TCCs 2022

É diferente a solidão na cidade e no campo? Viajamos mil quilômetros para saber

Fotografias em São Paulo, a maior cidade do Brasil, e num pequeno município do Centro-Oeste revelam isolamento, melancolia e serenidade

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Henrique Moreira

Solidão (substantivo feminino)
1.Estado de quem se acha ou se sente desacompanhado ou só; isolamento.
2. Caráter dos locais ermos, solitários. (Oxford Language)

O que leva alguém a sofrer de solidão? Faz diferença o cenário onde se está? Há semelhança entre solidão na cidade e no campo? Para responder a essas questões, o LabJor FAAP foi atrás de teóricos que já falaram sobre o assunto, entrevistou uma especialista e assumiu um desafio: circular por São Paulo — a maior cidade brasileira, com 11 milhões de habitantes — e por Anastácio, um pequeno município no interior do Mato Grosso do Sul com apenas 25 mil habitantes. Entre eles, 1.116 quilômetros de distância.

Tanto a solidão urbana quanto a solidão rural são complexas. Como o próprio significado da palavra evidencia, existe uma distinção entre pessoas que são solitárias e pessoas que se encontram em lugares remotos. Apesar de também ser possível ocorrerem os dois casos ao mesmo tempo.

Para a psiquiatra Isabelle Chamas, cada cotidiano gera um tipo de solidão. “Por mais que uma pessoa que vive em uma metrópole esteja rodeada de pessoas a todo momento, na maioria das vezes ela pode ser solitária”, explica. “Às vezes ela tem uma rotina muito maçante e muito específica, pode não estar vivendo com pessoas que lhe trazem qualidade de vida e isso pode gerar um sentimento de solidão. Já a pessoa do campo tem essa solidão justamente porque ela tem todos os recursos no próprio terreno digamos assim. E ela não tem esse convívio de estar em sociedade e às vezes trabalhar em uma grande empresa com outras pessoas.”

O sociólogo alemão Georg Simmel (1858–1918) passou anos estudando os efeitos da urbanização no ser humano. Em suas conclusões fica evidente que o homem do campo e o homem da cidade são extremamente diferentes e, apesar de parecer clichê, sim, o local onde o ser humano vive o transforma de alguma maneira.

“A divergência mais abrangente e profunda entre indivíduo e sociedade não me parece estar ligada a um só tema de interesse, e sim à forma geral da vida individual. A sociedade quer ser uma totalidade e uma unidade orgânica, de maneira que cada um de seus indivíduos seja apenas um membro dela; a sociedade demanda que o indivíduo empregue todas as suas forças a serviço da função especial que ele deve exercer como seu integrante; desse modo, ele também se transforma até se tornar o veículo mais apropriado para essa função”, escreveu Simmel. “Não há dúvida de que o impulso de unidade e totalidade que é característico do indivíduo se rebela contra esse papel. Ele quer ser pleno em si mesmo, e não somente ajudar a sociedade a se tornar plena; ele quer desenvolver a totalidade de suas capacidades, sem levar em consideração qualquer adiamento exigido pelo interesse da sociedade. A contraposição entre o todo — que exige de seus elementos a unilateralidade das funções parciais — e a parte — que pretende ser ela mesma um todo — não se resolve a princípio: não se constrói uma casa a partir das casas, e sim a partir de pedras especialmente formadas; nenhuma árvore cresce a partir de árvores, e sim a partir de células diferentes.”

E como essas diferenças se revelam na prática? Para descobrir isso, o LabJor FAAP acompanhou o dia de um taxista em São Paulo, uma das profissões comumente retratadas como solitárias. No filme Taxi Driver de Martin Scorcese, por exemplo, o protagonista vivido por Robert de Niro sofre de insônia e circula de madrugada pelas ruas de Nova York.

Em São Paulo, a corrida com o taxista José Adailton Caetano de Araújo, de 45 anos, ocorreu numa manhã de novembro, num domingo. Buscando enxergar através de sua experiência para ter uma nova visão de São Paulo, percorremos algumas regiões da cidade onde ele costuma trabalhar. Começamos pelo centro da cidade, passamos pela Avenida Paulista, fomos até o Parque do Ibirapuera e finalizamos a corrida na Rua Oscar Freire, nos Jardins. Cada um desses locais trazia memórias e diferentes experiências — algumas esquecidas no tempo, mas que ressurgiram durante a viagem.

Tirar as fotos gerou uma inusitada sensação de intrusão, de entrar na vida daquelas pessoas mesmo que por pouco tempo. Inclusive, a característica mais marcante dessas fotografias não foi a de algumas delas captarem a solidão urbana, mas sim de terem sido captadas o tempo inteiro de dentro do táxi. A corrida continuou em direção a Higienópolis e novamente para o centro de São Paulo, que estava muito cheio naquele dia. Nesse momento, já no fim da viagem, Adailton fez uma revelação muito interessante sobre a natureza de seu trabalho:

“O trabalho do taxista desafia a opinião concebida de que não se pode estar só, estando em uma grande cidade com muitas pessoas diariamente”, disse.

O taxista José Adailton Caetano de Araújo (à esq.) e cenas fragradas durante a corrida de táxi em São Paulo. Fotos: Henrique Junqueira

Dias depois, viajamos até o Centro-Oeste do Brasil e encontramos no município sul-matogrossense de Anastácio um cenário completamente diferente do paulistano. Mais calmo, silencioso e com bem menos pessoas.

Escrito pelo escritor americano Henry David Thoreau, Walden ou a vida nos bosques foi um dos livros que melhor descreveram a sensação do que é viver no campo. Festejada pela cultura hippie, a obra tem um dos capítulos denominado Solidão. Nele, Thoreau fala sobre a vida no campo e a solitude que advém dela. Em um momento, o autor descreve o sentimento de melancolia, ou melhor, a falta desse sentimento no campo:

“Ainda assim, por vezes percebi que a companhia mais doce e terna, a mais inocente e encorajadora, pode ser encontrada em qualquer objeto natural, mesmo para o homem mais misantropo e melancólico. Não pode existir melancolia tão profunda para quem vive no meio da natureza e ainda dispõe de seus sentidos. Nunca houve uma tempestade, mas era música eólica para um ouvido saudável e inocente. Nada pode impelir um homem simples e corajoso à tristeza vulgar. Enquanto desfrutar da amizade das estações, creio que nada fará da vida um fardo para mim. A chuva gentil que rega meus feijões e me mantém em casa hoje não é triste e melancólica, mas boa para mim também”.

Fotos da Fazenda Cachoeira, em Anastácio, Mato Grosso do Sul. Fotos: Henrique Junqueira

A experiência fotografando pessoas na Fazenda Cachoeira, em Anástácio, proprocionou de certa maneira essa sensação. Ali as pessoas estavam isoladas e não diretamente influenciadas pela cultura moderna. E mesmo o cheiro e o som do campo eram diferentes dos da cidade. As horas parecem passar mais devagar e existia uma quietude naquele local. Quietude à qual muitos poderiam associar à solidão do campo. Mas uma solidão serena, não melancólica. Sim, a solidão no campo e a solidão na cidade são diferentes, porém não necessariamente opostas.

Cachorro circula pela Fazenda Cachoeira, no Mato Grosso do Sul. Foto: Henrique Junqueira

*Esta crônica fotográfica foi feita a partir do trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da FAAP de Henrique Moreira. Intitulado ‘Solidão Urbana’, foi orientado pelo Prof. Dr. Ary Diesendruck e pelo Prof. Carlos Gomes.

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