A Rússia no circuito capitalista da moda

LabJor
LabJor
Published in
7 min readAug 6, 2018

Tradição e contemporaneidade se misturam na moda russa profissional. E, apesar das realidades distintas, existem semelhanças na moda brasileira.

Por Laís Requena e Natalia Pupo

Entre tantas idiossincrasias da Rússia, uma delas é o fato da sua semana de moda ser totalmente patrocinada pela marca automotiva Mercedes-Benz, símbolo do capitalismo e do mercado de luxo.

Com o conjunto de medidas chamadas glasnost e a perestroika — palavras que significam “transparência” e “reestruturação”, respectivamente, e implantadas pelo presidente Mikhail Gorbachev nos idos dos anos 80 — a Rússia começou um processo de abertura da política e da economia que, desde lá, vem mudando sua realidade. E, nesse sentido, a semana de moda russa é um forte exemplo que comprova esta transição.

A abreviatura do evento é MBFW, assim como em São Paulo (SPFW), Nova York (NYFW), Paris (PFW) e Londres (LFW) possuem suas próprias denominações. Segundo a plataforma oficial do MBFW, a Mercedes-Benz Fashion Week Russia — fundada por Alexander Shumsky — opera no país desde 1999 e já compõe mais de trinta temporadas. O evento é organizado pela agência Artefact e nos últimos anos está sendo realizado na Central Manezh, centro de convenções localizado na cidade de Moscou.

Desde sua criação, o maior evento de moda da Europa Oriental recebe mais de 400 designers e marcas desfilando em suas passarelas, entre os quais se destacam os principais nomes da moda russa como: Slava Zaitsev, Alena Akhmadullina, Dasha Gauser, Viva Vox, Júlia Dalakian, Julia Nikolaeva, Laroom, Pirosmani de Jenya Malygina, entre outros.

Os designers estrangeiros, compradores e meios de comunicação de massa também se incluem na Fashion Week. Amostras musicais, artísticas e gastronômicas contrastam-se com a exibição de modelos, looks e estilistas nas passarelas, que em conjunto tornam esta semana tão especial e inovadora.

Além disso, o evento carrega consigo o objetivo de reunir o trabalho criativo dos designers e dos grandes fabricantes nacionais, envolvendo-os nas principais semanas internacionais de moda, feiras e outros eventos importantes.

A próxima Mercedes-Benz Fashion Week Russia acontecerá dos dias 13 a 17 de Outubro de 2018. Você pode conferir mais informações no site:

http://mercedesbenzfashionweek.ru/en/

Vídeo oficial da semana de moda na Rússia.

A moda russa e sua evolução

“A moda russa mudou bastante desde antes da Revolução Russa até o período comunista. E acredito que esse país ainda tenha muito a nos mostrar sobre sua moda.” — Silvia Rogar, atual diretora-chefe de redação da Revista Vogue Brasil.

De acordo com João Braga — ocupante da cadeira de número 39 da Academia Brasileira de Moda — até o início da Revolução Bolchevique no ano de 1917, a moda na Rússia se baseava tanto na moda europeia ocidental (em especial a francesa e alemã) como na moda asiática.

O período marcado pela moda antes da Revolução de 1917 foi chamado de Belle Epoque, destacado pela Renascença Russa, influenciada por países do ocidente europeu, devido a parcerias de guerra. A influência oriental surge, portanto, da ânsia pelo poder que consumia o Czar Nicolau II — imperador russo da época — levando ao parcial domínio do continente e gerando assim o contato entre as regiões.

Annie Sprat (Unsplash).

A Belle Epoque ocorreu entre 1871 a 1914, período no qual as grandes potências europeias não entraram em guerra entre si e a burguesia viveu sua época de maior prestígio, graças à expansão do capitalismo imperialista e à exploração imposta ao proletariado.

A Renascença Russa ou “Idade de Prata” é o período no qual a literatura, dramaturgia, filosofia, pintura e outras artes e ciências tiveram uma grande ascensão. O desenvolvimento dessas áreas era observado principalmente nas festas dos palácios.

Dessa maneira, é perceptível no livro Nicolau e Alexandra (de Robert K. Massie e Angela Lobo de Andrade) a abordagem das influências nas vestimentas das mulheres russas daquela época. O uso de chapéus ornamentados e volumosos, assim como os vestidos e jóias opulentas compunham o visual da vestimenta feminina na Rússia.

Após a Revolução Bolchevique, os “líderes” da Rússia foram constituídos por Lenin e Stalin. Nessa época, o comunismo se fazia presente na sociedade russa e a prioridade era servir ao estado. Tal realidade refletia-se na moda.

Segundo João Braga, “as vestimentas dos camponeses tinham a função de portar ferramentas necessárias ao trabalho, e por consequência eram demasiado largas e compostas por diversos bolsos. Ele complementa dizendo que “em geral as roupas serviam para a sobrevivência, ou seja, para se proteger do frio e garantir alimento”.

A ocidentalização da moda russa

“Com o fim do comunismo as coisas mudaram consideravelmente não só na moda, mas no sistema capitalista em geral. Passa a existir uma ocidentalização muito grande na Rússia, e creio que na moda também.”, diz o especialista.

Com a queda do muro de Berlim representando o fim do comunismo houve uma tentativa muito grande de ocidentalização na Rússia. Marcas europeias, em especial francesas e italianas, passaram a se infiltrar no país e a referência da moda para mulher russa se fortaleceu em Paris. A alta-costura, patente registrada dos franceses, começou então a fazer parte do dia a dia russo.

A ocidentalização da Rússia vem ocorrendo progressivamente, de forma que os russos valorizam muito o caráter europeu, evidenciado fortemente em seu país desde a arquitetura até suas semanas de moda. Este caráter se faz presente através do modo como as russas combinam as peças, semelhantemente às francesas, que usam as cores e formas de acordo com suas melhores combinações.

As russas são adeptas à mistura dos diferentes estilos de maneira criativa. Os xales, sapatilhas, suéteres, botas, estampas robustas, bordados, assim como a alta-costura fazem parte do guarda-roupa das russas. No entanto, o caráter opulento — presente principalmente nas joias — se origina da ornamentação oriental que também está vigorosamente presente no país.

Fancycrave (Unsplash).

Exuberância e tradição

“Para mim, moda russa é sinônimo de exuberância”, diz Camila Garcia, redatora-chefe da Vogue Brasil.

A exuberância da moda russa é perceptível com nitidez quando se trata de trajes folclóricos e joias. A indumentária folclórica russa, assim como a brasileira, tenta manter a tradição de seu passado. Desta forma, os trajes típicos são evidenciados em sua realidade através de festividades locais e nos clássicos ballets nacionais, revitalizando a tradição.

A herança bizantina preza a ornamentação. Os patriarcas da Igreja Católica ortodoxa — religião mais influente do país— são altamente opulentos. A presença de enormes crucifixos de ouro, joias e roupas requintadas que compõem o traje destes líderes confirmam a forte influência oriental.

No entanto, as indumentárias folclóricas variam de acordo com a região, assim como ocorre no Brasil. O gigantismo territorial russo provoca a existência de variados trajes típicos, servindo para as mais diversas finalidades — como danças, cultos religiosos e manifestações artísticas.

A retomada desta influência oriental se faz em virtude da identificação de ordem nacional. Dessa forma, o patriotismo russo, assim como no Brasil, se encarrega de manter a tradição.

Jazmin Quaynor (Unsplash).

Existe uma diferença entre indumentária e moda. Enquanto a indumentária é tudo aquilo que colocamos sobre o corpo, seja roupa de celebração, traje esportivo, traje folclórico… Moda é aquilo que muda com uma certa regularidade, em função do significado da moda, ou seja, mudanças constantes.

Moda russa e moda brasileira

“A indumentária russa é muito alegre e muito festiva. As roupas deles são muito coloridas, com flores robustas, se assemelhando às do Brasil. A diferença crucial é que o povo russo, ao contrário do Brasil, é bastante fechado”, diz João Braga.

O Brasil, assim como a Rússia, foi sempre muito influenciado por outras culturas. Desde o princípio, o território brasileiro teve grande contato com outros povos, que acabaram por colonizar a nação. A principal influência vem dos europeus, especificamente de países da Europa ocidental. Portugueses, espanhóis, italianos e franceses deixaram sua marca no país.

A moda brasileira apresenta também grande caráter oriental devido ao período das grandes navegações, que possibilitavam a troca de mercadorias entre países asiáticos e a América. Durante esta época, ornamentos orientais como joias, chapéus, bordados, estampas e adornos em geral passaram a serem vistos frequentemente nos corpos das mulheres brasileiras.

Outra característica semelhante está relacionada à extensão territorial dos países citados. Os dois países concentram grande diversidade que não é apenas oriunda da junção de outras culturas, mas também de seu gigantismo territorial. Se assemelhando a uma colcha de retalhos, ambos possuem trajes típicos que caracterizam cada região.

A diferença climática entre a Rússia e o Brasil também interfere nas indumentárias usadas pela população feminina. Braga afirma que o calor e a necessidade das mulheres brasileiras se sentirem mais sexys faz com que estas vistam mais decotes e roupas curtas em geral. Em oposição a esta ideia, as mulheres russas presenciam o frio constantemente, vestindo roupas mais fechadas e comportadas pela imposição do frio e de sua própria cultura.

Apesar da semelhança na construção da moda dos países, outras características geográficas e culturais da sociedade russa já geram diferenças discrepantes. O professor contou à equipe do LabJor FAAP que a peleteria é algo importante a ser discutido dentro do aspecto das diferenças geográficas na moda, pois está bastante presente no cotidiano russo. Diferindo do Brasil, onde os casacos de pele são vendidos em lugares mais comuns, das grifes aos camelôs.

Enquanto a exuberância nos trajes típicos possui presença marcada na Rússia pela influência do oriente, os trajes brasileiros não carregam consigo esta característica. A influência africana e indígena em nosso folclore faz com que estes trajes não sejam tão rebuscados, sendo mais simples e ao mesmo tempo possuindo uma paleta de cores terrosas e chamativas.

A equipe do LabJor FAAP convidou a aluna de moda da faculdade Belas Artes, Giovanna Naomi Yokoyama, para produzir um mini editorial de moda que mistura em seus looks as semelhanças presentes na moda brasileira e russa:

Inspire-se você também!

Laís Requena é estudante do segundo semestre de Jornalismo na FAAP e repórter do LabJor FAAP.

Natalia Pupo é estudante do primeiro semestre de Publicidade e Propaganda na FAAP e repórter da segunda edição do LabJor FAAP.

--

--

LabJor
LabJor
Editor for

Um laboratório de informação: Descobrimos e contamos histórias que dão sentido ao presente.