguém, a gente não força a barra. Não vamos fazer ninguém falar sobre alguém em específico. Não queremos e não gostamos de gerar polêmica pela polêmica. A gente faz perguntas de assuntos que são pertinentes e a pessoa dialoga do jeito que quiser”, comenta Astoni.

Marco Antônio Astoni e a atenção às redes sociais. Foto: Guilherme Reis.

Olho no lance!

O “Bora Pra Resenha Podcast” se encontra em uma editoria em ascensão dentro do mundo dos podcasts e, a cada dia que passa, a concorrência aumenta. A respeito disso, indagamos os idealizadores do projeto sobre uma possível saturação do ‘falar sobre futebol’ dentro do mundo dos podcasts. Fuscaldi enxerga um horizonte promissor: “Eu acho que o público ainda é muito pequeno se comparado ao que consome internet (como um todo) e vê TV. Grande parte da população tem um aparelho de televisão em casa, mas quem tem um computador conectado na internet ainda é a porcentagem mínima da população brasileira”. Para Astoni, o mercado tende a crescer.

Editor e responsável pelos cortes do canal, Thiago Pinheiro diz que, para Minas Gerais, o BPR é novidade: “Minas não tinha isso. Não tinha um podcast que falava de esporte, para quem gosta do futebol”, e Astoni complementa: “Entretanto, nossa intenção não é fazer apenas para Minas. Quando temos a oportunidade, procuramos trazer personalidades de abrangência nacional. A gente fala com os mineiros porque somos daqui e os convidados estão aqui. Uma questão geográfica. Mas (o BPR) é um programa que está aberto para todo mundo”.

Desafios da autonomia

Não é de hoje a discussão sobre a concentração da produção jornalística brasileira no eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Para os idealizadores do “Bora Pra Resenha Podcast”, isso acaba por comprometer o reconhecimento de trabalhos mineiros a nível nacional, embora sejam respeitados e tidos como referência no ramo.

Elton Novais foi repórter da TV Globo Minas. Por mais de 10 anos, foi responsável por cobrir o dia a dia dos principais times da capital mineira. Na década de 2010, esteve à beira do campo nas transmissões esportivas e na cobertura dos jogos de América, Atlético e Cruzeiro. Atualmente, participa do programa “Donos da Bola”, da Band Minas. Marco Antônio Astoni, durante muito tempo, alimentou o globoesporte.com com suas matérias, tanto para Atlético, quanto para o Cruzeiro. Rodrigo Fuscaldi, por sua vez, foi editor-chefe do mesmo portal, e, em muitas oportunidades, contribuiu como setorista do futebol mineiro nos programas do SporTV, filial à cabo do Grupo Globo.

Elton Novais e Rodrigo Fuscaldi nos tempos de trabalho para a Globo Minas. Fotos: SporTV/ge.com

Quando perguntados se sentem alguma dificuldade nessa “nova função”, de estarem em frente às câmeras, Fuscaldi adianta: “Pelo fato de termos trabalhado tanto tempo na TV, ainda que em áreas diferentes, nós acabamos nos acostumando a aparecer na televisão. É muito natural”. A desenvoltura dos entrevistadores diante das telas tem seu epicentro em outro pilar, no entanto: “Falar sobre o que a gente entende facilita as coisas, principalmente no nosso formato, que é mais informal. Há momentos que a gente esquece que tem uma câmera ligada ali”, completa Fusca.

Vestindo a camisa

Pensar nas referências e na produção do programa faz pensar também em sua identidade ‘audio-verbo-visual’. Com o foco principal no YouTube, plataforma onde a visualidade importa muito, o projeto conta com uma identidade visual bem definida e trabalhada. Imitando os brasões de times de futebol e com cores quentes e complementares, como o amarelo e o roxo, a logo do “Bora Pra Resenha Podcast” é tanto atraente quanto harmônica. Isso se estende para além do campo visual. Como os próprios autores nos revelam, é clara a identidade mineira na forma de linguagem.

Logotipo do “Bora Pra Resenha Podcast”.

De igual forma, o esforço em direção à qualidade de captação, conteúdo e edição faz do cuidado com a marca e seu posicionamento ser uma aspecto cautelosamente planejado. Essa é a explicação para o grupo não fazer transmissões ao vivo até o presente momento. A instabilidade de conexão da internet e a possibilidade de uma desconexão poderiam colocar ‘em xeque’ o padrão de qualidade que os quatro jornalistas alegam terem herdado da Rede Globo de Televisão.

Contudo, a gestão de mídias sociais, um campo também muito pensado nas novas dinâmicas, não é de responsabilidade específica de nenhum dos integrantes. Parece haver, com isso, um contraste entre a busca pela excelência e qualidade com os passos de aprendizado, incertos e errantes, que a dinâmica das redes apresenta a todos os iniciantes. Ademais, o retorno financeiro e a priorização da geração de renda, não é um fator urgente para o grupo. Não que os integrantes do grupo não considerem o programa um trabalho sério e com suas responsabilidades. Acontece, no entanto, que o “Bora Pra Resenha Podcast” não é a principal fonte de renda de nenhum dos que compõem o programa.

Mando de campo

Isso não tira dos produtores um aspecto importante da produção e conteúdo digital: a aspiração pela monetização. Em pesquisa realizada pelo IBOPE, em parceria com a empresa Statista, os dados apontam: 40% dos 120 milhões de brasileiros que têm acesso à internet ouviram algum podcast nos últimos 12 meses. Os cerca de 30 milhões de brasileiros têm disponíveis, aproximadamente, dois mil programas de podcast em atividade no Brasil, de acordo com o levantamento realizado pela Associação Brasileira de Podcasters (AbPod), em julho de 2021.

A expectativa de captar uma parcela da crescente audiência das plataformas digitais, é, sim, uma das motivações para o desenvolvimento, evolução e melhoria enquanto produtores de conteúdo. Como já dito antes, o fator definidor para a seleção de convidados e a produção de conteúdo da equipe é a relevância. Agregar valores em conteúdos, executando com qualidade meticulosa as regras do formato radiofônico, ainda pode parecer uma análise objetiva demais para o que Elton, Marco Antônio e Rodrigo ambicionam.

O ambiente do “Bora Pra Resenha Podcast” é receptivo e livre para que se desenrolem conversas, daquelas que facilmente se encontram nas mesas dos bares de Belo Horizonte. Todavia, temos aqui um fator que acrescenta muito nos encontros: o profissionalismo dos jornalistas que pesquisam, guiam e absorvem com domínio cada uma das pautas. Portanto, não são simples falatórios e o que temos não é apenas um programa de bate papo. Há o procedimento e a atuação de verdadeiros comunicadores que guiam e elaboram o que se desenrola na comunicação.

Gravação: leveza e profissionalismo. Foto: Guilherme Reis.

Tiro de meta!

É inegável a paixão que os mineiros sentem pelo futebol e todo o poder em torno da cultura que envolve o esporte. Ser parte dessa cultura e receber reconhecimento pelo bom trabalho são objetivos expressos dos quatro amigos. Sendo assim, a busca pela relevância, o valor do jornalismo e o gosto do entretenimento se mesclam, motivam e preenchem o conteúdo do “Bora Pra Resenha Podcast”. Ademais, embora tenham, sim, ambições projetadas para o futuro, a despeito da tranquilidade atual em relação ao dinheiro, um valor inegociável do programa é a liberdade para expressar e criar. Sejam quais forem os próximos passos do projeto, o que se espera para o futuro do BPR é uma evolução íntegra, gradual e de valor para o público.

Esta reportagem foi produzida na disciplina Projetos B2 do curso de Jornalismo da UFMG (primeiro semestre de 2022 — prof. Vanessa Cardozo Brandão).

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