3 razões para você não entrar nessa onda de laboratórios de inovação.

Walternor Brandão
LABHacker
Published in
8 min readOct 7, 2022

Pior do que nunca surfar é você chegar à praia depois de uma longa viagem para só então descobrir que detesta água salgada.

Com inovação é a mesma coisa. Por isso, antes de você comprar a sua prancha, colocar no teto da Kombi e sair em viagem para desfrutar as atraentes ondas do mar da inovação, talvez seja bom você considerar 3 aspectos que já vou detalhar melhor.

Mas saiba: a intenção aqui não é desanimar você, e sim refletirmos juntos se a sua instituição — e você também — está com expectativas realistas em relação à inovação. Se ao final da leitura você se sentir ainda mais motivado para botar o pé na estrada, prepare-se para receber algumas boas dicas de viagem que separei como conchinhas do mar para você.

Quem me ouve falar assim pode até pensar que sou um surfista dos bons, mas isso não é verdade. Principalmente porque eu nasci e cresci em Brasília, bem no meio do planalto central, provavelmente o lugar do país mais distante de qualquer praia que você já tenha visitado. Por isso, ainda que eu quisesse muito me tornar um surfista — o que não é o caso -, teria sido bem complicado aprender a surfar por aqui. Talvez por isso eu nunca tenha tido esse sonho. É verdade que o lugar onde você vive influencia muito a maneira como você vive e enxerga a vida. Provavelmente por conta disso, entre os meus amigos também essa ideia de ser surfista era o tipo de aspiração que jamais figurava entre as top 10 metas de vida. Exceto o Danilo. E foi lembrando da história dele que resolvi escrever esse artigo.

Crédito: jakkapan21/iStock

O Danilo sempre teve esse sonho de ser surfista. Para você ter uma ideia, ele tinha um monte de pôsteres de surf colados nas paredes do quarto e sabia o nome de todos os surfistas que apareciam neles. E, é claro, o Danilo economizava dinheiro para comprar uma prancha igual àquelas dos pôsteres, enquanto já se vestia no estilo surfista — camisa de manga curta, com botões, muitos deles abertos, bermuda florida e sandália. Só tinha um detalhe sobre a vida de surfista do Danilo: ele nunca tinha ido à praia. Pelo menos até, depois de muito tempo, conseguir juntar dinheiro e colegas para realizar o sonho de conhecer o mar.

E, quando chegou o dia, lá foram eles em uma Kombi lotada. Eu não fui. Mas quando voltou, Danilo descreveu com detalhes a experiência. Ele me confidenciou que aquela tinha sido a pior viagem da vida dele. Não por conta do trajeto, mas sim pela frustração com o destino, vejam só! Para ele, a sensação dos olhos ardendo por conta da água salgada, por exemplo, pareceu-lhe a pior tortura a que um ser humano poderia ser submetido. Mas não foi só isso: ele também detestou o sol quente, queimando-lhe o rosto e a inconveniente areia da praia, que o continuava incomodando dias depois de eles terem voltado para casa.

Depois das risadas, chegamos à conclusão de que, na verdade, Danilo gostava mais da estética do surf do que do surf em si. E, com o tempo, essa constatação se mostrou bem importante para vida dele. Foi a partir dessa revelação que Danilo resolveu não se aventurar mais como surfista e decidiu seguir feliz apenas se vestindo como um. Ele até abriu um bar temático, todo decorado com pranchas e pôsteres de surf. E, quando viajava para a praia nas férias, se contentava alegremente com o isopor repleto de cerveja embaixo do seu guarda-sol, desfrutando vez ou outra de um rápido mergulho no mar com os filhos, todos com bermudas floridas como a dele.

Admita, você e eu sabemos que todos os dias alguém passa pela mesma experiência que o Danilo. Talvez não especificamente em relação à praia em si, mas certamente com alguma aspiração que, ao ser finalmente realizada, não se parece muito com o idealizado. No mar da inovação isso é mais comum do que você imagina.

E esse na verdade é um fenômeno bem natural, pensa comigo: a estética da cultura de inovação é uma das mais atraentes que existem; todo mundo quer encher as paredes do escritório de post-its para parecer mais descolado, inovador; e, também, quem é que não quer se vestir como CEO de Startup? Esse deslumbramento pela estética é tão real que agora mesmo tem muita gente cortando gastos essenciais do seu negócio para liberar dinheiro e começar logo a construir seus espaços disruptivos e inspiradores — só porque isso parece legal.

Todos querem vivenciar essa tal cultura da inovação. E isso não está errado, não. Mas diferentemente do Danilo, você não precisa experimentar toda a correria para chegar nesse destino para só no final da estrada descobrir se a cultura de inovação é ou não para você. Ou se agora é o melhor momento para implementá-la na sua instituição. Na verdade, observar algumas particularidades desse destino antes de se colocar em marcha na jornada é a melhor coisa que você pode fazer hoje.

Por isso, tomando a história do Danilo por base, vou falar aqui de 3 aspectos para você observar antes de decidir entrar nessa onda de laboratórios de inovação. São na verdade três estados mentais que, se você identificar na sua instituição ou em você mesmo, talvez seja melhor reavaliar o projeto para não avançar demais antes do tempo e acabar vendo a sua ideia morrer na praia. Vale lembrar que uma das bases da inovação é justamente a prospecção, e é isso que eu proponho aqui. Afinal de contas, não parece sensato analisar o seu ambiente para evitar que o seu projeto acabe por tornar-se nada além de um bar temático, ainda que muito bem intencionado?

Mas, antes de começarmos, calma: se você se enxergar em algum dos estados mentais que eu vou mencionar agora, não precisa se desesperar e nem desistir de tudo. Prefira acreditar que descobrir isso agora será uma vantagem, porque é mesmo. Você terá a oportunidade de trabalhar esses estados mentais antes de começar o seu projeto. Assim você prepara o terreno para ampliar a viabilidade da implementação de uma genuína cultura de inovação na sua instituição. Preparado? Então vamos lá.

1 — Não entre na onda da inovação se você acha que está tudo certo.

Uma coisa que você ainda não sabe sobre o Danilo é que ele detestava atividades físicas. Não gostava de correr, nem de jogar futebol, nada disso. Imagina então qual foi a reação dele quando descobriu que, antes de deslizar na crista das ondas, ele necessariamente passaria muito mais tempo remando com os braços até chegar em mar aberto?

Danilo estava acostumado demais com seu estilo de vida sedentário para encarar uma mudança tão grande. Naquele dia na praia, ele chegou à conclusão que a sua vida estava boa demais do jeito que sempre foi, se tinha uma coisa que ele não precisava era ficar remando no sol quente.

Se você ou a cultura de sua instituição se reconhece nesse mesmo estado mental, respire um pouco. Entenda que, para começar um projeto de inovação, é preciso questionar o status quo. É preciso abrir-se para repensar processos, procedimentos e até produtos muito bem sucedidos. Em outras palavras, inovar demanda repensar até aquilo que vem dando certo há muito tempo.

Trabalhar as expectativas dos stakeholders a respeito desse necessário espírito questionador é fundamental. Se as pessoas-chave da sua instituição não se sentirem confortáveis em repensar a maneira como trabalham hoje, simplesmente não haverá espaço para a inovação.

E, por mais que você particularmente veja o seu projeto como um farol que ilumina o caminho para o futuro, as pessoas vão enxergá-lo apenas como um convite atrevido para perder tempo em stand up meetings debaixo do sol escaldante sem propósito algum.

2 — Não entre na onda da inovação se você acha que está tudo errado

Por outro lado, se quisesse finalmente aprender a surfar, Danilo precisaria parar de reclamar da areia e do mar salgado. Não só porque tudo isso faz parte do cenário da praia onde se surfa, mas também porque esses detalhes são valorizados pelas pessoas com quem ele precisaria lidar.

Surfistas profissionais não só não se incomodam com a areia e o mar, como também cultivam um sentimento especial por esses elementos. Se Danilo não aprendesse a ter empatia com esses valores, certamente teria muita dificuldade para receber daquelas pessoas dicas valiosas para alavancar o seu sonho. Quanto tempo levaria para ele descobrir sozinho que passar parafina na prancha ajuda a deslizar melhor pelas ondas?

Quando assumimos a postura de apenas criticar a maneira como as áreas corporativas tradicionais funcionam hoje, desvalorizando o esforço das pessoas que lidam com a realidade do setor todos os dias, nós nos afastamos do que é mais importante para a implementação de uma cultura de inovação: o compartilhamento de conhecimentos. As pessoas que vivenciam os problemas conhecem como ninguém os desafios presentes.

Tenha empatia. As pessoas estão fazendo o melhor que podem e, se você se aproximar delas criticando o que elas entregam hoje, pode ter certeza que estará gerando resistência suficiente para ninguém se engajar no seu projeto.

3 — Não entre na onda da inovação se você acha que é um gênio.

Danilo tinha pôsteres no quarto e sabia o nome de todos os surfistas. Já tinha decorado as manobras deles e as identificava com facilidade. Resumindo, Danilo entendia muito da teoria do surf, mas, na prática, nunca tinha surfado. O resultado da experiência dele, em poucas palavras, mostrou-lhe que a ousadia de achar que sabia tudo, sem conhecer como as coisas funcionam na realidade, foi a receita perfeita para a frustração. E eu diria mais: continua sendo.

A palavra chave quando se fala em inovação é empatia. Você leu isso no tópico anterior e está lendo agora de novo. Se você não estiver disposto a repetir isso como um mantra, todos os dias, enquanto se esforça em praticá-la de verdade, nem comece.

Além de valorizar o esforço que as pessoas fazem nas suas tarefas do dia a dia, entenda que elas tem algo a dizer sobre como melhorar essas mesmas tarefas. Aceite que as melhores e mais delirantes ideias de solução que surgirem na sua cabeça depois de uma palestra do TED muito provavelmente não chegam aos pés das que estão guardadas nas gavetas de colegas que já trabalham com os desafios da instituição todos os dias.

Outro ponto a considerar é que inovar também está em abrir-se para desafios que você nem faz ideia que existem — e se deparar com soluções ainda mais inusitadas. Ambas dentro de um universo de possibilidades que você precisa reconhecer que talvez não conheça tão bem.

Inovação não é para quem acha que tem a solução para tudo. É para quem está disposto a crescer junto, a encontrar soluções colaborativas para desafios reais.

Não jogue a sua prancha fora!

Como eu disse lá no início, você pode ter ficado ainda mais motivado por não se enquadrar em nenhum desses estados mentais e já se ver preparado para colocar o pé na estrada. Mas pode ser também que agora você se veja como um verdadeiro peixe fora d’água, depois de ter se reconhecido perfeitamente em alguns dos exemplos, como quem olha o próprio reflexo em uma poça no chão.

Se estiver no segundo caso, lembre-se que isso não é motivo para desistir — na verdade é uma excelente oportunidade para identificar para que lado avançar, mas com uma motivação diferente: a de fazer a travessia para um novo mindset capaz de impulsionar uma mudança cultural que torne a sua instituição mais acolhedora para a criatividade e inovação.

Se estiver no primeiro caso, volte e leia tudo de novo.

E, como eu havia prometido, aqui estão as conchinhas do mar que separei para você: uma série de conteúdos que, de tão bons, deveriam estar em pôsteres colados nas paredes de todo entusiasta da inovação, especialmente quando se trata de inovação em governo.

Aproveite e, quando estiver pronto, boa viagem!

Inovação e Políticas Públicas: superando o mito da ideia

Inovação no Setor Público: teoria, tendências e casos no Brasil

https://wegov.com.br/marco-legal-dos-laboratorios-de-inovacao/

https://medium.com/inova%C3%A7%C3%A3o-em-governo-e-no-controle

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