A VEZ DELAS NAS TELAS

Cineastas Flávia Guerra, Malu Andrade, Kelly Castilho e Tata Amaral explicam importância da diversidade no audiovisual

LabJor
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6 min readMar 30, 2021

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Maria Paula Trilha Storti e pedro a duArte

O ritmo ainda é lento, mas, pouco a pouco, a desigualdade de gênero tem diminuído no cinema. Em 2020, o festival de Sundance atingiu a marca de 50% de obras dirigidas por mulheres, ao passo que o Festival de Berlim aboliu o gênero nas categorias de atuação para premiações. No Oscar 2021, há duas diretoras indicadas ao prêmio de Melhor Filme Internacional: a tunisiana Kaouther Ben Hania, por O Homem que Vendeu sua Pele (2020), e a bósnia Jasmila Zbanic, por Quo Vadis, Ainda? (2020). Já Chloé Zhao é a sexta mulher — e primeira não-branca — a ser indicada na categoria de direção. Seu filme Nomadland recebeu 4 indicações ao Oscar (feito inédito para uma mulher) e mais de 50 prêmios, a começar pelo Leão de Ouro de Veneza 2020.

Para falar dessa importante mudança no setor audiovisual, a professora do curso de Cinema da FAAP Luciana Rodrigues convidou as cineastas Flávia Guerra, Malu Andrade, Kelly Castilho e Tata Amaral para uma conversa com estudantes no dia 23 de março, durante os Encontros de Comunicação da FAAP. A palestra virtual teve lotação máxima, de 300 participantes.

Cineasta Flávia Guerra. Foto: Pedro A. Duarte

“É legal pensar nesse cenário pioneiro que a mulher construiu, internacional e nacionalmente, para chegarmos aonde estamos agora”, comentou a documentarista e jornalista Flávia Guerra. “Acho que nesse quesito estamos avançando muito. Quando a gente começa a fazer as perguntas, as coisas mudam.” Para ela, diversidade não é importante apenas no quesito cidadania, mas no entretenimento também. “Quanto mais diversidade temos, melhor é o catálogo. Eu não quero ver sempre o mesmo filme, quero outras realidades.”

Como exemplos de pioneirismo, Tata Amaral citou a cineasta Cléo de Verberena, primeira mulher a produzir um filme no Brasil e apresentar um caso de feminicídio no cinema, com o filme Dominó Preto (1932). A obra teve seus registros apagados e hoje conta apenas com algumas fotos publicadas em revista. Ela lembrou também da cineasta Adélia Sampaio, primeira mulher negra a dirigir um longa no Brasil. Chamado de O Amor Maldito (1984), o filme foi por muito tempo boicotado, presumivelmente por retratar um casal lésbico — a justificativa oficial era o teor das cenas mais íntimas.

Cineasta Malu Andrade. Foto: Pedro A. Duarte

Fundadora da rede Mulheres do Audiovisual Brasil e pioneira no desenvolvimento de políticas públicas no setor do audiovisual, Malu Andrade falou da importância das políticas públicas para a diversidade. Ex-diretora de Desenvolvimento e Políticas Audiovisuais da Spcine, ela lembrou que em 2016 a estatal paulistana lançou um edital de curtas-metragens com cotas para mulheres, transgêneros, negros, pessoas com deficiência, indígenas e por regionalidade, e o resultado foi surpreendente. Vários curtas dessa leva foram premiados, outros ainda estão entrando no mercado.

“No paralelo, a gente colocou qualidade de júri em alguns editais, porque você também precisa ter pessoas diversas olhando: não adianta colocar um monte de homens brancos que evidentemente não captam sutilezas de quem vive. Elas vão se perder e muitos bons projetos não vão para frente”, explicou Malu.

Um exemplo da importância de se ter mulheres em posição de destaque pode ser encontrado na trajetória da própria Tata. Ela contou que, no começo da carreira, ver outras mulheres dirigindo a estimulou a ser cineasta.

“Outras trajetórias nos iluminam e nos dão forças. Nos anos 1980, tinha um filme passando durante toda a minha gravidez na (Rua da) Consolação. Eu via (no letreiro do cinema): ‘Mar de Rosas’, de Ana Carolina. Então tinha uma mulher em cartaz. Quatro anos depois teve a Suzana Amaral, com ‘A Hora da Estrela’, vencedor em Berlim. Teve Tizuka Yamasaki com ‘Gaijin’ nessa mesma época. A possibilidade de ver nomes de mulheres se destacando foi muito iluminadora para mim. Era como um salvo-conduto: ‘Tudo bem, essa coisa que você quer fazer pode não ser uma profissão, mas tem gente aí fazendo. É possível’. Na ocasião, eu não pensava no sucesso, eu pensava que era possível porque elas estavam lá.”

Cineasta Tata Amaral. Foto: Pedro A. Duarte

Para os não-brancos, o cenário do audiovisual é ainda mais desafiador: apenas dois longas-metragens brasileiros foram dirigidos por uma mulher negra: o já citado Amor Maldito e Um Dia com Jerusa, de Viviane Ferreira (2020). Na conversa com alunos e professores da FAAP, a diretora de arte Kelly Castilho falou dos obstáculos que enfrentou ao ingressar no audiovisual há 20 anos. Com origem no cinema publicitário, ela disse que nunca imaginou chegar ao cinema de ficção. “A coisa foi acontecendo, eu tive as oportunidades e as abracei. Mas de repente eu olhava e percebia que não tinha mais pessoas como eu, semelhantes a mim”, afirmou.

Kelly Castilho. Foto: Pedro A. Duarte

Apesar de reconhecer alguns privilégios em sua carreira, como o fato de sua família ter lhe oferecido uma boa educação escolar, ela disse compreender a dificuldade de outras pessoas negras. “Eu sei que é bem complicado você acreditar que pode estar nesse espaço, que pode ser aceito. Ainda mais num mercado onde a parte financeira pesa muito: para estudar, adquirir conhecimento, manter a mente sempre aberta e em efervescência. E isso não favorece as minorias, pelo menos para quem não tem condições financeiras. Aí entra a política de cotas: para dar oportunidade.”

Alguns movimentos têm procurado levar maior diversidade racial ao audiovisual brasileiro. Num deles, chamado de O Levante de 2014, mulheres negras decidiram criar espaços para se ajudar em suas carreiras. Como a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro, instituição de fomento que busca promover profissionais negros no mercado audiovisual, além de valorizar e divulgar realizações audiovisuais de negras e negros.

“Tudo vem evoluindo”, resumiu Kelly. “Essa construção vem vindo de anos de batalha de muita gente que começou a enxergar como a Viviane enxergou, como a Malu enxergou e como eu me dei conta de que preciso me tornar diretora para contar as minhas histórias. Não só na publicidade como no cinema, quero poder colocar outras pessoas nas minhas narrativas.”

Participantes da conversa com as cineastas nos Encontros de Comunicação. Foto: Pedro A. Duarte

Maria Paula Trilha Storti e pedro a duArte são alunos de Jornalismo da FAAP

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