LegisTechs, GovTechs e JusTechs

Startups se aproximam dos três poderes para criar aplicativos de olho no cidadão.

Frederico Campos
LABHacker
6 min readJun 16, 2021

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Não é novidade para ninguém que a tecnologia facilitou e aumentou o acesso dos cidadãos junto aos três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Quem nunca recebeu uma mensagem pelas redes sociais ou acessou informações nos portais da internet sobre as votações na Câmara, sobre um julgamento do STF, sobre um serviço lançado pelo governo?

As startups, vistas quase sempre como empresas inovadoras, eficientes e lucrativas, começam a vislumbrar um novo negócio: desenvolver tecnologia em parceria com os três poderes para oferecer melhores serviços aos cidadãos. As GovTechs, LegisTechs e JusTechs, expressões novas para muita gente, representam os ecossistemas tecnológicos dos três poderes da república.

Praça dos Três Poderes desenhada por Lúcio Costa

Congresso Nacional, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal. As sedes dos três poderes coexistem numa praça do eixo monumental em Brasília, capital planejada e desenhada pelo arquiteto e urbanista Lúcio Costa no final dos anos 50. Tão perto entre si e distantes da maioria da população brasileira. Era assim, num passado recente, quando a nova capital foi inaugurada no meio do Planalto Central. As notícias de Brasília só podiam ser vistas e acompanhadas pela televisão, rádio e jornais. Redes sociais? O mais próximo disso era o telefone e o telex. Mas, com as transformações tecnológicas das últimas décadas ela está cada vez mais acessível e conectada à sociedade. O cidadão pode acompanhar informações diretamente e instantaneamente de todos os poderes da república.

A Lei de Acesso à Informação, LAI, foi a grande responsável por impulsionar o acesso às informações em todas as esferas do poder público. Ela obriga os órgãos e entidades públicas a divulgar informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidos em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). As informações devem ser disponibilizadas em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina.

Num primeiro momento, para se adequarem à lei, executivo, legislativo e judiciário tiveram que investir em novas tecnologias de processamento de dados, armazenamento e desenvolver programas de acesso às informações pela internet. Os portais de cada um deles se tornaram poderosos repositórios e canais de informações de diversas naturezas: gastos com pessoal e compras, serviços prestados, decisões tomadas, notícias, entre outras.

Dados Abertos

Poucos meses antes de o LABHacker ser criado, em 2013, a Câmara dos Deputados promoveu um Hackathon com desenvolvedores e ativistas para estimular o uso dos dados abertos da Câmara. Eles se reuniram durante três dias em Brasília e desenvolveram alguns aplicativos para facilitar o acesso do cidadão às informações disponibilizadas pelo portal da Câmara. Esse encontro histórico pode ser considerado o precursor das LegisTechs no Brasil, ainda que de forma despretensiosa, e ajudou a Câmara a aprimorar o acesso aos dados abertos.

Hackathon realizado na Câmara dos Deputados em 2013
Hackathon realizado na Câmara dos Deputados em 2013

Dados abertos e equipe multidisciplinar. Duas peças imprescindíveis para o sucesso das startups que queiram desenvolver soluções tecnológicas para os três poderes e nas três esferas da federação (municípios, estados e união). Reunir e coordenar as expertises de agentes públicos, cidadãos, representantes de entidades civis organizadas, desenvolvedores, e dar a esse time condições de extrair os dados abertos para criar aplicativos de interesse público e, ainda, planejar, executar e consolidar um modelo de negócios sustentável ou rentável, talvez seja esse o maior desafio para as GovTechs, LegisTechs e JusTechs.

Ecossistemas

O poder executivo tem características próprias. Ele aplica as políticas públicas em diversas áreas: saúde, educação, transporte, cultura, segurança, entre outras. Conhecer as responsabilidades dos prefeitos, governadores e do presidente; o papel dos gestores em cada órgão público e de todos os atores envolvidos em cada serviço oferecido pelo poder executivo; é essencial para se idear e fornecer soluções tecnológicas com informações precisas ao cidadão. Saber quantas vacinas ou ambulâncias foram entregues a um município e para quem foi entregue e quem foi beneficiado, por exemplo, depende desse conhecimento. A gestão é feita por quem? Pela prefeitura, pelo governo estadual ou o federal? Quem faz o controle? O estado ou o município? Quanto custou e a quantos beneficiou?

Para serem bem-sucedidas, as GovTechs certamente terão que mapear todos os processos que geram, controlam e executam as políticas públicas. Nesse trajeto irão conhecer as tecnologias de cada órgão público. Por onde acessar os dados abertos, as APIs. Só assim poderão ter a segurança de que as informações entregues aos cidadãos estarão corretas. Daí a importância de haver uma parceria entre as startups e os órgãos públicos. Essa relação é chave para que o ecossistema funcione e gere produtos confiáveis e duradouros.

O raciocínio é o mesmo para o legislativo: Câmara, Senado, Assembleias estaduais e Câmaras municipais; e para o judiciário: STF, STJ, TRF, TJ. As atribuições e limites entre eles são de difícil compreensão para a maioria da população. O poder legislativo discute e aprova leis. Um processo de trabalho bem diferente do judiciário, que trabalha para garantir a lei; e do executivo, que aplica as politicas públicas definidas por leis.

As pontes para o sucesso das startups

O LABHacker é um laboratório de inovação da Câmara dos Deputados que trabalha para facilitar o acesso dos cidadãos às atividades da Câmara por meio de tecnologias ágeis. Um espaço aberto concebido para idear, desenvolver soluções e servir como hub entre a Câmara, entidades civis organizadas e cidadãos que atuam na promoção da cidadania, transparência e participação. Alguns projetos que nasceram no Lab já fazem parte da rotina de trabalho de muitos setores da Câmara.

Audiências Interativas

A ideia e desenvolvimento das audiências interativas, disponibilizadas por meio do e-democracia, tiveram origem no LABHacker. Mais de 13 mil cidadãos já participaram de eventos interativos e de audiências públicas nas comissões da Câmara.

Wikilegis

O Wikilegis é outra ferramenta de participação criada pelo LABHacker, também disponível pelo portal e-democracia. Por meio dela, o deputado publica uma proposta legislativa e convida o cidadão a opinar ou propor modificações ao texto.

Todos os projetos do LABHacker são discutidos com os stakeholders, gestores, desenvolvedores e o cidadão. A ideia de atuar como hub nasceu com o Hackathon. O Nós do Lab, planejamento colaborativo realizado em 2019, aplicou os mesmos princípios colaborativos. Representantes da sociedade, servidores, desenvolvedores, deputados, se reuniram durante uma semana no LABHacker para fazer críticas e apresentar sugestões para melhorar os canais de transparência e participação na Câmara. 23 propostas foram apresentadas pelos participantes. Seis delas viraram projetos que resultaram em protótipos desenvolvidos pelo LABHacker, após alguns meses de oficinas realizadas com metodologias ágeis (design sprint e design thinking).

As LegisTechs, GovTechs e JusTechs podem e devem direcionar seus radares para os laboratórios de inovação como o LABHacker. Há hoje no Brasil um pouco mais de 40 laboratórios de inovação no setor público (https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/5112), que trabalham com propósitos semelhantes, metodologias ágeis, além de possuírem o conhecimento das instituições onde atuam. A construção de pontes entre startups e os laboratórios de inovação será essencial para o sucesso desse novo negócio.

O LABHacker está aberto às parcerias. Recentemente, o LabTalks discutiu com empreendedores GovTechs e LegisTechs alguns projetos que ilustram bem o que pode ser feito com os dados abertos, os códigos abertos e a parceria entre o setor público e privado. Preparem-se! As startups chegaram de forma acelerada. Que venham melhores serviços para o cidadão. Ele merece!

Quer conhecer mais, assista:

Texto escrito por Frederico Schmidt, analista legislativo da Câmara dos Deputados e gestor do LABHacker.

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