Como nasce um terreiro de umbanda

LabJor acompanha criação de novo espaço da religião afro-brasileira em Jundiaí; denúncias de intolerância religiosa aumentaram 80% de 2022 para 2023

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4 min readJun 14, 2024

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Maria Julia Alvarez

Aumbanda é uma religião monoteísta afro-brasileira. Formada no início do século 20 no Sudeste do Brasil, a partir da síntese de elementos do Candomblé, do Catolicismo e do Espiritismo, reverencia um deus chamado Olorum e orixás, como Oxalá. Também adota figuras como caboclos, erês, pretos-velhos, baianos, boiadeiros e pombas-gira. Mas como funciona um ritual de umbanda?

Para responder a essa questão, no dia 13 de junho o LabJor participou da abertura de um novo terreiro umbandista em Jundiaí, no interior de São Paulo. Administrado por Paulo Brunholi e a mãe de santo Juliane d’Iansa, o Núcleo Umbandista Novos Caminhos localiza-se no bairro do Caxambu.

Espaço do Núcleo Umbandista Novos Caminhos, em Jundiaí. Foto: Acervo pessoal Paulo Brunholi

A cerimônia teve início às 20 horas e reuniu cerca de 70 pessoas. Todas vestidas com roupas de cores claras, principalmente brancas, e com um sorriso contagiante no rosto.

Segundo os praticantes da religião, as vestimentas brancas ajudam a manter a mente e o espírito em sintonia com as energias positivas, facilitando a comunicação com os guias espirituais e elevando a vibração do ambiente.

Umbandistas acompanham cerimônia em novo terreiro de Jundiaí. Foto: Maria Julia Alvarez

A cerimônia contou com homenagens, trabalhos e atendimentos com entidades espirituais. No centro do altar, diversas frutas foram expostas. No chão, havia folhas de mangueira, No canto direito, tambores sendo tocados. Tudo para energizar o local e os fiéis — que se preparavam para receber as entidades.

Frutas e folhas de mangueira ao centro do templo. Foto: Maria Julia Alvarez

Durante sua fala inicial na cerimônia, após os agradecimentos gerais, Juliane falou do orgulho das conquistas do grupo, mas revelou também alguns preconceitos que enfrentou até ali — como o de ser considerada nova demais para o título de mãe de santo.

“Quando você pensa numa mãe de santo, a primeira imagem que vem à mente é a de uma senhorinha de cabelos brancos, mas essa não é a realidade. Eu escuto: ‘Nossa, mas é ela que vai me atender? Ela não é nova demais para ser mãe de santo?’. E isso não é uma coisa que você escolhe, você nasce assim. Não entendem que eu posso ser tão competente e fiel quanto aquelas senhoras.”

Mães pequenas (Pamella Couto, à esq., e Amanda Renzulli), mãe de santo Juliane (ao centro) e pais pequenos. Foto: Maria Julia Alvarez

Não só Juliane relatou preconceitos. Mãe pequena (assistente da mãe de santo) de um terreiro de Campinas, Pamella Couto, por exemplo, já sofreu julgamentos por ser uma mulher trans numa posição alta dentro da religião.

“Só a gente sabe como é difícil viver com essa intolerância quando tudo o que a gente quer é o bem de todos”, comentou Juliane.

Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o Brasil registrou 2.124 violações de direitos humanos relacionadas à intolerância religiosa em 2023. O número indica um aumento de 80% na comparação com o ano anterior, quando foram compiladas 1.184 violações provenientes de diversas regiões do Brasil.

Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania do primeiro semestre de 2024 sobre acusados de praticarem a intolerância religiosa

Já neste primeiro semestre de 2024, o MDHC registrou mais de 570 denúncias de intolerância religiosa. O LabJor analisou os dados e notou disparidades significativas na incidência. Estados como São Paulo e Rio de Janeiro registram as taxas mais altas, enquanto o problema é menor no Norte e no Nordeste, como se pode ver no gráfico abaixo.

Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania no primeiro semestre de 2024

O artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988 define que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. No entanto, na prática, ainda há muito o que realizar neste âmbito.

Mas nada disso abala os seguidores do Núcleo Umbandista Novos Caminhos. A energia do terreiro não muda um segundo. Músicas, danças e cantoria. Elementos da Umbanda que fazem a gira (cerimônia) purificadora e gratificante. Ao todo foram três horas de cerimônia com lotação total. Nenhum dos 70 participantes foi embora antes do encerramento. “A Umbanda é uma religião aberta”, resumiu Paulo Brunholi. “E acolhe a todos, dos curiosos aos que precisam de amparo”, complementou sua filha, Ana Luiza Brunholi.

SERVIÇO

Núcleo Umbandista Novos Caminhos
Onde?
Avenida Humberto Cereser, 5.815, Caxambú, Jundiaí
Quando? Giras às segundas-feiras
Tem dúvidas? Fale pelo Whatsapp (19) 97826–7466

Maria Julia Alvarez é aluna de Jornalismo da FAAP

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