Quando a conversa flui bem: a qualidade do debate político
Já não é novidade se falar em polarização política no Brasil. Porém, a pergunta que merece ser feita é: o que nós fazemos com isso?
Não há dúvida de que conversar sobre questões políticas se tornou um exercício ao mesmo tempo penoso e inevitável aos brasileiros. Atualmente, todo mundo consegue expressar sua opinião política nas mídias sociais, mas também sabe que se expor nas mídias sociais se assemelha a entrar em uma zona de guerra. Todo mundo fala, ninguém escuta. A chance de uma frase mal colocada se tornar um gatilho para múltiplas agressões é enorme. Isso sem mencionar o uso ostensivo de fake news e a enorme energia despendida em desmenti-las.
Quem sofre com esse “tiroteio em meio de cegos” é a qualidade do debate. A discussão política somente tem efeito positivo para a sociedade se ela tiver uma finalidade programática, se ela visar a prosperidade geral da nação. Não precisamos ir muito longe para entender o que é isso. Basta ler o preâmbulo da Constituição Federal de 1988, onde uma visão de país foi estabelecida como sendo um…
(…) Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (…)
Uma conversa é programática quando ela se encaixa numa visão de país que propusemos a nós mesmos como nação, no documento que nos CONSTITUI (não é por acaso que a Constituição tem esse nome, certo?). E disso que se trata quando buscamos superar as diferenças e debater o que queremos para o nosso futuro e dos nossos descendentes.
Quando observo as conversas em mídias sociais, noto que estamos em uma encruzilhada. Dois caminhos são possíveis. Para um lado, caminhamos para o acirramento dos embates, para o entrincheiramento das posições políticas antagônicas e até para uma escalada de agressões entre cidadãos. Nos últimos anos, parece ter sido o caminho preferido. Para o outro lado, caminharíamos rumo à construção de entendimentos, mas para isso é preciso “baixar a guarda” e realmente olhar para o objetivo comum a ser alcançado.
Mas “baixar a guarda” não basta. Há um longo caminho a ser percorrido para superar a desconfiança que se instaurou na população, a ponto de se observarem rupturas sérias em grupos de amigos ou mesmo em famílias. Restabelecer a confiança leva tempo.
É muito positivo que o debate político tenha ganho as ruas, mas chegou a hora de amadurecer. Não adianta o debate se limitar a pacotes ideológicos predefinidos. Se pensarmos em termos de missão institucional de um parlamento como a Câmara dos Deputados, a imaturidade do debate tem um preço elevadíssimo. A energia gasta com discussões frívolas é a pior forma de trancamento de pauta. Perde o parlamento, perde a sociedade.
Logo, não há como se estabelece um debate programático sem endereçar, de forma assertiva, o enfrentamento das fake news. A linha de base para o debate programático surtir efeito positivo para o país é a fundamentação dos argumentos em fatos.
Já se consolida na literatura das ciências sociais o entendimento de que o compartilhamento de fake news se dá de forma intencional, ou seja, a pessoa que compartilha uma mentira não o faz de forma ingênua. Mas, afinal, por que alguém compartilharia uma mentira?
Há dois tipos de objetivo que costumam se esconder por traz de um compartilhamento mal-intencionado. Primeiro, há o objetivo de tumultuar o debate. Neste caso, ao apresentar uma notícia falsa, o emissor da mensagem quer se beneficiar da perturbação do diálogo e, justamente, impedir que se estabeleça uma pauta programática.
Mas, ainda assim, por que uma pessoa teria interesse em obstar a pauta programática? É aí que se revela o segundo objetivo. Cada mensagem de fake news está veiculando algo a mais do que a própria mensagem. Esse algo a mais é uma intenção que não pode ser admitida em público, porque seria “feio”, seria socialmente reprovável admiti-la. Mas a intenção está lá.
E onde isso vai parar?
O ponto final dessa conversa é a aprendizagem que temos que atravessar, como nação, do quanto estamos perdendo com as fake news. A energia gasta para se desmentir um post falso nas mídias sociais já é enorme; imagine então o peso de uma decisão governamental assentada em informações falsas.
Não há dúvida de que qualquer inovação envolvendo participação popular nos parlamentos deve ter como propósito a construção de debates programáticos, orientando os cidadãos a construírem acordos mesmo onde há divergências. Superar a era das fake news levará tempo, mas somente assim poderemos trilhar o caminho do entendimento.
Texto escrito pelo hacker Thiago Carneiro.