Como funciona o LabHacker da Câmara dos Deputados?

Hackers do LAB
LABHacker
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6 min readSep 8, 2020

Certa vez, assistindo a um filme com meu filho, vimos um dos protagonistas se questionar de onde vinha a capacidade criativa de outro personagem da história. Era um filme sobre homens das cavernas e essa cena foi uma das mais engraçadas. Por se ambientar na pré-história, a narrativa criava um terreno fértil para ideias inovadoras e isso acabou seduzindo o nosso protagonista a também explorar a sua própria criatividade. Porém, ao escolher o caminho da competição com o outro personagem, ele chega a deduzir que as ideias só poderiam vir do estômago das pessoas. Daí já dá para supor que as invenções dele não eram das melhores. E não eram mesmo.

É engraçado, mas esse quadro representa uma perspectiva bem comum, ainda nos dias de hoje. A equivocada noção de que as ideias seriam totalmente inatas, vindo originalmente de dentro de nós. Talvez pareça ser natural para alguns imaginar as invenções brotando a partir da nossa própria genialidade, sem qualquer influência externa. Mas só parece mesmo, e não passa disso. Felizmente a realidade é bem diferente.

Digo felizmente porque, se assim fosse, talvez pudesse existir uma clivagem entre pessoas supostamente dotadas de uma extraordinária capacidade criativa inata e outras nem tão iluminadas assim. Mas a realidade é que as grandes ideias são sempre tributárias de abstrações anteriores. Talvez menores e mais simples, mas todas fundamentais para consolidar o caminho para o surgimento das grandes inovações. Isso inviabiliza a clivagem mencionada, abrindo espaço para que todas as pessoas direta ou indiretamente envolvidas no processo sejam devidamente valorizadas.

É fundamental entender que as grandes ideias dependem de muitas pessoas pensando juntas, ainda que espacialmente ou temporalmente distantes umas das outras. E isso tem sido fundamental por aqui. Acreditamos nesse processo colaborativo e é ele que buscamos espelhar na nossa estrutura de trabalho no Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados. Sabemos que as boas ideias não nascem ex nihilo dentro de nós, mas sim por meio da riqueza criativa que há na inteligência coletiva e no esforço colaborativo.

E nesse ponto está o primeiro aspecto fundamental para se entender como funciona o LABHacker: as ideias que aparecem por aqui nunca são da nossa equipe interna. Elas são de muita gente. Sério. São de gente de dentro e de fora da Câmara dos Deputados. Em conjunto. Essas ideias surgem justamente do encontro de pessoas muito diferentes, que contribuem com as suas visões particulares de mundo, suas experiências profissionais e seus anseios em relação à instituição. Deixa eu explicar melhor como isso funciona.

De tempos em tempos, realizamos aqui um evento chamado Nós do LAB — se você já ouviu falar, talvez tenha ficado curiosa(o) sobre esse nome. Inclusive, depois de começar a ler esse texto, é possível que já tenha percebido algumas pistas. E é isso mesmo. O formato do Nós do LAB tem por pressuposto a lógica de que as boas ideias surgem de várias cabeças pensando juntas. Por isso a estrutura do evento é toda formatada para que NÓS — cidadãos, servidores da Câmara dos Deputados e de outros órgãos públicos, deputados federais e representantes da sociedade civil — debatamos juntos quais são os NÓS, ou seja, as amarras que precisam ser desatadas para que avancemos em transparência dos dados públicos, participação social e exercício da cidadania no legislativo federal.

Transparência, participação e cidadania. Três temas que simplesmente não dá para tocar sozinho. Não faz o menor sentido falar de participação na política sem envolver as pessoas às quais as oportunidades de participação serão dirigidas. E quem melhor do que a própria sociedade para falar da qualidade da transparência dos dados públicos que lhe estão sendo disponibilizados? Além disso, conhecemos muita gente boa tocando essas questões em outros órgãos públicos também. Então, para nós, não há estratégia melhor do que convidar essas pessoas, da sociedade e das instituições, para junto com os deputados federais e servidores da Câmara entendermos melhor os desafios que temos pela frente.

Esse é o primeiro passo. No Nós do LAB estabelecemos juntos a agenda de desafios a serem enfrentados nesses três eixos. Mas o trabalho colaborativo não para por aí. As próximas etapas, de ideação, prototipação e testes, também contam com ampla interação de todos esses segmentos. E aqui é importante destacar o papel fundamental dos demais setores da Câmara dos Deputados.

Enquanto laboratório de inovação, nós sabemos que a implementação das soluções propostas pode demandar a modelação de novos processos de trabalho para os setores da Casa mais afetos com a questão. Sabemos também que isso, muitas vezes, é custoso para os gestores e colegas servidores dessas áreas, por diversos fatores. E é por isso que não abrimos mão da presença desses atores em todas as fases do processo. Esse é o segundo passo para entender como o LABHacker funciona. Por aqui, não são apenas os desafios que são levantados de maneira conjunta: as soluções também.

Aqui, no LAB, nós vemos como imprescindível a participação dos nossos colegas no desenvolvimento dos protótipos porque estamos cientes de que, lá na frente, são eles que vão colocar a mão na massa. Portanto, para nós é fundamental que a implementação das soluções seja tão desejada por eles quanto é por nós — ou até mais. Seria um desastre se os nossos colegas, ao invés de desejarem a inovação proposta, evitassem-na a todo custo.

Por isso, tudo o que desenvolvemos conta com a visão particular dos servidores que vão operacionalizar as soluções ideadas, de modo que toda a jornada gere valor para eles também. A diretriz, então, é sempre pensar inovações que otimizem processos antigos e não tão somente criem processos novos. Em outras palavras, acreditamos que juntamente com os nossos colegas podemos inovar em transparência, participação e cidadania, aperfeiçoando modelos para que se tornem aliados na realidade de trabalho do dia a dia, e não um novo fardo.

Por fim, um terceiro e último aspecto para entender como funciona o LABHacker: o código aberto. Tudo o que desenvolvemos é feito com base em licenças livres, que permitam a sua utilização por quaisquer outros interessados. Algumas pessoas se surpreendem quando entram em contato conosco para entenderem a burocracia de autorização para utilizar o e-Democracia, por exemplo, e descobrem que não há nenhuma. Nenhum formulário; nada de ofícios em três vias; nada de carimbo ou firma reconhecida. Basta pegar o código lá no GitHub e instalar. Inclusive, se precisar de alguma ajuda, se surgir alguma dúvida no processo, é só marcar uma videoconferência que a gente bate um papo. Simples assim! Isso porque acreditamos que, uma vez utilizando recursos públicos para desenvolver soluções criadas de maneira colaborativa, não faz sentido algum enclausurar isso, enquanto outras instituições, que têm necessidades semelhantes, replicam esforços e investimentos em algo que já está pronto.

É por isso que, além deste meu texto, você vai encontrar aqui uma série de relatos sobre vários dos nossos projetos, os mais recentes do último Nós do LAB. Esses relatos são como os nossos relatórios de trabalho. Não espere encontrá-los engavetados em arquivos empoeirados em algum depósito da Câmara, não. Eles ficam aqui mesmo, para que você tenha acesso. Assim, se ao ler sobre os projetos você perceber que tem interesse neles — ou se você descobrir que algum deles é do interesse da sua instituição -, chama a gente para trocar uma ideia. Entendemos que as melhores criações não vêm de maneira inata — ou da nossa barriga — e sim de conversas. Aprendemos isso tanto com o protagonista de um filme infantil, quanto pela perspectiva de atuação do LAB. Mas não deixa de ser verdade que uma cesta de pães de queijo e uma boa garrafa de café ajudam bastante… ;-) Então, tão logo seja possível, estaremos partilhando presencialmente ideias e pães de queijo.

Enquanto isso, estamos mais do que nunca nos valendo da tecnologia para continuar caminhando juntos pela inovação em transparência, participação social e cidadania na Câmara dos Deputados. Sempre de maneira bem horizontal, buscando galvanizar essa energia criativa e colaborativa, que junta pessoas tão diferentes mas com objetivos tão próximos.

Texto escrito pelo hacker Walternor Brandão, diretor do Lab.

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