Como a oxitocina vai destruir o seu laboratório de inovação

Walternor Brandão
LABHacker
Published in
4 min readMar 14, 2022

Não é nada fácil criar um laboratório de inovação. Muitas vezes, o esforço é protagonizado por um pequeno grupo ou mesmo um único indivíduo que, a partir de uma visão de futuro inspiradora, se propõe a enfrentar toda uma cultura estabelecida para criar algo novo e disruptivo em sua instituição. Quando isso dá certo, dizemos que a criação do laboratório se deu de maneira bottom up, o que difere — e muito — de um advento top down, quando é a alta gestão da instituição quem impulsiona o surgimento da área de inovação. Ambas as realidades comportam seus desafios, mas neste artigo gostaria de focar em um traço característico da primeira hipótese, em que é determinante a atuação dos Rambos e MacGyvers da inovação — ou, se você é muito jovem, Iberê Thenório — e de um famigerado hormônio chamado oxitocina.

Aliás, por falar em Iberê, sabia que ele recentemente construiu sozinho na garagem de casa um submarino que funciona de verdade? Talvez essa seja mais ou menos a expectativa de muitos servidores que sonham em estabelecer uma área de inovação em suas instituições: juntar algumas peças, temperar com conhecimentos que já têm ou que estão adquirindo com benchmarking e, voilá, um laboratório de inovação novinho em folha surge! Só que o submarino do Iberê faz água… e, muitas vezes, laboratórios bottom up também — e o hormônio que comentamos dá pistas do motivo de isso acontecer.

Não vou falar sobre o caso do submarino porque, enfim, não é a minha praia. Mas com os laboratórios de inovação existe algo que tenho acompanhado já há algum tempo, que sempre me intrigou e que a neurociência ajuda a entender sua ação no naufrágio de iniciativas de inovação.

Nos processos bottom up de criação de labs, geralmente forma-se um grupo muito coeso, onde as pessoas compartilham de uma mesma visão e se engajam muito fortemente para alcançá-la. Esse sentimento de missão comum é muito poderoso e é aqui que a oxitocina atua, sendo ela um dos principais hormônios responsáveis pelos sentimentos de pertencimento, amor e amizade. O problema é que esse hormônio, ao mesmo tempo que gera coesão intragrupos, acirra o sentimento de belicosidade intergrupos. Sobre isso, pesquisas demonstraram que as estratégias de busca por aumento de performance que apostam na rivalização entre equipes tendem a gerar um grave prejuízo para a sensação de pertencimento dos membros desses grupos em relação à empresa como um todo, ainda que isso gere uma ampliação de níveis de coesão internos ao grupo no curto prazo. No contexto geral, tais medidas costumam ser extremamente deletérias para eventuais ações de colaboração entre os grupos rivalizantes, refletindo inclusive na saúde dos colaboradores em médio e longo prazos.

Imagem: Freepik

No caso dos laboratórios de inovação do tipo bottom up, a realidade mencionada se faz presente, ainda que não seja uma diretriz estabelecida pelo grupo ou mesmo pela instituição. Ela surge quase que instintivamente por conta, principalmente, da imperiosa necessidade de afirmação desses setores. Laboratórios que precisam demonstrar a importância da visão que defendem com unhas e dentes tendem a ver como obstáculos todos os demais na instituição que não coadunem e não comprem a sua perspectiva. O instinto de sobrevivência do grupo é tão forte que é comum que seus membros passem a ver potenciais stakeholders como ameaças, simplesmente por apresentarem objeções às ideias. E isso, convenhamos, é tudo o que um lab não precisa.

Imagem: Freepik

Para contornar esse efeito da oxitocina na corrente sanguínea, só há um jeito: redirecionar a noção de pertencimento dos integrantes do laboratório para além do grupo, alcançando a instituição como um todo. É preciso extrapolar a ideia subjacente de que aquele pequeno grupo detém uma perspectiva privilegiada e inquestionável dos problemas e das soluções da corporação, avançando para uma postura mais caracterizada pela empatia do que pela arrogância. É preciso entender que as pessoas que convivem com os problemas reais conhecem melhor as suas dores do que qualquer outro. E elas também são as mais indicadas para avaliar quais soluções atenderiam melhor às suas necessidades. E qual lab não sonha em entregar soluções com valor real e cheias de significado?

Retomando as ilustrações do início da nossa conversa, em resumo, é preciso ser menos Rambo e MacGyver e mais Iberê Thenório — que, depois de algumas idas e vindas, passou a contar com cada vez mais colaboradores para chegar a um protótipo de submarino que fizesse menos água e pudesse ser lançado no oceano. A oxitocina pode destruir o seu lab, mas também pode fazer dele um espetacular case de sucesso na medida em que a noção de grupo de seus integrantes for a mais ampla possível, gerando conexão e coesão na instituição como um todo.

Imagem: Freepik

Referências

  1. MYERS, D. G.; DEWALL, C. N. Psicologia. 11a ed. LTC, 2017.
  2. HUMPHREY, SE; NAHRGANG, JD; MORGESON, FP Integrando recursos de design de trabalho motivacionais, sociais e contextuais: um resumo meta-analítico e extensão teórica da literatura de design de trabalho. In: Journal of Applied Psychology, 92(5), p. 1332-1356, outubro de 2007.

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