O que já aprendemos sobre o uso do ChatGPT na Administração Pública?

Walternor Brandão
LABHacker
Published in
6 min readMay 4, 2023
Fonte: Freepik

“Comunicar-se bem é uma arte”. Você certamente já deve ter ouvido essa frase. Ela é atribuída a uma série de autores, desde Peter Drucker a Marshall McLuhan, passando até por Jean Cocteau. Talvez isso signifique que não importa a área em que se atue, a comunicação constitui elemento fundamental. Pelo menos na Administração Pública, essa é uma certeza.

Não à toa, os principais consultores e escritores sobre administração do século XX se debruçaram sobre o tema da comunicação. Drucker, por exemplo, escreveu mais de 30 livros sobre gestão e em todos eles menciona o papel estratégico da comunicação na administração moderna.

Já no século XXI, essa discussão parece migrar da abordagem teórica dos livros e manuais para receber uma atenção cada vez mais prática, especialmente em tempo de Inteligência Artificial (IA). Pode-se argumentar que a IA é meramente mais um instrumento nesse cenário, mas McLuhan dizia que a comunicação é uma arte em que o meio é tão importante quanto a mensagem.

As ferramentas utilizadas para promover uma comunicação pública eficiente nunca foram tão discutidas como nos últimos anos, quando muito se falou em websites e redes sociais. Mas, em tempos de chatbots e inteligências conversacionais, a conversa é outra. Será que as novas tecnologias são a bala de prata para finalmente se resolver a interação entre a administração pública e os cidadãos?

Em outras palavras, se a comunicação é mesmo uma arte, então, assim como um pintor precisa de uma paleta de cores variadas, o governo também precisa de ferramentas eficientes que o auxiliem a se comunicar com seus cidadãos. Nesse sentido, as inteligências artificiais podem ser as tintas que faltavam na paleta do governo?

O ChatGPT é uma dessas IAs que vem se destacando no cenário mundial. Ele é capaz de responder perguntas, fornecer informações e até mesmo escrever textos em diversos idiomas. Mas como ele pode contribuir para a eficiência da comunicação pública?

Uma das principais aplicações do ChatGPT na comunicação pública talvez seja no atendimento ao público. Imagine que você precisa de uma informação urgente sobre um serviço, mas não sabe onde procurar. Com o ChatGPT incorporado na estratégia de comunicação, bastaria acessar o site do órgão público e fazer sua pergunta. A ferramenta iria entender o contexto da sua dúvida e fornecer a resposta mais precisa e clara possível.

Foi isso o que fez o pessoal da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), que começou a usar o ChatGPT para auxiliar no atendimento a seus usuários, experiência que você pode conferir na conversa que tivemos com a Amanda Pereira e o Lucas Ornelas, no nosso LABTalks de número 55:

LabTalks 55 · O uso do ChatGPT em políticas públicas

Além dessa aplicação no atendimento conversacional diretamente com os cidadãos, o ChatGPT também poderia auxiliar na simplificação da linguagem utilizada pelos órgãos públicos em suas mais diversas ações de comunicação. Linguagem, mais do que um conceito abstrato, como um conjunto de técnicas de comunicação que tem como objetivo tornar a informação do governo mais acessível aos cidadãos comuns.

Embora existam iniciativas de muitos órgãos públicos no sentido da aplicação da Linguagem Simples, sabemos das dificuldades culturais e burocráticas em aplicar essa técnica. Com o ChatGPT, esses obstáculos poderiam ser contornados ao se treinar a IA para produzir os textos já em Linguagem Simples, facilitando a comunicação entre governo e cidadãos em larga escala e menor tempo.

Já temos boas experiências no serviço público de uso do ChatGPT para simplificar a comunicação com os cidadãos, como as iniciativas do Laboratório de Inovação da Prefeitura de Niterói/RJ (LabNit) e do Judiciário. No nosso LABTalks de número 56, conversamos sobre essas ações com a procuradora federal Cristiane Rodrigues Iwakura, que é professora e pesquisadora em processo e tecnologia, legal design e inovação, e com o Luiz Otavio Monteiro Junior, coordenador do LabNit. No link abaixo você pode conferir a íntegra do debate.

LabTalks 56 · ChatGPT e linguagem simples: como a IA pode ajudar na comunicação pública

Mas não é só de facilidades que vive a comunicação pública com IA. Existem, sim, desafios a serem superados para que essa tecnologia possa ser aplicada de forma efetiva. Um dos maiores desafios é a confiabilidade. Como garantir que as respostas fornecidas pelo ChatGPT sejam precisas e confiáveis? Afinal, na interação com o cidadão, a Administração Pública obviamente deve primar pela exatidão das informações prestadas.

Para solucionar esse problema, é necessário treinar o ChatGPT com uma grande quantidade de dados confiáveis e atualizados. Além disso, é importante ter um sistema de verificação de qualidade que possa avaliar as respostas fornecidas pelo ChatGPT e corrigir possíveis erros.

Outro desafio é a barreira linguística. Embora o ChatGPT seja capaz de responder perguntas em vários idiomas, ainda existem limitações em relação às variações regionais de cada língua. Por exemplo, o português falado no Brasil difere em alguns aspectos nas diversas regiões do país. É importante, portanto, treinar o ChatGPT com dados específicos de cada região para que ele possa entender e responder adequadamente às variações linguísticas.

Além disso, é preciso ter em mente que as IAs não vieram para substituir completamente a interação humana. A comunicação é uma atividade social que envolve emoções, empatia e outras nuances que ainda são difíceis de serem reproduzidas por IAs. É importante que tecnologias como o ChatGPT sejam usadas como um complemento à interação humana, e não como um substituto.

Por fim, podemos dizer que as IAs não são uma solução mágica para todos os problemas da comunicação pública. Respondendo à provocação inicial deste texto, não, o ChatGPT não é uma bala de prata para resolver os dilemas da interação do Estado com a sociedade. As IAs são apenas mais uma cor na paleta daqueles que querem se desenvolver na arte de comunicar bem. Elas são, sim, uma poderosa ferramenta para os governos se comunicarem melhor, mas devem ser usadas de forma consciente e estratégica.

Não é, portanto, momento de a Administração Pública alucinar — uma característica do ChatGPT que o faz criar respostas surreais às perguntas para as quais não encontra solução. Gestores interessados em aplicar IA na comunicação pública precisam, em primeiro lugar, promover uma análise cuidadosa dos benefícios e riscos de se utilizar essa tecnologia em seus serviços. O primeiro passo talvez seja avaliar se há — e quais são — as necessidades e demandas dos cidadãos que as IAs poderiam ajudar a atender de forma mais eficiente.

Além disso, é fundamental que os gestores também garantam a transparência e a ética no uso das IAs. Isso significa, por exemplo, que é necessário deixar claro aos cidadãos quando eles estão interagindo com uma IA e como os seus dados pessoais serão utilizados. Isso é importante para que os cidadãos tenham confiança no sistema e na forma como ele está sendo utilizado, o que vai, inevitavelmente, influenciar diretamente a confiança que eles têm no próprio Governo.

Bom, esse é um resumo do que aprendemos até aqui sobre como as IAs podem contribuir para a interação dos órgãos públicos com a sociedade. É notório que as novas tecnologias, como o ChatGPT, têm um grande potencial para contribuir para a comunicação pública de forma mais eficiente e acessível.

No entanto, é necessário ter em perspectiva os importantes desafios que essa abordagem traz, afastando-se a ideia de que a atuação humana passaria a ser dispensável. Pelo contrário: é a atuação dos servidores públicos que viabilizará que as IAs sejam utilizadas de forma consciente e estratégica, garantindo, por exemplo, a transparência e ética no uso.

Ressaltamos aqui o nosso agradecimento aos colegas que participaram dos dois LABTalks mencionados, contribuindo com suas experiências e aprendizados. Como dizia Jean Cocteau, não sabendo que era impossível, eles foram lá e fizeram. E, com isso, eles inspiraram não só a nós aqui do LABHacker, mas certamente a muitos dos que tiveram e ainda estão tendo acesso aos debates. Quem sabe não tem muita coisa boa vindo por aí, inclusive aqui, na Câmara dos Deputados? Aguardemos as próximas obras de arte.

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