COMO O METAVERSO PODE IMPACTAR A EDUCAÇÃO
Impulsionado pela pandemia, ensino virtual ainda tem muito caminho pela frente de acordo com especialistas
Bia Falcão
É impossível hoje imaginar um mundo sem tecnologia. E, para muitas pessoas e instituições, a vida conectada se intensificou com a pandemia de covid-19 e a necessidade de isolamento social. Na educação, o ensino online não para de ganhar adeptos. E como será com o desenvolvimento do metaverso, mundo digital interativo onde usuários interagem em ambientes que muitas vezes simulam a vida real por meio de avatares?
Um dos mais famosos “mundos” dentro do metaverso é o Second Life, ou SL. “O Second Life é um metaverso, um dos que tiveram mais sucesso até hoje e ainda existe, embora com um público bem menor, mas ainda atuante”, afirmou ao LabJor FAAP o professor da Escola Politécnica Romero Tori.
Coordenador do Laboratório de Tecnologias Interativas (InterLab) da USP, Tori é engenheiro, livre-docente em computação e tecnologias interativas e professor do curso a distância em Computação Aplicada à Educação, da USP São Carlos. Também estudado educação imersiva com uso de realidade virtual e aumentada e é autor do livro “Educação Sem Distância (Editora Senac, 2016) e de um blog de mesmo nome, em que publica artigos sobre uso de tecnologia na educação.
Para ele, o metaverso poderá ser um sucessor bem mais poderoso das webaulas e webconferências, em que muitas vezes os alunos não abrem as câmeras por medo de se expor e acabam se dispersando e realizando atividades desconexas da aula. De seu lado, o docente não recebe retorno do que está apresentando e tem dificuldade em saber se o conteúdo foi absorvido.
“As webconferências têm sido empregadas com muito sucesso na realização de reuniões profissionais, a ponto de muitas empresas terem decidido mantê-las mesmo após o fim das recomendações de distanciamento físico”, lembrou o professor no texto Metaversos e Avatares: O que são? Por Onde Andavam? Por Que Voltaram?”, publicado no blog Bett Educar.
“Nas escolas enfrentamos algumas dificuldades. A principal delas é a relutância, perfeitamente compreensível, de os alunos abrirem suas câmeras. Muitas vezes há problemas de conexão ou indisponibilidade de webcam. Há também questões de privacidade. Mas, mesmo quando um aluno se sente confortável e deseja se apresentar em vídeo, é comum ser constrangido por colegas a não fazê-lo. O fato é que a principal característica das videoconferências, que é prover uma sensação de aproximação e presença, não costuma ser aproveitada em atividades didáticas remotas.”
Pela perspectiva de quem ensina, essa situação também é desconfortável, segundo Tori, por perder o feedback visual dos alunos. “Em muitos casos, (o professor) fica com uma sensação de “falar para as paredes” ou para um ‘painel de letrinhas’, pois muitos alunos nem se dão ao trabalho de colocar sua foto no perfil do aplicativo de videoconferência.”
No metaverso, esses encontros educacionais dos usuários podem se dar por meio de avatares num mesmo espaço virtual. “Essa conexão entre pessoa humana e personagem virtual do metaverso é muito forte e é facilmente percebida pela maioria dos participantes desses ambientes, sendo similar à que ocorre quando controlamos o personagem de um game”, explica Tori. “A consequência é que o participante se sente imerso naquele mundo e, se utilizar óculos de realidade virtual, a sensação é ainda maior, muito próxima à de se ‘estar lá’ de fato. Ainda possibilita preservar a privacidade dos alunos, deixá-los mais à vontade, ao mesmo tempo que oferece maior percepção de presença e compartilhamento de um mesmo espaço e, principalmente, maior engajamento e atenção.”
A UNISINOS é uma das instituições de ensino que têm experimentado o metaverso. Professora e pesquisadora titular dos Programas de Pós-Graduação em Educação e Linguística Aplicada da universidade, Eliane Schlemmer conta que a universidade recebeu sua primeira “galáxia” — espaço num servidor para fins de pesquisa — ainda em 1998.
“O objetivo era experimentar o processo de aprendizagem em ação, na construção do conhecimento de forma colaborativa e cooperativa, onde a autonomia era o pano de fundo para movimentar a construção do mundo”, lembrou. “Iniciamos assim a construção do AWSINOS — primeiro mundo digital virtual em 3D da UNISINOS — , ao mesmo tempo que desenvolvíamos o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA UNISINOS). Nesse contexto, teve origem também o Grupo de Pesquisa Educação Digital.”
Modelado no computador e “habitado” por avatares de usuários, o mundo virtual AWSINOS foi desenvolvido por estudantes de graduação bolsistas de iniciação científica, mestrandos e doutorandos de diferentes áreas e se distribui a partir de vilas temáticas. Ao entrar nele, avatares encontram uma Praça Central, que dá acesso a uma Central de Teleportes e a várias vilas, como a da Aprendizagem.
Estudantes de Pedagogia, por exemplo, trabalharam com alunos de Letras na construção da Vila de Contos. Já professores de idiomas criaram a Vila do Unilínguas e o Clube de Idiomas. O Grupo de Educação Digital também passou a oferecer cursos de extensão à comunidade acadêmica, destinados a estudantes de graduação, pós-graduação e professores.
Segundo Eliane, em 2004, um ano depois de o Second Life ser criado, o grupo começou a experimentar o metaverso. “Foi com o Second Life que a tecnologia ganhou visibilidade na mídia, tanto que depois dos Estados Unidos o Brasil era o país com maior número de residentes. Isso acabou despertando um maior interesse na comunidade científica. Entretanto, não tínhamos uma iniciativa nacional focada no desenvolvimento da tecnologia de metaverso e as poucas pesquisas existentes dependiam da aquisição de espaço (terrenos, ilhas) nos servidores da Linden Labs, cujo custo era elevado para a realidade brasileira.”
Em 2006, foi iniciada a construção da Ilha UNISINOS, destinada a ser um espaço digital virtual de informação, comunicação e interação para a comunidade acadêmica. Nos anos seguintes, seriam desenvolvidos outros projetos no Second Life, como o Espaço de Convivência Digital Virtual da Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior (RICESU).
“As Ilhas UNISINOS E RICESU podem ser acessadas por toda a comunidade”, contou Eliane. “Pesquisas envolvem a criação de espaços e a exploração, experimentação e vivência desses espaços por alunos e professores. Na Ilha UNISINOS também são disponibilizadas informações gerais sobre a universidade, apresentadas dissertações de mestrado e realizadas reuniões digitais virtuais de grupos de pesquisa, exposições, eventos, dentre outros.”
Bia Falcão é aluna de Jornalismo da FAAP