A VIDA NA… CASA DA ‘LUSA’

Canindé, um estádio cheio de histórias e resistência

Aos 51 anos, Associação Portuguesa de Desportos tenta virar página da crise investindo em novos usos e espaços no clube

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Diogo Figueiredo

Estádio do Canindé. Foto: Mauro Horita/ AgênciaPaulistão

Localizado numa das vias mais conhecidas do País, a Marginal do Tietê, o Estádio do Canindé já presenciou cinco décadas de lutas e glórias da Associação Portuguesa de Desportos. Além de momentos de dificuldades: o local na zona norte de São Paulo chegou até ser leiloado, mas clube e torcedores resistiram.

Fundada pela colônia portuguesa em 14 de agosto de 1920, a associação apelidada carinhosamente de Lusa surgiu a partir da junção de cinco clubes portugueses que existiam na cidade de São Paulo. Mas nos primeiros três anos teve um tipo de “sócio”. Como não havia mais tempo para se inscrever no Campeonato Paulista de 1920, uniu-se ao Mackenzie e até 1923 competiu oficialmente com o nome de Portuguesa-Mackenzie. Só depois passou a disputar os torneios de forma independente. Nesse tempo, o time treinava num campo no bairro do Cambuci.

Em 1956, a Lusa adquiriu de um diretor do São Paulo Futebol Clube o terreno no bairro do Canindé, distrito do Pari, onde 16 anos depois seria inaugurado seu estádio. Antes, porém, foi construída, com doações da comunidade portuguesa, uma arquibancada provisória de madeira, que acabou ganhando o apelido de “Ilha da Madeira”. Era um estrutura simples, mas que atendia às exigências da Federação Paulista de Futebol para a realização de jogos do Campeonato Paulista.

Estádio com a ‘Ilha da Madeira’. Foto: Acervo Jayme Ramos/ Site Portuguesa

No dia 9 de janeiro de 1972, enfim era inaugurado o Estádio Doutor Oswaldo Teixeira Duarte, mais conhecido como Canindé por causa do bairro. O nome foi uma homenagem ao presidente da época do clube. A partida de estreia foi contra o grandioso Sport Lisboa e Benfica, do gênio luso-moçambicano Eusébio. Na ocasião, os “encarnados” — nome dado aos torcedores do Benfica — derrotaram a rubro-verde por 3 a1, com mais de 10 mil pessoas assistindo ao espetáculo.

Um ano depois, em 1973, iniciaram-se as obras de construção do segundo anel do Canindé, que abrigaria as cadeiras numeradas e as cabines de imprensa. Atualmente o estádio tem capacidade para 21.004 torcedores. Seu recorde de público foi de 25 mil pessoas, em 1982, num jogo entre Portuguesa e Corinthians.

Com o fim das obras, nasceu a lenda de que havia um trator enterrado dentro do estádio. Segundo a história, após a construção, os construtores perceberam que o veículo havia sido deixado lá dentro e, levando em consideração o alto custo da retirada, optaram por enterrar a máquina sob o gramado.

Tudo mentira, de acordo com o colaborador do Museu Histórico da Portuguesa Artur Cabreira. “Quando você conta uma história mil vezes, o pessoal passa a acreditar que é verdade”, alerta. “Outra mentira muito grande é que a Portuguesa comprou o Canindé do São Paulo (Futebol Clube). E esta a gente pode desmascarar porque tem o contrato exposto no museu. Lenda é assim, o pessoal fala mal mesmo. Não tem o que falar da Portuguesa, aí inventam isso ai. Um absurdo.”

Antigo Estádio do Canindé em 1972, ainda sem a construção do anel superior. Foto: Site Portuguesa

Com mais de 7 mil itens históricos, o Museu Histórico da Portuguesa fica localizado no próprio estádio, abaixo do ginásio, e pode ser visitado todos os sábados, das 11 horas às 13h30, com entrada gratuita. “Na nossa torcida, muita gente não conhece o Museu. Mas não é por falta de informação, a gente divulga bastante”, garante Artur.

Também não é por falta de referência a outros esportes. “A gente não mostra os troféus, a gente conta uma história e agrega outras modalidades além do futebol”, explica Artur. “O museu está dividido em três áreas: Cambuci, onde a Portuguesa nasceu; São Bento e depois Canindé, que a gente mostra como era antes e depois.”

Museu Histórico da Portuguesa tem peças não só sobre futebol. Foto: Site Museu do Futebol

O estádio já foi palco da disputa do título do Campeonato Paulista de 1973, do primeiro turno do estadual de 1985, da Copinha de 1991 e 2002. Mas não recebeu a maior final da história do clube, que lhe rendeu o vice- campeonato do Brasileiro de 1996.

Um dos momentos de maior alegria por parte da torcida ocorreu em 2011, com o título do Campeonato Brasileiro da Série B, uma campanha que ficou marcada como a segunda melhor da história do torneio. Na época, até comparações entre Portuguesa e Barcelona surgiram, dando origem ao apelido “Barcelusa”. A repercussão foi tão grande que chegou até a jornais europeus.

Para o torcedor Victor Macario, de 22 anos, o time de 2011 foi o melhor que já viu. “Na época eu tinha 11 anos e reforçou ainda mais meu amor pela Portuguesa. Foi com certeza o melhor time que já vi, apesar de ter visto a Lusa jogar a Série A três vezes (em 2008, 2012 e 2013): não só ganhava como dava espetáculo”, dissertou. “Quando eu ia para o Canindé tinha duas certezas: que a Portuguesa ia ganhar e ia ser por goleada. A Portuguesa de 2011 não só ganhava, como dava espetáculo. Na época o Barcelona estava se destacando na Europa e a apelidaram de Barcelusa.”

Na última década, o clube entrou em crise, a ponto de o terreno do Canindé ir a leilão diversas vezes e a Justiça penhorar até troféus por causa de dividas. Muitos torcedores já estavam desolados com esses acontecimentos e com medo de possível falência. É o caso do jornalista Chrystian Gedra, ex assessor de imprensa do clube e atualmente redator no portal Netlusa.

“Varias vezes pensei nisso. Muito pelo clima pesado que encontrávamos no clube. Funcionários, jogadores e até dirigentes preocupados. A campanha abaixo do esperado na A2 e a série C foram bem complicadas.”

Atualmente, o clube está em processo de reconstrução e a diretoria atual tem tentado retomar o que era o Canindé, com maior utilização de sede, ginásios, quadras de tênis, loja oficial e o espaço das antigas piscinas, que agora é usada para eventos, no chamado Complexo do Canindé.

“Aos poucos a Lusa vem buscando alternativas, como o local de festas onde eram as antigas piscinas. O clube conseguiu captar um espaço que estava praticamente inutilizado. Em alguns pontos, vem acertando bastante em como reutilizar o espaço para poder trazer verbas e pessoas. Movimentando o clube, tem a questão de aproximar o público do time e reconhecer a marca Portuguesa, o que acaba atingindo diretamente a bilheteria”, acredita Chrystian.

Ele avalia de forma positiva a nova gestão. “Acredito que é um trabalho bom. Infelizmente hoje a Portuguesa está numa situação muito complicada, e isso cria dúvidas em relação à gestão. Mas tem que ter uma boa campanha no futebol. Porque isso se espelha em todos os departamentos, você consegue fazer campanha de marketing que vai atingir mais pessoas e desenvolver trabalhos sociais e culturais com eventos relacionados a colônia.”

A Somos Lusa Store, loja oficial do clube, foi reaberta. Nela, a camisa oficial é vendida R$ 180 — sócios-torcedores do clube pagam R$ 150. Também há produtos nas linhas feminina, infantil e para pets. A partir de R$ 30 mensais já dá para se tornar um sócio-torcedor.

Espaço de eventos na área das antigas piscinas, loja e Taberna do Cais do Porto. Fotos: Instagram Sonara Garden, site Portuguesa e Facebook Taberna do Cais do Porto

Também funciona no Canindé um restaurante típico português. A Taberna do Cais do Porto abre todos os dias e é possível fazer reserva pelo site www.caisdoportotaberna.com. O horário de funcionamento durante a semana é das 11h às 18h; no sábado, das 11h às 22h; e no domingo, das 11h às 17h.

Ao redor do estádio, bares servem como ponto de concentração em dias de partida e também oferecem iguarias portuguesas, como o famoso bolinho de bacalhau. Do lado de fora, fica a sede da principal torcida organizada do clube, Leões da Fabulosa, que também conta com loja e bar, que abre principalmente em dias de jogos.

Tudo isso faz do Canindé um ambiente “família” para muitos torcedores. “Com toda certeza o Canindé é um estádio diferente!”, diz Lucas Tollendal, de 26 anos. “Já frequentei diversos estádios em São Paulo e até fora do Estado e em nenhum senti a mesma energia que existe no Canindé.”

Na Lusa, a maioria dos torcedores aprendeu a torcer pelo time com os país e avós. “Comecei a acompanhar a Portuguesa bem cedo com meu pai, que desde cedo levou eu e meu irmão ao estádio”, conta o torcedor Yuri Gomes de 23 anos. “Então a gente acabou desde a infância consumindo e vendo jogos e isso semeou esse amor tão bonito que a gente tem pelo clube.”

Além de ainda frequentar os jogos com o pai e o irmão, Yuri acompanha partidas também ao lado de colegas. “Sempre encontro os amigos de torcida nos bares dos arredores, principalmente o bar do Zé (atrás da quadra de tênis) e na sede da Leões (torcida uniformizada da Portuguesa).”

Imagem noturna do Canindé. Foto: Instagram A Portuguesa nos uniu

PARA SABER MAIS

Estádio Doutor Oswaldo Teixeira Duarte

Rua Comendador Nestor Pereira,33, Canindé

Site: www.portuguesa.com.br

Loja virtual: www.somoslusastore.com.br

Horário de funcionamento do Museu Histórico da Portuguesa: Sábado, das 11h às 13h30

Restaurante Cais do Porto: (11) 99878–1718

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