O papel pedagógico dos laboratórios de inovação
Às vezes o que fazemos tem um alcance maior do que imaginamos. Já parou para pensar que, enquanto trabalhamos focados em nossas tarefas, estamos ensinando outras pessoas sobre o que fazemos e como se relacionar conosco?
Desde que comecei a trabalhar no Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados, notei que cada ação que fazíamos, atraindo parceiros cidadãos em variados papéis (hacker ativistas, membros de startups, ou simplesmente curiosos), servia para romper os estereótipos consolidados na mente dessas pessoas sobre a instituição como um todo.
Antes que você pense que eu vou fazer um discurso sobre como os laboratórios de inovação fazem as instituições parecerem mais “descoladas” perante o público, aviso que não é nada disso: esses laboratórios geram, em tudo o que fazem, um efeito positivo de ensinar cidadãos a interagir com as instituições, a saber o que solicitar, o que não solicitar (afinal, uma instituição não deve invadir a competência de outra), que resultados esperar, e por aí vai.
Por que isso é importante? Porque as instituições públicas não são complexas apenas internamente. De um ponto de vista mais amplo, o quadro institucional de um país do tamanho do Brasil é inevitavelmente amplo e intricado. Leva-se anos para aprender a quem recorrer para cada demanda, pois os papéis das instituições no setor público são inúmeros, difíceis de entender, e não existe um mapa que conduza o cidadão até o guichê correto.
Para complicar, cada instituição carrega em si seus estereótipos. Os cidadãos já chegam desanimados, esperando serem mal atendidos, apresentarem sua demanda em um guichê de protocolo, receber um papel carimbado e esperar semanas por uma resposta. É verdade, muitas vezes é isso o que acontece mesmo. Mas os labs podem ser justamente a peça que faltava pra mudar essa realidade.
De um ponto de vista bastante pragmático, os laboratórios têm um papel bastante claro de aproximação com o cidadão, buscando transformar as instituições no sentido de implementar ferramentas baseadas em linguagem simples e experiência do usuário — isso, para citar um exemplo bastante óbvio. Mas o que nem sempre está detectável aos olhos é o papel de transformação cultural.
Durante o primeiro Hackathon que a Câmara dos Deputados realizou, em 2013, eu notei uma transformação no pensamento dos participantes. Vários de seus “pré-conceitos” estavam sendo derrubados, um a um. Eles estavam começando a entender como a instituição funcionava. Aprenderam que na Câmara eles poderiam buscar tudo o que precisassem sobre o processo legislativo federal, o orçamento federal, a atuação representativa e fiscalizatória dos deputados, etc. Aprenderam que existe uma separação entre as esferas (leis estaduais e municipais não são discutidas na Câmara dos Deputados), e que o papel da Câmara não se confunde com o papel do Poder Executivo nem com o do Poder Judiciário. Cada coisa tem seu lugar.
O mesmo tipo de aprendizado acontecia entre participantes de outros programas abertos à população em geral: estudantes, professores, pesquisadores, profissionais de diversas áreas visitavam o laboratório para participar de algum evento específico, por exemplo, para discutir o impacto de uma nova tecnologia na sociedade ou uma proposição legislativa que mudava regras de uso da internet, e acabavam compreendendo as regras de funcionamento da Casa legislativa.
Isso estabelece para os laboratórios de inovação uma grande responsabilidade: a de entender o funcionamento da instituição e saber comunicá-lo de forma simples, superando barreiras culturais que ora partem dos cidadãos, ora da própria instituição. Só se faz isso tomando a consciência de que a transformação cultural é inerente à inovação e sempre deve ser colocada sob foco dos trabalhos.
E aí, onde você trabalha, o laboratório de inovação é motor das transformações culturais? Quais mudanças você já observou?