Gestão e inovação nas cidades do futuro

Roberta Rabay
LABHacker
Published in
10 min readJun 22, 2023
Imagem criada por inteligência artificial (Image Creator from Microsoft Bing)

Como uma prefeita ou prefeito pode acelerar e promover uma gestão transformadora e eficiente sem ter que começar do zero e impactar positivamente a vida dos cidadãos? Quão desafiador é inovar, empreender, gerir e desenvolver um município?

Segundo o IBGE, o Brasil é composto 5.570 municípios. E cerca de 80% deles possuem menos de 25 mil habitantes, arrecadação proporcional e, consequentemente, orçamento limitado.

Foi a partir do desafio como prefeita de Nova Bandeirantes/MT que Sol Brasil e seu sócio Alexandre Souza idealizaram o projeto Prefeitos do Futuro. Conversamos com a Sol no Labtalks 57.

O projeto começou em 2018 com um evento anual de 3 dias, que fornece informação, ferramentas e metodologias para modernizar gestões municipais por meio de palestras e exposição de produtos e serviços. Voltado a gestores públicos municipais, com desenvolvimento pessoal, planejamento, gestão, inovação e uso de tecnologias. Tudo com o propósito de melhorar os serviços e a qualidade de vida da população.

A 5ª edição do Prefeitos do Futuro aconteceu de 24 a 26 de maio em Brasília. Com o lema “vamos fazer diferente”, reuniu palestrantes de renome em áreas diversas: economia, política, tecnologia, gestão, recursos humanos, direito, comunicação e outras.

O LABHacker acompanhou o evento. Como são 3 dias intensos, não dá pra descrever tudo que se viveu por lá. Vamos aqui fazer um relato e destacar alguns momentos. Christiane Pelajo abriu o evento falando sobre a importância da comunicação para prefeitas e prefeitos.

Foram apresentados casos de sucesso em municípios que participaram de edições anteriores. Com destaque para Indiaroba/SE, com população estimada em pouco mais de 18 mil habitantes. O prefeito Adinaldo do Nascimento apresentou a criação da moeda digital Aratu (A$) e do Banco Popular de Indiaroba (BPI). Atualmente, 249 estabelecimentos aceitam o Aratu como moeda local, gerando riqueza no município. Em 9 meses de funcionamento, foram realizadas mais de 10 mil transações financeiras, equivalente a A$ 2,5 milhões — cerca de R$ 2 milhões em movimentação financeira no município. 1.028 famílias são beneficiadas.

O nome da moeda digital de Indiaroba foi inspirado no caranguejo aratu, presente nos manguezais

Márcio Giacobelli, ex-executivo de multinacionais, especialista em gestão, vendas diretas e networking autêntico, autor do livro Relacionamento, Influência & Negócios, destacou a importância de conhecer o cliente, construir um relacionamento e estar conectado. Empresas que não se relacionavam com seus clientes por meio de plataformas online, fecharam as portas na pandemia. “Em qualquer negócio, sem relacionamento não tem negócio”, e a “principal moeda é a confiança”, frisou.

Ele alertou sobre o cuidado com o que se posta na internet e a amplitude que ela dá, citando casos como o da executiva Justine Sacco que teve a carreira arruinada por um tweet; e a repercussão de uma foto de um tênis rasgado num jogo de basquete que derrubou as ações da Nike em 1,12 bilhão de dólares, e como a concorrência pode tirar proveito disso. Ressaltou ainda que somos muito mais “seguidos” pelo que fazemos do que pelo que falamos.

Por outro lado, a internet pode ser uma ferramenta poderosa para viabilizar uma tribo: um grupo de pessoas conectadas a um líder e a uma ideia. Muitas pessoas nasceram para serem lideradas e é muito importante saber diferenciar quem tem perfil de líder.

Um líder cria movimento que engaja pessoas. E pessoas engajadas defendem aquilo que acreditam. Todo movimento tem cunho emocional. Como exemplo, citou o caso de um refrigerante: “abra felicidade”, e de um magazine que diz: “vem ser feliz”. Movimentos se comunicam com o coração.

Palestra do Marcio Giacobelli

Falou também sobre a importância de ter uma comunicação clara. E que as prefeituras podem se utilizar de expertise e aconselhamento, visão externa e imparcial, networking, parcerias, inovação e planejamento estratégico.

Giacobelli é cofundador do Instituto Êxito, uma plataforma com cursos gratuitos dedicada a incentivar e apoiar o empreendedorismo, a livre iniciativa e a ética nos negócios no Brasil.

Cristiano Ferri, doutor em ciência política e sociologia, ex-diretor do LABHacker e servidor da Câmara dos Deputados, falou sobre inovação. Enumerou os passos necessários para transformar a gestão e impulsionar carreiras de sucesso.

Começando por desenvolver mentalidade de inovação, com uso de novas tecnologias e inteligência artificial (IA) no governo, por exemplo. Gestores de transporte na China usam IA para melhorar o trânsito. ALEI, a IA do TRF-1, auxilia magistrados na detecção de padrões de decisão para facilitar o trabalho. O chatbot ASSIS, um robô tutorial, foi outro caso citado. Como também o Poupinha, chatbot para esclarecer dúvidas e ajudar nos agendamentos.

Também é possível fazer uso de inteligência coletiva legislativa, em que o parlamentar pode ouvir o cidadão em audiências interativas, caso da Câmara dos Deputados: o parlamentar pode tornar o seu trabalho ainda melhor ao ouvir o cidadão comum, que vivencia os problemas no dia a dia num país continental.

Palestra do Cristiano Ferri — exemplo de inteligência legislativa

Aprender a reformular processos de trabalho (Mínimo Processo Viável — simples e revolucionário): simplificar e reduzir o tempo em processos é o segundo passo listado por Cris Ferri. De acordo com Peter Drucker, “nada é menos produtivo do que tornar eficiente algo que nem deveria ser feito”.

O terceiro passo é desenvolver habilidades socioemocionais (soft skills). Possuir apenas conhecimento técnico não é mais suficiente. As novas tecnologias vão entregar boa parte do trabalho técnico, como o ChatGPT, uma IA generativa. Saber lidar com pessoas, ser um bom comunicador, ter um bom e autêntico networking, desenvolver visão multidisciplinar. Competências técnicas, digitais e socioemocionais são fundamentais para o profissional do século 21.

Ferri citou as principais novas competências: inteligência artificial, gestão de redes, engenharia e ciência de dados, desenho de diálogo, experiência do usuário, psicologia comportamental. E como competências essenciais para o servidor público: iteração, alfabetização de dados, foco no cidadão, curiosidade, storytelling e até (uma pitada de) insurgência.

“Não espere ter as condições ideais para inovar; inove um pouco primeiro para melhorar suas condições”, concluiu Cris.

Luís Felipe Monteiro, ex-secretário do governo digital do Brasil, hoje na iniciativa privada, falou sobre a transição da liderança tradicional para digital. Monteiro foi secretário do governo digital até o final de 2021. Antes disso, foi diretor de inovação. Junto com o LABHacker e vários órgãos federais, participou da criação da Semana de Inovação, que acontece anualmente em Brasília. Desse movimento surgiu a rede inovaGov para troca de experiências, ideias e colaboração para solução de problemas complexos.

Ele ressaltou que trabalhar no governo é impactante — referindo-se à transformação do gov.br, apesar das notícias negativas sobre o serviço público terem muito mais visibilidade. E por isso, “é importante criar times que enxerguem quão extraordinário é ser servidor público, que se apaixonem pela visão e assim consigam melhorar os serviços públicos”, ressaltou.

“Vocês estão liderando ou estão sendo liderados?” perguntou. E exibiu o vídeo Transformação digital: você está pronto para uma mudança exponencial?, de Gerd Leonhard.

O Brasil já é a quarta população do mundo conectada. 81% dos brasileiros acessam a internet diariamente. 94% de jovens de 16 a 24 anos acessam conteúdos digitais em dispositivos diversos. 142 milhões de pessoas acessam a internet no Brasil, 99% delas principalmente pelo celular. O brasileiro fica 9 horas por dia conectado em média. 30% a mais que um norte americano. Os brasileiros não são apenas incluídos digitalmente, mas ansiosos, interessados em novas tecnologias. Se novas formas de acesso mais simples, mais tecnológicas forem ofertadas nos municípios, os cidadãos irão buscar e se beneficiar delas.

“No início da jornada do governo digital, muitas pessoas falaram: ‘isso não vai funcionar. Nós temos uma população idosa que não acessa internet, frágil, vulnerável, que não vai acessar internet…’. Nessa hora, pensem no copo meio cheio”, ressaltou.

“Das 213 milhões de pessoas, algumas não vão entender, não vão ter acesso. Mas quantas vão conseguir usar? 140 milhões de pessoas. O equivalente a 14 Dinamarcas ou a 4 Canadás”.

O gestor público precisa estar preparado para atender a população que vai utilizar serviços como o Amazon Go. Essa tecnologia foi lançada há 5 anos. Quem vive essa experiência, como percebe os serviços ofertados numa repartição pública? O cidadão que vive a experiência no serviço privado ou público é o mesmo. Ele se impressiona ou se aborrece. E se questiona: “Por que a gente não pode pagar imposto da mesma forma (mais simples) que paga a Netflix ou tantos outros serviços mais modernos? Você pode usar um cartão de crédito, por exemplo. E basta informar uma vez.”. Por que essas experiências são tão diferentes?

Segundo Monteiro, a confiança que o cidadão tem no governo se dá pela experiência com os serviços públicos. Transformar o serviço público, de forma digital, mais simples e mais eficiente gera não só reconhecimento, mas também capital político. A cada 1% que o governo se torna digital, o PIB cresce mais 0,5%. Isso muda também a economia do município, do estado e do país.

“Oferecer serviços digitais economiza esforço de deslocamento, filas, o equivalente a 1 dia útil de toda a grande São Paulo. É como se o governo “devolvesse” ao cidadão 1 dia de lazer, para ele ficar com a família”, destacou Monteiro.

Para fazer a transformação digital no governo, é fundamental ter visão clara, equipe integrada, plataformas compartilhadas, com entregas constantes como estratégia. Sem entregas, nenhuma estratégia se sustenta.

O governo federal entregou, em 4 anos, 3 novos serviços digitais a cada 2 dias. Mais de 1 por dia corrido. Houve divulgação e como retorno reconhecimento e incentivo para a equipe perceber que seu trabalho fez diferença.

Palestra do Luís Felipe Monteiro sobre governo digital

O projeto gov.br tinha 4 entregas muito claras desde o início: (1) lançar uma identidade digital (gov.br) para entrar em todos os serviços; (2) unificar os canais digitais do governo (mais de 1.500 sites só no gov.br). Serviço público que não é encontrado na internet não pode ser acessado. É fundamental (3) organizar a experiência de busca nos canais digitais do governo. E a última entrega, (4) agilizar o registro de empresas.

O gov.br então é uma plataforma única, que integra todos os objetivos. No início ninguém sabia o que era. Hoje todos (cidadãos) usam. Foi necessário trabalhar muito a comunicação para que as pessoas entendessem e usassem o gov.br.

A equipe integrada inicialmente era formada por servidores públicos focados nas entregas ágeis, com foco em resultados, com metas e indicadores.

O gov.br se tornou uma grande plataforma. Esse também foi o nome do programa, da estratégia. E se tornou um produto — que os cidadãos usam. E mais que isso: se tornou uma comunidade formada por governo federal, estados, municípios, tribunais de contas e câmaras legislativas. Vários se conectaram à rede gov.br, comunidade que evolui dia após dia.

Luís Felipe destacou ainda a rede gov.br que interliga estados, municípios e os três poderes (executivo, legislativo e judiciário) para compartilhar tecnologias, métodos e acelerar a transformação digital de todos.

Mais de 4.700 serviços foram publicados. 90% deles estão disponíveis digitalmente aos cidadãos. Um(a) aposentado(a) do INSS não precisa mais ir até uma agência bancária para fazer a “prova de vida”. Está disponível como serviço digital. Felipe ainda relata que houve redução do tempo médio de abertura de empresas de 5 dias para 23 horas.

E ainda: toda a transformação digital foi feita com o mesmo orçamento. O segredo: foco. Houve redução de custos. Gastos de atendimento em agências deixaram de ser feitos, por exemplo. Segundo o Banco Mundial, em 2022 o Brasil se tornou o segundo país com mais maturidade em governo digital no mundo. A Coreia do Sul levou o primeiro lugar nesse ranking.

Ele lembrou ainda que “tecnologia é muito bom, governo digital é ótimo, o cidadão agradece, aplaude, reforça o voto na eleição, mas às vezes dá errado.” E exibiu o vídeo de um comercial de casa inteligente para ilustrar. “Às vezes, dá errado. Use tecnologia, faça serviços digitais, mas seja simples”. “Não se apaixone pelas soluções. Se apaixone por resolver problemas, com foco no usuário/cidadão. Vá pra rua. Saia do castelo”, concluiu Monteiro.

Houve ainda painéis e palestras sobre gestão, propósito; futuro das cidades, CHICS (Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis); educação; segurança nas escolas; gestão inovadora, metodologias ágeis, experiência do usuário/cidadão, marketing de experiência; ética; inovação aberta; empreendedorismo; tecnologia espacial; inteligência artificial e muito mais. E pra fechar com chave de ouro, Oscar Schmidt falou sobre sonho, treino, obstinação, time e paixão. E emocionou a todos com sua história de vida.

Essa foi uma pequena amostra da intensidade desses 3 dias de evento. Um banho de informação, conhecimento, troca, experiência, produtos, soluções, networking, aconselhamento, mentoria. “O evento Prefeitos do Futuro foi pensado para impactar a vida de uma prefeita, de um prefeito, dos servidores municipais, gerar riqueza, prestar serviços mais eficientes, e, essencialmente, melhorar, de forma exponencial, a qualidade de vida dos cidadãos.”, revela Sol Brasil.

Ninguém sai como entrou. Segundo Peter Drucker, “Mais arriscado que mudar é continuar fazendo a mesma coisa”.

Então, VAMOS FAZER DIFERENTE!

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