Cinema Russo: de influenciador para influenciado

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5 min readAug 6, 2018

Por Carolina Cruz e Yu Higashi

Pense rápido! Digam o nome de um titulo de filme russo recente? Algum sucesso internacional? Qual diretor de cinema russo contemporâneo que você conhece?

Você tem trinta segundos…

Pensou? Se você pensou em nomes como Andrei Tarkovsky, Dziga Vertov, Serguei Eisenstein, você só lembrou dos clássicos do final dos anos vinte.

Mesmo o cinema russo sendo uma das principais referências de cinéfilos — ou estudiosos da sétima arte — no mundo todo, será que é certo afirmar que sua fase aura foi no “cinema ouro”? O que aconteceu que, hoje em dia, ele só é lembrado, principalmente, por produções antigas?

A Rússia e o cinema sempre possuíram uma relação muito forte desde a derrubada da monarquia russa em 1917 até os dias atuais. O próprio líder da revolução bolchevique Vladimir Lênin dizia que o cinema era a mais importante das artes para os socialistas. Essa afirmação se mostrou verdadeira pela produção cinematográfica desse período que auxiliou na formação cultural da URSS.

Em entrevista com o pós-Doutor em Ciências Sociais e Cinema, André Piero Gatti, a equipe do LabJor FAAP conversou com o especialista sobre a história do cinema russo, que ressaltou a importância dada pelo governo russo para a produção cinematográfica naquela época:

“naquele momento, em um país de analfabetos, de pessoas pouco letradas, o cinema era uma grande arma de instrumento pedagógico e ideológico de formação cultural”, diz Gatti.

O pesquisador conta como que a URSS, com toda sua extensão territorial e formação baseada no campesinato, conseguiu construir um parque industrial de produção de filmes:

“O cinema foi estatizado e nacionalizado na União Soviética, com essa nacionalização a importação de filmes ficou por conta dessas agências locais de produções porque elas eram integradas, era produção, distribuição e exibição e era tudo do Estado. Os filmes americanos eram importados por essas empresas, e a renda desses filmes ficava na URSS”.

Primeiro, é necessário realizar um breve resumo sobre a história do cinema russo: após a revolução russa, os bolcheviques viram no cinema a possibilidade de uma arte soviética que pudesse promover uma unificação cultural de todas as repúblicas integrantes da União Soviética, associando-o com os ideais socialistas.

O cinema soviético portanto, tinha um propósito essencialmente propagandístico. No entanto, isso não impediu que seus cineastas trouxessem novas estéticas e técnicas, como a montagem dialética, sobreposição de imagens e cortes rápidos.

Cena do filme “Um Homem com uma Câmera”, do russo Dziga Vertov, conhecido por introduzir a técnica de cortes rápidos em sua montagem

Alguns jovens cineastas como Dziga Vertov, Serguei Eisenstein, Lev Kulechov e Vsevolod Pudovkin deram inicío a escola soviética de cinema e depois se tornaram referência para os vários movimentos de cinema vanguardista durante os anos 60, incluindo o Cinema Novo no Brasil.

Glauber Rocha, um dos expoentes do Cinema Novo, e o seu longa “Deus e o Diabo na Terra do Sol” é um bom exemplo dessa originalidade da sétima arte.

Durante os anos 70 e 80, cineastas como Andrei Tarkovski, assim como outros nomes russos que o antecederam, também trouxe inovações estéticas em seus filmes, mas também se diferenciava deles pelo uso de planos longos e poucos cortes.

“O Rolo Compressor e o Violinista”, um dos grandes sucessos do cinema russo assinado pelo diretor Andrei Tarkovski

Em O Rolo Compressor e o Violinista, Tarkovski se concentra em uma direção mais lenta e melancólica. Diferente de O Encoraçado Potemkim, de Eisenstein, que retrata a Revolução de 1905 em um filme de 1925, a cena é ágil, mas extremamente longa. Esses são dois grandes exemplos de como a sétima arte tinha ainda muito para mostrar, além da sua capacidade para se renovar.

No entanto, o cinema russo contemporâneo não possui mais a importância e influência que possuía durante a URSS. Cabe aqui se perguntar a razão dessa decadência. Após a queda do regime comunista em 1991 e a abertura da economia russa para o ocidente, a produção cinematográfica russa começou a perder a influência que tinha no cinema mundial produzindo filmes com uma estética mais “americanizada”. Ao menos essa é a opinião do pesquisador Gatti:

“Se tivesse alguma coisa muito relevante sob o ponto de vista estético e de inovação, com certeza [os filmes russos contemporâneos] estariam bombando nos grandes festivais internacionais de cinema”

Apesar de esteticamente o cinema russo não ser mais valorizado, ele não deixou de ser produzido e de ter a sua importância para a história da sétima arte.

“Para concorrer com o cinema americano é muito complicado, porque a indústria americana está talhada para trabalhar com esses filmes [violentos], e tecnologicamente eu creio que eles tem o mesmo recurso. Talvez não de produção, mas tecnologicamente sim. (…)E os filmes são empenhados do ponto de vista de produção.”

Afirma Gatti em seu depoimento sobre sua experiência com um filme russo, extremamente violento. E se o cinema russo é um cinema hoje baseado na indústria americana, a cultura pop é obrigatória.

“E o que está fazendo sucesso na Rússia de hoje, como em quase todo lugar do mundo, aliás, são os filmes de ação e de super-heróis. Tem sempre uma produção de artes marciais, guerra, ou perseguição automobilística rolando. E com efeitos especiais que são, no mínimo, um charme.”

Diz o jornalista Thiago Costa, em matéria para o LabJor FAAP, que você pode conferir completa clicando aqui.

Hoje, ele pode ter a mesma fôrma dos filmes americanos, mas o roteiro e as histórias contadas ainda conseguem minimamente ter seu destaque.

No último Oscar, por exemplo, o filme “Loveless”, do russo Andrêi Zviaguintsev, que retrata de forma perturbadora um divórcio de um casal que acaba refletindo na vida do seu filho de 12 anos, chegou na indicação final da categoria de melhor filme estrangeiro.

A produção não só foi indicada ao prêmio de maior destaque do cinema, como também ganhou o César 2018 (considerado o Oscar Francês) de também melhor filme estrangeiro, além do grande prêmio do Júri do Festival de Cannes de 2017.

“A Rússia tem um mercado cinematográfico está em expansão, está crescendo novamente, em funções das novas tecnologias e de adequações tecnológicas, e agora é aguardar para ver.”, diz Gatti.

Todos esses prêmios reafirmam que, apesar de não ter a mesma originalidade do começo do século XX, a produção cinematográfica Russa ainda tenta se destacar, mas agora bebendo da fonte que tanto influenciou.

Yu Higashi é editor de som e estudante do oitavo semestre de Cinema da FAAP

Carolina Cruz é produtora, formada em Cinema pela UNINASSAU e estudante do quarto semestre de Rádio e TV da FAAP

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