‘A imprensa não é melhor nem pior que a sociedade, ela é um reflexo da sociedade’

Diretor de redação da ‘Folha de S. Paulo’, Sérgio Dávila comenta em Aula Magna o ‘Antimanual de Jornalismo’, de Otavio Frias Filho; jornal terá parceria com FAAP para debates e estágios

LabJor
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6 min readSep 20, 2023

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O diretor de redação do jornal Folha de S.Paulo, Sérgio Dávila, ministrou na terça-feira, 19 de setembro, no B-Hub da FAAP a Aula Magna O Antimanual de Jornalismo Revisitado (veja a íntegra aqui). Na palestra, mediada pela coordenadora do curso de Jornalismo, Edilamar Galvão, o jornalista leu e comentou os aforismos criados por Otavio Frias Filho, seu antecessor no cargo.

O CEO da FAAP, Luis Sobral, abriu o evento e anunciou uma parceria entre o jornal e a faculdade, que prevê um ciclo de debates com curadoria da FAAP e da Folha e cria um programa de estágio para alunos do Centro Universitário.

O diretor de redação da ‘Folha’, Sérgio Dávila. Foto: Rafayane Carvalho/ FAAP

O diretor de redação da Folha começou contando que a inspiração para a Aula Magna surgiu numa triste efeméride: os cinco anos da morte de Otavio Frias Filho, completados em 21 de agosto. “Pensei em fazer uma homenagem a ele, à Folha e ao jornalismo e lembrei-me de um texto que escreveu para o caderno Folhetim, que era o reduto de alta cultura da Folha nos anos 80, um antecessor da atual Ilustríssima.”

O Antimanual de Jornalismo foi publicado em 18 de novembro de 1984. Otavio acabara de assumir a direção de redação do jornal e conceber o chamado Projeto Folha com o pai, Octavio Frias de Oliveira, então publisher da Folha, e o irmão, Luiz Frias, atual publisher.

“O Projeto Folha é a Constituição da Folha. É ali que se diz que o jornalismo deve ser crítico, plural, apartidário e independente”, contou Dávila. “Se ele é a Constituição, o Manual da Redação, cuja primeira versão moderna é mais ou menos da mesma época, é seu Código Civil. Ele procura ordenar uma atividade que não é ciência exata, dar parâmetros ao nosso ofício.”

Segundo Dávila, as duas inovações ajudaram a desenhar “a atual paisagem do jornalismo brasileiro”, mas foram recebidas com reações que foram da revolta ao desdém. “Nasce daí a provocação do Otavio com esse antimanual. Era quase como se ele fizesse uma bem-humorada autocrítica.”

Ao longo da aula magna, Dávila destacou o quanto as visões reunidas no Antimanual permanecem atuais e provocadoras. Como a seguinte: “Jornalismo é linha de produção. Mas se nas demais indústrias tanto a estrutura como o conteúdo da linha de produção são os mesmos, dia após dia, na indústria jornalística a estrutura da linha é a mesma, mas o seu conteúdo muda a cada 24 horas”.

Ou a que trata da objetividade jornalística. “A objetividade não é neutra. Sua ferramenta são as associações que se formam no cérebro do leitor. Em vez de o sentido ocorrer na superfície do jornal, ele se cria na superfície da mente de quem lê.”

Dávila lembrou que Otavio antecipou no Antimanual a discussão sobre fake news anos antes de virar uma questão mundial. “‘Quanto mais mentiras, tanto mais verdade’, escreveu ele. Sempre houve fake news. Brincava-se até que o papel do editor era separar o joio do trigo para publicar o joio, sendo o joio a erva daninha. A massificação das redes sociais e a polarização política inédita das sociedades colocaram a questão num outro patamar, no entanto. Fake news espalhadas em velocidade recorde podem modificar –e muitas vezes modificam — o curso da história. Elas devem ser combatidas, embora este seja um trabalho de Sísifo, de enxugar gelo.”

Em sua opinião, talvez o efeito mais deletério dessa polarização tenha sido o enfraquecimento de um dos pilares do jornalismo profissional — a busca pelo contraditório. “Defende-se que, em certas circunstâncias e para certos personagens, o outro lado deve ser algo a ser combatido”, lembrou. “Isso é uma bobagem rematada e, no limite, o fim da nossa profissão, que é a de informar.”

Referindo-se ao governo Jair Bolsonaro, ele lembrou que os quase 300 jornalistas e 150 colunistas e blogueiros que hoje escrevem na Folha aguentaram quatro anos de ataques diários, estimulados e muitas vezes protagonizados pelo principal poder da República.

“O objetivo desta minha fala, muito mundana para ser chamada de ‘Aula Magna’, é justamente conclamar os presentes a cerrar fileiras nessa trincheira. É a trincheira do jornalismo profissional. É a pior e a melhor das profissões.”, afirmou, concluindo sua exposição.

A coordenadora do curso de Jornalismo da FAAP, Edilamar Galvão, conversa com o diretor de redação da ‘Folha’, Sérgio Dávila. Foto: Rafayane Carvalho/ FAAP

A segunda parte da aula contou com perguntas da plateia. Dávila foi questionado sobre o que é necessário para a formação de bons jornalistas. Para o jornalista, um dos segredos é a curiosidade. “A tecnologia evolui, mas algo que não muda — mesmo com inteligência artificial e independentemente das tecnologias — é o furo, a informação exclusiva. Quando abrimos mão dessa informação exclusiva, nos tornamos jornalistas piores”, afirmou. “Se você quer ser um bom jornalista, você tem de ter essa obsessão em ir atrás da informação exclusiva. Depois vêm o hábito de leitura, a curiosidade, a disposição de ouvir o contraditório.”

A maneira como as mídias estão sendo utilizadas para propagar informações também foi tema de debate. Em sua opinião, as redes sociais são ótima fonte de pauta, não de notícia, porque nem tudo o que está lá é fato. “As discussões podem servir de início para pautas. Sempre digo aos repórteres: ‘Você deve usar as redes sociais como você usa uma entrevista como uma fonte. Não pode levar a ferro e fogo o que está lá e não pode tratar aquilo como universo. O mundo é muito maior do que o algoritmo te oferece diariamente’.” Ele também falou sobre importância de os jornalistas sempre cultivarem cinco ou seis fontes com as quais falará em algum momento ao longo de uma semana para saber o que está acontecendo de relevante em suas áreas de cobertura.

Ao ser questionado sobre as críticas que a Folha de S.Paulo recebe, principalmente nas redes sociais, Dávila afirmou que o jornal está trabalhando para deixar mais claro aos leitores o que são textos noticiosos, o que são análises e o que é opinião — de colunistas e blogueiros, de pessoas convidadas ou do próprio jornal. Com isso, espera fugir da confusão típica das redes que iguala tudo o que é publicado como se fosse opinião da Folha.

“Nós temos um sistema de ensino que começa a ganhar corpo e qualidade, mas ainda tem muitas falhas, nós temos uma alfabetização precária, nós temos um grande volume de pessoas que se formam com pouco domínio de interpretação de textos e é nesse contexto que os jornais e a imprensa atuam”, lembrou. “A imprensa não é melhor nem pior que a sociedade, ela é um reflexo da sociedade.”

“Um jornal como a Folha publica textos noticiosos, análises, opinião de colunistas e blogueiros — que podem escrever tudo o que quiserem, desde que não cometam crime — , opinião de convidados e opinião do jornal, expressa em dois textos publicados diariamente na página 2 do impresso. Mas as redes sociais e o leitor muitas vezes igualam tudo como ‘a Folha diz’. Na verdade a Folha só diz nos dois textos publicados na página 2 diariamente. Ali é a opinião do jornal. Todo o resto ou é notícia ou é opinião de pessoas que escrevem na Folha e quase que obrigatoriamente não têm a opinião do jornal — e muitas vezes são até contra a opinião do jornal.”

Aula Magna do diretor de redação da ‘Folha’, Sérgio Dávila para o curso de Jornalismo no B-Hub FAAP. Foto: Rafayane Carvalho/ FAAP

ASSISTA AO VÍDEO DA AULA MAGNA COM SÉRGIO DÁVILA

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