Não é bonito ouvir o cidadão — é fundamental.
Já passava da seis horas da tarde e nada. Nenhum cliente havia se aproximado da barraca do velho Yan. E isso não era privilégio dele. Outros vendedores da praça também não tinham vendido nada o dia inteiro. A verdade é que o mercado de pedras preciosas tinha ficado difícil naquela vila. Principalmente depois que mais jazidas foram encontradas por ali. Com tantas pedras disponíveis, quase todo mundo resolveu montar uma barraca e vender esse abundante produto aos viajantes que passavam. Sem levar nenhum tostão para casa, Yan não conseguiu dormir. Como poderia alavancar seu negócio?
Resolveu investir na apresentação da mercadoria e passou a madrugada montando pequenas caixas de madeira para acondicionar as pedras. Ficou contente com o resultado e, assim que o dia amanheceu, correu para a praça com suas jóias e seus delicados estojos. Logo o primeiro cliente apareceu e ficou maravilhado com o que viu. Perguntou pelo preço, pagou e pediu para embrulhar. Só acrescentou um detalhe: queria que as pedras fossem retiradas. Pretendia comprar bombons e colocá-los no estojo para presentear a amada. Yan ficou irritado com aquele verdadeiro insulto e respondeu ao homem que, se quisesse, ele mesmo poderia se livrar das pedras em casa ou onde lhe aprouvesse.
Da barraca ao lado de Yan, seu irmão viu e ouviu tudo o que se passou. E não teve dúvidas: correu de volta para casa e, aplicando a mesma técnica que havia aprendido junto com seu irmão na infância, produziu dezenas de estojos de igual ou melhor qualidade e beleza. No dia seguinte, não havia pedras na sua barraca: somente pequenas caixas de madeira, disputadas por uma multidão de clientes. De lá, eles iam comprar bombons para preencher os estojos e presentear alguém. Só não compravam as joias de Yan, nem seus estojos lacrados com elas.
A fábula é chinesa e antiga, mas retrata uma realidade contemporânea e transcultural. Todos nós, independentemente da área em que atuamos, compartilhamos a sensação de estarmos constantemente sendo pressionados pela necessidade de melhorar o que fazemos — ou de melhorar no que fazemos. Em si, essa demanda por aperfeiçoamento não é ruim. Na verdade, é justamente ela que nos leva à inovação, por exemplo. Mas, às vezes, é preciso pensar porque queremos levar adiante esse esforço.
Um bom investimento no sentido da inovação geralmente vem acompanhado de uma profunda reflexão sobre o que nos motiva a aplicar recursos em determinado foco de desenvolvimento e não em outro. Simon Sinek fala sobre isso no seu livro “Comece pelo porquê”, demonstrando como as grandes empresas se diferenciam justamente por essa característica: elas sabem o que as motiva a fazer o que fazem.
Se você faz o que faz para você mesmo, não é difícil definir o seu foco de aperfeiçoamento. O seu parâmetro, nesse caso, seria o seu próprio nível de satisfação com o processo/resultado, o que faria com que o investimento se concentrasse em maximizar essa satisfação, muito bem conhecida por você. Agora, se a sua atuação é direcionada a outras pessoas e depende da satisfação delas, a questão fica um pouco mais complicada. Nesse segundo caso, é a opinião delas que importa. Com isso, o seu porquê, não está mais dentro de você, está lá fora.
Na fábula que abre esta nossa conversa, estão presentes essas duas perspectivas. Enquanto Yan acredita que é a opinião dele que deve prevalecer nas decisões sobre o produto que coloca à venda, o seu irmão admite que o ponto de vista do comprador é o que importa naquele ramo. Faz sentido, afinal é do cliente a decisão de comprar ou não a mercadoria. Por incrível que pareça, o mercado da inovação em governo não é muito diferente.
Alguns de nós encaramos a inovação como o Yan faz, como algo quase cosmético, útil para embalar as mesmas entregas que temos feito desde sempre. O problema dessa postura é o risco de irrelevância que ela carrega. É estratégico olhar ao redor de vez em quando, para ver se as nossas pedras ainda são preciosas. Talvez não sejam mais. E como podemos descobrir? Ouvindo o comprador.
No nosso caso, enquanto agentes públicos, a opinião que importa é a do cidadão. O que será que ele valoriza agora? Essa é a pergunta que deve orientar os investimentos em inovação governamental. Vivemos uma época de abundância, especialmente de informação, especialmente no mundo virtual. A única maneira de os órgãos públicos se manterem relevantes nesse contexto é por meio da prestação de serviços que atendam às necessidades e, principalmente, às expectativas dos cidadãos a que eles se destinam. Esforços que não gerem valor para esse público são simplesmente inúteis, cosméticos, desperdício. Por isso é tão importante ouvir as pessoas.
E, quando falamos em ouvir, a ideia que se pretende transmitir é a de uma escuta ativa, que gere transformações principalmente na maneira pela qual conduzimos o processo de inovação. Destrinchamos um pouco mais esse conceito na Semana da Inovação Pública, evento promovido no âmbito da XXVII Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, quando pudemos traçar um paralelo entre o conceito de representação circular, da cientista política Nádia Urbinati, e essa ideia de sintonia fina entre a administração pública e — imaginem só — o público. Aqui no LABHacker, tem ficado cada vez mais claro para nós que um estreito relacionamento com o cidadão é condição fundamental para chegarmos a um resultado que faça sentido para ele.
Para tanto, diversos devem ser os pontos de contato no processo, de modo a contemplar desde o momento de levantamento dos problemas, até os testes de protótipo, passando pela ideação das soluções. Com isso, torna-se possível o desenvolvimento de algo mais alinhado às necessidades do cidadão, que tende a valorizar o resultado final construído em conjunto com ele. Evita-se, assim, o indesejável efeito da irrelevância da inovação gerada.
De vez em quando, vale a pena dar uma olhada ao redor das nossas barracas no mercado. As pessoas estão vindo? Se não, por quê? Talvez cheguemos à conclusão de que é hora de perguntar se elas não preferem que a gente substitua as nossas pedras por bombons.
Texto de autoria do diretor do LABHacker, Walternor Brandão.