Inovar por conta própria ou contratar a inovação?

Frederico Campos
LABHacker
Published in
7 min readNov 16, 2023

Parece um dilema, mas as duas formas de introduzir a inovação nas empresas e instituições públicas são escolhas complementares que, para darem certo, vão depender de tecnologia, expertise e os cuidados que antecedem o processo de implementação de diversos serviços e processos de trabalho.

Imagem de creativeart no Freepik

A era da tecnologia da informação teve seu início em meados do século passado. Computadores de grande porte, microprocessadores, computadores pessoais, internet, smartphones, web 1.0, web 2.0, redes sociais; várias novidades surgiram rapidamente, atravessaram fronteiras e hoje podem ser acessadas em quase todos os cantos do planeta. Uma era que não para de inovar e que se reinventa ano a ano. Quando achamos que uma nova tecnologia vai emplacar, que será definitiva, vem outra ainda mais nova para nos surpreender. Um exemplo recente é o Metaverso, com suas realidades virtuais e aumentada, tokens, parecia que todos nós iríamos entrar e viver no mundo virtual. De repente, veio o ChatGPT e cia. para acabar com a festa do Metaverso, ou pelo menos adiar para, quem sabe, fazer parte e comandar a grande festa. A web 3.0, a “internet de tudo”, já está de olho nesse jogo e aguarda para entrar.

A velocidade das mudanças é tão intensa que desafia o planejamento de instituições públicas e privadas, que dependem da tecnologia para fazer negócios e oferecer serviços aos cidadãos. O diagnóstico errado, além causar prejuízos, pode inviabilizar o funcionamento e o futuro de empresas e instituições. O que fazer para tomar a decisão certa ou errar menos? Contratar soluções tecnológicas pode minimizar os danos? O Brasil já conta com um instrumento promissor para ajudar a enfrentar tantos desafios: o marco legal das startups.

Startups no Brasil e no setor público

De acordo com mapeamento realizado pela Associação Brasileira de startups (ABSTARTUPS) em 2022, cerca de 3,3% delas atuavam na área governamental (Business to Government — B2G), algo em torno de 460 startups. Outro estudo realizado, em 2020, pelo BrazilLab e o Banco de Desenvolvimento da América Latina — CAF, mapeou 80 startups GovTechs como as mais relevantes por venderem de maneira consistente para governos ou por atuarem em parceria com o setor público de forma recorrente.

O relatório pondera, ainda, que esse é um mercado subaproveitado: do total de startups existentes no Brasil, até 1.500 teriam potencial para atuação no mercado B2G, caso desejassem ofertar suas soluções tecnológicas para os governos.

Marco legal das startups

O marco legal das startups (Lei Complementar nº 182 de 2021) está em vigor há dois anos. Ele foi criado para aprimorar o empreendedorismo inovador, facilitar os investimentos nas startups e alavancar a modernização do ambiente de negócios entre o estado e o setor privado. A lei permite a criação de um sandbox regulatório, livre de incidências normativas, para o setor público testar e contratar soluções inovadoras. Outro importante instrumento previsto na lei é o Contrato Público de Solução Inovadora (CPSI), que permite ao gestor testar uma solução inovadora em ambiente real da administração antes de comprá-la.

Em nosso LabTalks — Marco Legal das Startups, conversamos com o procurador federal e membro da Advocacia-Geral da União — AGU, Bruno Monteiro Portela, e o coordenador do Laboratório de Políticas Públicas do Sebrae, Pedro Pessoa Mendes. Eles analisaram os avanços da lei e explicaram como funciona o CPSI, as oportunidades e os caminhos para quem deseja contratar uma startup por meio desse novo modelo.

Contrato Público de Solução Inovadora (CPSI)

Um dos principais avanços do marco legal das startups é que ele cria uma modalidade especial de licitação, que permite a contratação de startups pelo poder público para desenvolverem soluções inovadoras para problemas enfrentados por municípios, estados, Distrito Federal e União; e nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Nesse novo modelo de licitação, o poder público pode contratar soluções experimentais em caráter de teste por até 12 meses, prorrogáveis por mais 12 meses. Esses contratos são chamados de Contrato Público para Solução inovadora (CPSI) e têm teto de R$ 1,6 milhão. Caso as soluções sejam efetivas, elas podem ser adquiridas e implementadas pelo poder público por meio de um novo contrato com vigência de 24 meses, prorrogáveis pelo mesmo período, sem a necessidade de lançar um novo edital. O teto de gastos previsto para a solução contratada por 48 meses é de R$ 8 milhões.

Primeiro passo para inovar: conhecer o problema

O gestor pode testar e contratar mais de uma solução inovadora para o mesmo desafio, seja de uma pessoa jurídica ou física, desde que as soluções atendam aos interesses, expectativas e caibam no orçamento do órgão contratante. O teto de 1,6 milhão é por contrato. Se a administração pública quiser testar três soluções de diferentes fornecedores, por exemplo, cada um deles poderá receber o teto previsto pela lei. Mas, para o fornecimento e para escalonar a solução inovadora a outras áreas da administração pública, o contratante terá que escolher a melhor dentre as três que forem testadas. O contrato de fornecimento é feito de forma direta e não pode ultrapassar R$ 8 milhões.

Bruno Portela, um dos idealizadores do CPSI, destaca que o gestor não tem que entender de tecnologia: “o foco não está no preço, nas especificações técnicas, mas sim no problema que ele tem para resolver, nos resultados que ele espera que a solução contratada resolva”. O “investidor anjo estatal” paga pelo ambiente de testes, para que a startup possa dar escala à solução em desenvolvimento, seja tecnológica ou outra qualquer. Parte do pagamento pode ser antecipado para que as startups possam dar início ao desenvolvimento da solução. O marco legal das startups prevê cinco tipos de remuneração para os contratos de solução inovadora:

I — preço fixo;

II — preço fixo mais remuneração variável de incentivo;

III — reembolso de custos sem remuneração adicional;

IV — reembolso de custos mais remuneração variável de incentivo;

V — reembolso de custos mais remuneração fixa de incentivo.

Desafio de Inovação

Antes de publicar um edital para contratar uma startup, o gestor público pode promover um desafio de inovação para que startups possam conhecer as dores e problemas a serem solucionados por meio de um CPSI. A ENAP promoveu um encontro entre gestores de municípios e startups, chamado de Feira Reversa de Desafios Públicos, durante a semana de inovação realizada no início de novembro. Nessa feira, representantes de municípios e consórcios de municípios com mais de 200 mil habitantes apresentaram seus problemas às startups interessadas em desenvolver soluções inovadoras. Foram realizados 5 pitches com um público de 45 pessoas em média, a Feira Reversa atraiu startups e houve contatos entre elas e as equipes que apresentaram os desafios. A avaliação dos organizadores é de que a Feira foi efetiva em promover conexões entre as partes. A proposta de reunir startups e gestores públicos antes de se fazer um chamamento público pode ser o ponto crucial para o sucesso de um CPSI.

O chamamento público

O instrumento do CPSI é mais ágil, simplificado e transparente. Após a publicação do edital, as startups têm 30 dias para apresentarem suas propostas. O órgão público contratante pode formar uma comissão de especialistas para analisar as melhores propostas. O contratante faz a gestão de risco, o termo de referência descreve com direções flexíveis o que ele entende para soluções inovadoras e chama a(s) startup(s) interessada(s) para uma mesa de negociação. Bruno Portela recomenda que os órgãos de controle, entre eles procuradores municipais e federais, acompanhem todas as fases do processo, do chamamento público até a assinatura do CPSI.

Catalisa GOV

O Sebrae oferece uma consultoria de 400 horas para os órgãos públicos interessados em contratar uma solução inovadora. A consultoria dá apoio na identificação do problema público até a melhor forma de implementar a inovação. Pedro Pessoa acredita que instrumentos legais e atos normativos não são mais problemas para quem quer inovar; ferramentas e métodos para identificar e superar problemas, também não; os principais desafios são: potencializar o ecossistema das startups de impacto cívico — LegisTechs, GovTechs e JusTechs ; e trabalhar pela cultura da inovação junto ao gestor público, que historicamente tem aversão ao risco e tem o costume de comprar produtos e não o esforço em pesquisa e desenvolvimento. Pedro Pessoa acredita ainda que, em breve, os órgãos de controle irão perguntar ao gestor público por que a compra foi feita sem exigir um componente de inovação.

Investimentos em inovação e riscos

Como estimular o gestor público a investir com risco? Qual o percentual mínimo do orçamento recomendável para investimento de risco? Países desenvolvidos gastam de 3 a 4% do PIB para comprar inovação. No Brasil, não há uma legislação que delimite esse percentual. O estado brasileiro gastou R$ 1 trilhão em compras em 2021. Ele consegue gastar de 10 a 15% do PIB em custeios e investimentos. Segundo Bruno Portela, 98% das compras públicas no Brasil são feitas pelo menor preço e não pela escolha da melhor solução e “na maioria das vezes você compra algo que é inexequível, que não funciona”. Bruno Portela afirma ainda que existe a possibilidade de contratar o risco tecnológico. “Se não acontecer a entrega, a empresa presta contas do que entregou e o estado faz o acerto de contas. O gestor não é responsabilizado pelo fracasso”.

“Não é possível falar em inovação sem admitir o fracasso. O fracasso é inerente à inovação”. (Bruno Portela)

Instituições públicas já começaram a experimentar a contratação de soluções inovadoras por meio do CPSI. Entre elas, Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunal de Contas da União (TCU), Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) e Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ). Outras já lançaram desafios para dar início a esse novo instrumento de contrato entre o setor público e privado. Ainda é cedo para ter um diagnóstico, mas a corrida pela inovação começou.

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