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E-Participação no Legislativo — Idealizando o futuro com o que já existe (Parte 2)

Uma possível complementaridade entre ferramentas de e-Participação em Legislativos no mundo.

Fonte: PARLAMERICAS. Kit de ferramentas — Participação Cidadã no Parlamento.

1) Estabelecimento de agenda

As ferramentas digitais mais comuns e evidentes para a etapa de Estabelecimento de Agenda são as plataformas de e-Petições. Nelas, o cidadão simplesmente expressa sua demanda da forma mais direta possível. Algumas regras são impostas, que variam um pouco de plataforma para plataforma, mas é comum a obrigatoriedade de se evitar linguagens impróprias ou ofensivas ou de se atentar a algo que não seja da competência do Parlamento. A despeito dessas regras, pode-se dizer que nesta fase os cidadãos contam com uma grande liberdade para enquadrar de sua própria maneira o problema e para apresentar sua demanda legislativa.

Nas regras da plataforma Petitions, uma petição é debatida no Parlamento Britânico se obtiver o apoiamento de mais de 100.000 assinaturas.
Exemplo de apoiamentos a uma “Ideia Legislativa”, na plataforma e-Cidadania do Senado Federal
  • O cidadão pode expressar diretamente sua demanda, o que permite coletar muitas ideias diferentes;
  • As plataformas desta etapa têm o potencial de gerar mais engajamento, ou seja, muito interesse de cidadãos em participar, devido às regras relativamente mais simples de participação;
  • O apoiamento mínimo necessário — quando existente — pode auxiliar em estabelecer melhor um crivo de relevância e qualidade para a análise parlamentar.
  • O simples fato de uma proposta ser debatida por parlamentares, já seria uma forma mais clara de feedback para os cidadãos que participaram.
  • A relativa simplicidade em apresentar demandas pode trazer o desafio de um volume muito grande para ser analisado pelas Comissões;
  • Muitas propostas costumam ser feitas sem muita clareza, o que pode gerar dificuldade e frustração na interpretação das intenções dos autores;
  • Ainda que a proposta possa ser aceita ou recusada — atendidas as regras — por uma Comissão, o desenvolvimento da proposta é feito pelos parlamentares, sem haver uma etapa subsequente onde os cidadãos continuariam a fazer sugestões.

2) Desenvolvimento do conteúdo de um projeto de lei

Uma etapa menos explorada em parlamentos no âmbito de e-Participação é a parte do desenvolvimento do conteúdo da lei. A demanda apresentada pelo cidadão nas plataformas de e-petições — assim parece ser uma experiência comum nos parlamentos — é muitas vezes pouco elaborada, sem dar conta de várias nuances. Afinal, como detalhar melhor essa proposta? Que eixos e diretrizes devem existir?

Ideias fundamentais de um projeto de Lei são votadas ou discutidas na plataforma Congreso Virtual.
  • A plataforma desta etapa nos permite enxergar o potencial de coletar avaliações de eixos, de argumentos principais para subsidiar uma melhor elaboração de projetos de lei;
  • No caso de Projetos de Lei já elaborados e em tramitação, a ferramenta pode servir como “tradução” do texto para um público mais amplo, quebrando ou enfatizando argumentos principais e permitindo coletar ideias para um “substitutivo”;
  • Pensando em um ciclo completo de e-Participação, se houvesse uma ideia apresentada por um cidadão (como na etapa anterior), a ferramenta desta etapa serviria para a participação continuar no desenvolvimento da proposta e, talvez, auxiliar melhor sua apreciação pelo Legislativo;
  • Requer do cidadão um entendimento maior de argumentos e não apenas um “apoio” genérico em toda uma proposta, o que obriga a uma participação um pouco mais qualitativa.
  • Se houver apenas uma ferramenta desta etapa, sem que o cidadão possa expressar diretamente uma demanda — como na etapa anterior, a exemplo da e-Petição — pode frustrar alguma expectativa de maior possibilidade de participação;
  • No caso específico do Congreso Virtual, não há a possibilidade de cidadãos sugerirem uma ideia fundamental para construir a proposta (ao contrário de versão anterior, Senado Virtual), o que pode dar a impressão de ser algo mais consultivo e menos participativo.

3) Elaboração de um projeto de Lei

Para a etapa de elaboração de um projeto de Lei, vamos aqui considerar já uma possibilidade de se entrar na própria estruturação, na redação da proposta legislativa. Nesta etapa, a e-Participação requer do cidadão uma maior intimidade com a linguagem mais formal das legislações e um exame dispositivo a dispositivo.

Versão anterior do Wikilegis: A participação pode ser feita dispositivo a dispositivo, e em um nível mais básico de curtidas.
É possível fazer sugestões de alterações em cada dispositivo, em uma versão mais antiga do Wikilegis
Além da edição do dispositivo de lei, os internautas podem também sugerir adições ou mesmo sua exclusão.
  • A plataforma desta etapa permite aos internautas fazerem contribuições em trechos específicos, examinando as minúcias do texto normativo — uma possibilidade atraente para aqueles com maior intimidade com o mundo jurídico e a técnica legislativa;
  • Dada a dificuldade de se redigir colaborativamente um texto, a ferramenta se propõe a oferecer uma minuta de texto já pronta, estruturada, de forma a receber as contribuições dos internautas;
  • Em tese, a ferramenta permite ao parlamentar ver as contribuições de forma mais estruturada, dispositivo a dispositivo, o que facilitaria sua leitura e apreciação.
  • A participação requer um domínio técnico maior e muito mais profundidade de exame na proposta. A ferramenta certamente apresentará números menores de engajamento menores, algo menos atraente em termos de divulgação;
  • Com a possibilidade de se escrever muito em cima de dispositivos muito específicos, aumenta a probabilidade de que muitas contribuições estejam fora do tema, implicando menor aproveitamento por parte do parlamentar;
  • Campos muito abertos para escrever, com internautas sem intimidade com a técnica legislativa, favorecem uma contribuição sem qualquer pertinência temática ou com qualidade mínima para ser efetivamente incorporada.

4) Revisão do Projeto de Lei

Considerando-se que a proposta possa ter recebido sugestões de aportes ou não, como na etapa anterior, seria interessante ter uma possibilidade de uma revisão mais fina, em trechos específicos da redação final.

O cidadão seleciona o trecho sobre o qual quer opinar, fazendo comentários livres, sem qualquer expectativa de se atentar à técnica legislativa, em nova versão do Wikilegis
Mapeamento da participação permite ver em quantas interações ocorreram e em quais trechos, em nova versão do Wikilegis da Câmara dos Deputados.
Página inicial de uma proposta legislativa no portal Leyes Abiertas, da Camara dos Deputados da Argentina, com apresentação e números da participação
Ao clicar nos trechos da lei que receberam contribuições, vê-se que o(a) parlamentar tem a possibilidade de interagir diretamente com o internauta no portal Leyes Abiertas.
  • As plataformas desta etapa permitem aos internautas fazerem contribuições em trechos específicos, examinando as minúcias do texto normativo — certamente uma possibilidade atraente para aqueles com maior intimidade com o mundo jurídico e a técnica legislativa;
  • As ferramentas permitem anotar trechos específicos dos dispositivos, o que permitiria um nível de revisão mais fino e um direcionamento maior a uma etapa de revisão da Lei;
  • O aspecto de anotações, em tese, permite comentários mais livres sem muitas amarras formais.
  • A participação requer um domínio técnico maior e muito mais profundidade de exame na proposta. Sem a existência de outras possibilidades de e-Participação, como nos exemplos anteriores, estas ferramentas certamente apresentarão os menores números de engajamento;
  • Com a possibilidade de se escrever muito em cima de dispositivos específicos, aumentam-se as chances de que contribuições estejam fora do tema, implicando menor aproveitamento pelo parlamentar.

5) Votação dos projetos de Lei

Se o projeto de lei estiver desenvolvido e devidamente pronto para ser votado no plenário (ou dentro de uma Comissão), haveria ainda uma possibilidade de e-Participação. Existe o momento de definição da Pauta, onde os parlamentares — seguindo-se regras regimentais e acordos políticos — priorizam quais as propostas legislativas serão submetidas à votação. Esse é um momento bem crucial para a definição da agenda política no Legislativo com desafios ainda maiores para uma e-Participação. Mas e se os cidadãos pudessem ser consultados para sugerir uma priorização das propostas?

Pauta Participativa: cidadãos teriam votos para a inclusão ou não-inclusão de Propostas Legislativas na votação.
  • Independentemente de haver obtido fases anteriores de participação, um Projeto de Lei poderia obter um maior status de “interesse popular” se obtivesse muitos votos favoráveis.
  • Talvez seja a proposta de ferramenta de e-Participação mais radical, pois não envolve a possibilidade de contribuições em uma proposta específica, em diálogo com um(a) único(a) parlamentar, mas na definição de prioridade de uma proposta inteira o que requer o diálogo com um amplo conjunto de parlamentares.
  • O momento de definição da Pauta é crucial para a agenda legislativa — com a influência de inúmeros parlamentares — e a ferramenta não pode gerar expectativas de que os votos dos internautas realmente definirão prioridades.
  • Justamente pela dificuldade de se atribuir o devido peso e proporção a esses votos, talvez seja a possibilidade de participação mais difícil de ser levada em conta pelos parlamentares.

Por uma plataforma mais completa, mais flexível de e-Participação

O presente texto oferece um recorte de características de diferentes ferramentas que poderiam ser aproveitadas de maneira sinérgica. Tirando-se partido de suas potencialidades, essas características poderiam estar disponíveis em uma mesma plataforma, oferecendo-se várias oportunidades de e-Participação, o que poderia atender melhor a diversidade de interesses e possibilidades dos cidadãos, assim como dos próprios parlamentares.

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Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados

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