Web Rádio Griot: construindo e contando a história do povo preto

Maria Eduarda Guimarães
LabCon / UFMG
Published in
4 min readNov 20, 2023

A web rádio comunitária sobrevive à base de força de vontade e do desejo de fazer a diferença

Por Isabel Gonçalves, Maria Eduarda Guimarães, Maria Luisa Leal, Ronan Resende e Vitória Alves

Foto: Maria Luisa Parreira Leal/UFMG

Em um dos quartos de seu apartamento no bairro Jardim Vitória, em Belo Horizonte, Ângelo Dias transmite o sinal de sua rádio para o mundo todo, ou pelo menos para os mais de trinta e sete mil visitantes que o site da rádio Griot (lê-se ‘griôs’), recebeu até hoje, de acordo com os dados divulgados na própria página inicial. Sob o slogan “a rádio do povo preto”, a plataforma permanece no ar com pouco suporte financeiro: o que a mantém funcionando é o esforço do próprio criador, que se vê sem financiamento significativo para evoluir suas produções.

A web rádio comunitária Griot surgiu em 2021, em meio a pandemia, graças à vontade de se expressar do idealizador de 38 anos, formado em teatro, músico e agora comunicador. A programação dura 24 horas e conta com programas literários, culturais, jornalísticos e é claro, muita música — a Rádio Griot só toca artistas negros. “Eu queria uma coisa mais ampla, contar a história das pessoas.” Daí vem o nome. Os Griots são personagens importantes na cultura africana ocidental. Eles têm vocação e são os responsáveis por contar as histórias dos seus povos, repassando de geração em geração ao longo dos séculos.

Vô Bertino, avô de Ângelo Dias. Foto: Maria Luisa Parreira Leal/UFMG

“[No site] eu tenho uma foto do meu avô que me influenciou com o nome da rádio, Griot, contadores de histórias. Tem foto de cobertura de show também.” O avô também o influenciou na paixão pelo rádio. Ângelo afirma que quando era menor, dormia com o rádio embaixo do travesseiro.

Hoje em dia, é possível transmitir uma rádio para o mundo todo com apenas um computador conectado a internet e uma plataforma de streaming. Ângelo mantém a rádio funcionando através de uma plataforma paga. São apenas quarenta reais mensais para manter a web rádio no ar, justamente o valor que ele recebe dos anunciantes. Já a infraestrutura necessária, como os equipamentos de áudio e o computador, foram todos obtidos a partir dos recursos da Lei Aldir Blanc em 2020. No entanto, Ângelo e sua colega que também participa da rádio não recebem pelo tempo trabalhado. O tempo deles fazendo programas, entrevistas e outros conteúdos não é remunerado.

A questão racial é tão importante para Ângelo, que todos os envolvidos no projeto, incluindo os anunciantes, são pessoas pretas. Para que a rádio esteja no ar durante 24 horas, sem interrupções, ele mantém uma playlist extensa de músicas de artistas negros. A questão dos direitos autorais ainda não é um problema: como a rádio não tem um alcance grande, ele não sofre impedimentos para reproduzir as músicas. Ele conta, no entanto, que um colega que também possui uma web rádio de alcance maior já foi notificado para deixar de reproduzir algumas canções.

Desde os últimos lançamentos, até os sucessos do continente africano, passando pelo rap, samba, jazz e o soul, a rádio é variada. O programa diário Soul da Night é um dos mais escutados. Liliane Moreira, amiga de Ângelo, apresenta o Afrolivros, programa que vai ao ar todos os dias às 10h, 15h e 20h e conta com dicas literárias e entrevistas com autores. A programação também conta com transmissão de episódios do podcast “Neguinho Presidente”, sobre política, o “Fala Patrão, Fala Patroa” de empreendedorismo, e a retransmissão do “Hora Rap”, programa da rádio UFMG Educativa, apresentado pelo mestre Michel Brasil e pelo DJ Clebin Quirino. A dimensão AO VIVO da rádio acontece quando Ângelo chega em casa do trabalho no Museu Memorial Minas Gerais, no programa jornalístico Griot Notícias.

Ângelo em seu estúdio. Foto: Maria Luisa Parreira Leal/UFMG

Uma das maiores dificuldades do apresentador é administrar seus recursos principais: tempo e dinheiro. Como trabalhador de carteira assinada, Ângelo não pode se dedicar inteiramente à rádio, além de investir seu tempo, também, em outros projetos para a participação em editais de incentivo à cultura. Hoje, ele, sua namorada e Liliane fazem a rádio acontecer. “Tem o [programa] de futebol, que não está rolando, que é o ‘Ponta-esquerda’ Os meus 2 colegas que apresentavam junto comigo desistiram.”

Para o futuro, Ângelo pretende se especializar na área do jornalismo e transformar a rádio Griot em sua ocupação principal. Os planos para o projeto também são grandes. Ele deseja captar mais anunciantes — para isso tem ido a eventos de empreendedorismo — fazer mais coberturas de eventos culturais, aumentar a variedade dos programas e buscar pessoas para integrar a comunidade Griot de Belo Horizonte. Isso tudo com a certeza de que “O rádio nunca vai acabar”.

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