BRASÍLIA SOB AS LENTES DE DUAS FOTOJORNALISTAS

Gabriela Biló e Rafaela Felicciano contam suas experiências na cobertura do cotidiano político de Brasília

LabJor
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5 min readMar 31, 2021

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Maria Paula Trilha Storti

Como ser mulher, jornalista e fotógrafa no cotidiano político de Brasília. Esse foi o tema principal da conversa com as fotojornalistas Gabriela Biló e Rafaela Felicciano no dia 23 de março, durante os Encontros de Comunicação da FAAP. Coordenado pela professora e fotógrafa Livia Aquino e pelo professor Diogo Andrade, o bate-papo abordou desde experiências pessoais até a polêmica da imparcialidade no jornalismo.

As fotojornalistas Rafaela Felicciano e Gabriela Biló (no alto) e os professores Livia Aquino e Diogo Andrade, durante os Encontros de Comunicação da FAAP. Registro: Edilamar Galvão

Gabriela Biló, primeira fotógrafa mulher do Estadão em Brasília e única contratada dos grandes jornais nacionais na capital federal, conta que o início de sua trajetória no fotojornalismo foi um tanto doloroso. “Nós, mulheres, somos descredibilizadas e desencorajadas o tempo todo. Somos sempre vistas como ‘garotas’ ou ‘meninas’ enquanto os homens são ‘profissionais’. Estão sempre questionando se conseguimos carregar os equipamentos e ressaltando que essa é uma ‘profissão de homem’. Já até ouvi falar que eu fazia muita capa no jornal porque era queridinha, apenas por ser mulher”, contou.

Jornalista do portal de notícias Metrópoles e responsável por coberturas como a visita de Barack Obama ao Brasil, a Copa de 2014 e o acidente da Chapecoense, Rafaela Felicciano completa a fala de Biló: “A gente percebe muito nos bastidores, pelas conversas, tratamentos e piadinhas. Como é um ambiente predominantemente masculino, poucas mulheres entram e ficam. Acho que esse é o problema.”

“Fotojornalismo tem a ver com pessoas, não gênero. É sobre pluralidade, sobre você ser curioso e querer sempre passar e criar coisas diferentes. Se interessar por notícias e reinventar dentro delas. Se uma mulher tem físico para carregar um filho, lavar roupa e usar o tanque, que é o que “ela tem que fazer”, por que não pode carregar um equipamento fotográfico? Qual a diferença? Ela pode carregar uma criança de 2 anos e uma câmera não? Dizer que é masculino é só uma forma de sabotar a presença das mulheres nesse ambiente”, resumiu Gabriela Biló.

Olhando para o fotojornalismo político, Gabriela lembrou que a grande graça dos fotógrafos de Brasília é a capacidade que eles têm de se reinventar na mesmice. “Todo dia o presidente entra no carro, sai do carro, cumprimenta os apoiadores, entra no carro, sai do carro, e assim vai. É só isso! Você tem o espaço de ele saindo para falar com a multidão ou voltando da multidão para o carro para fotografar algo diferente. Precisa ficar com o olho na lente o tempo inteiro, é transmissão em tempo real. Se você tem sempre a mesma cena, a vantagem é que você sabe exatamente como ela vai acontecer. O jornalismo é sempre muito imprevisível, mas tem uma cena que sempre se repete e você consegue se posicionar melhor diante dela.”

Gabriela Biló apresenta sua fotografia durante a palesra. Registro: Maria Paula Trilha Storti (Captura de tela do evento)

A foto acima é uma de suas criações favoritas de Gabriela: “Parece que ele (Jair Bolsonaro) está se desfazendo numa água, num espelho, e na verdade é só um reflexo do carro enquanto ele está entrando. Eu particularmente gosto muito dessa foto como símbolo de se reinventar na mesmice.”

Tanto ela quanto Rafaela concordam que o fotojornalismo paira mais sobre a sensação da notícia do que do factual e dizem que os editores confiam nos fotógrafos para saber o que realmente está acontecendo no local. “Não conseguimos controlar nada, é muita observação e adaptação. Precisamos sempre estar estudando, tem de entender tudo que está acontecendo ali, todas as nuances dos momentos”, comentou Rafaela.

Hasteamento da Bandeira no Palácio da Alvorada. Foto: Rafaela Felicciano / Metrópoles.

O momento acima, retratado tanto por Gabriela quanto por Rafaela, teve grande repercussão. Mostra Jair Bolsonaro mirando o então ministro Sérgio Moro durante cerimônia de hasteamento da bandeira no Palácio da Alvorada em 2019. O presidente faz gesto de arma com a mão e aponta direto para a cabeça de Moro, enquanto, ao lado, o também ministro Paulo Guedes ri. Hoje Moro já não faz mais parte do governo Bolsonaro.

“Outra vantagem de cobrir sempre a mesma coisa é que você percebe as mudanças gestuais nas figuras políticas”, afirmou Gabriela. “Eu acho que o nosso papel na fotografia é muito sobre retratar o que não está sendo tão visível.”

Questionadas sobre se é possível se manter imparcial no fotojornalismo e como fazer para não deixar a visão pessoal se sobrepor ao factual, Rafaela e Gabriela responderam que não acreditam em imparcialidade, mas não se pode mentir sobre o que está acontecendo. Para elas, a imagem é democrática e pode ter infinitas interpretações. “Eu não posso fazer uma foto mentirosa, as coisas estão acontecendo naquele momento, eu preciso informar o que está acontecendo. Que tipo de imparcialidade estamos buscando? É muito utópico, precisamos ver o que estamos contando e de que ponto de vista.” declarou Rafaela.

“Eu sempre tento ser fiel ao que estou vendo no cenário político. Muitas vezes eu acerto e muitas vezes eu erro, como todo mundo. A foto é crítica e informa mais rápido porque em um milésimo de segundo você vê a fotografia e tem uma sensação do que aconteceu. O texto você precisa ler para entender.”, complementou Gabriela. “São formas de escrever diferentes, a gente (fotógrafos) escreve com a luz e os repórteres, com palavras.”

As jornalistas também falaram da agressividade verificada nos últimos meses contra profissionais da imprensa. “As agressões ficaram tão grandes numa época que quase todos os jornais pararam de ir ao Palácio da Alvorada e a gente teve de ir à delegacia fazer boletim de ocorrência. É muito assustador fotografar nessa situação porque é um contexto de muita agressividade, parece que você é o inimigo público ali”, contou Rafaela. “E temos de trabalhar do mesmo jeito, com medo da doença e medo dessas pessoas. Você apenas vai, clica no botãozinho e começa a fotografar para poder acabar logo, ir para casa e tomar banho.”

“A imprensa sempre tem dois momentos: um em que a população confia e se informa e outro em que, quando critica o governo — independentemente de qual —, vira ‘inimiga do povo, manipuladora’”, disse Biló.

“O papel da imprensa é criticar o governo e os apoiadores do governo vão sempre criticar isso. Infelizmente, hostilidade é uma coisa com a qual a gente já lida faz um tempo. E na fotografia é sempre muito intenso.”

Maria Paula Trilha Storti é aluna de Jornalismo da FAAP

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