TCCs 2022

Como São Paulo se tornou a capital brasileira do grafite

Em cinco décadas, arte de rua paulistana passou por momentos conturbados, mas transformou cidade em galeria a céu aberto

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Maria Paula Andrade

Grafite feito por Kobra em Pinheiros. Foto Instagram Kobra. Foto: Maria Paula Andrade

Considerada a capital do grafite no Brasil, com alguns dos melhores grafiteiros do mundo, São Paulo é uma cidade cheia de contrastes e isso também se reflete na arte. Nela o grafite pode ser encontrado em diversos lugares, desde os bairros mais afastados até o centro da cidade, em pequenos espaços a grandes murais. E cada artista tem seu próprio estilo e sua forma de expressão. Alguns grafites são mais simples, outros mais elaborados. Mas todos têm um objetivo em comum: expressar a arte de forma livre e sem censura, usando a paisagem urbana como suporte.

A palavra grafite vem do italiano graffito, que significa riscado. No Brasil, o manifesto do grafite surgiu em 1970 por grupos minoritários. Apesar de um ter se originado do outro e embora sejam frequentemente confundidos, grafite e pichação são bem diferentes. Enquanto o grafite é considerado uma forma de arte, a pichação é vista como um ato de vandalismo. Isso se deve ao fato de que, geralmente, a pichação é feita com o objetivo de causar danos ou deixar uma marca indesejável, enquanto o grafite é criado com o intuito de ser esteticamente agradável.

Autora do livro Poesia do Acaso na Transversal da Cidade, a documentarista Cristina Fonseca conta que o grafite surgiu na capital paulista na década de 1970 como uma manifestação jovem universitária, em torno da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC), com frases e poemas estilizadas. “No começo não havia diferença entre grafite e pichação, porque o grafite era uma manifestação radical que acontecia de forma rebelde e fora da lei. Os grafiteiros eram perseguidos pela polícia.”

Grafite de Zezão numa empena-cega de prédio do Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, na região central de São Paulo. Foto: Maria Paula Andrade

Hoje, enquanto o grafite costuma ser feito em espaços públicos autorizados, como muros e portas de estabelecimentos comerciais, a pichação é feita sem permissão em qualquer tipo de superfície, como paredes, postes, bancos e outros. Mas artistas de rua, pichadores e grafiteiros têm um ponto de vista em comum: todos são artistas urbanos que usam a cidade como tela para suas obras de arte. Eles enxergam a cidade como um lugar de possibilidades criativas, no qual paredes e espaços públicos podem se transformar em grandes galerias ao ar livre. Para eles, a cidade é um lugar vivo e dinâmico, cheio de possibilidades criativas.

Segundo Cristina, enquanto a pichação tem conotação de protesto, o grafite surgiu como uma rebelião jovem com o objetivo de ocupar paredes na cidade com letras, palavras e desenhos, não importando se eram “mensagens de ódio, trechos de poemas ou manifestações desenhadas”.

Muro do Beco do Batman, na Vila Madalena, zona oeste paulistana. Foto: Maria Paula Andrade

O grafite já passou por momentos conturbados. O mais recente aconteceu em 2017, quando o então prefeito João Doria realizou o projeto Cidade Linda, com o intuito de resgatar o padrão estético da cidade de São Paulo, e operários cobriram de tinta cinza um mural de grafite de 15 mil metros que havia sido feito dois anos antes na Avenida 23 de Maio por cerca de 200 artistas, incluindo osgemeos, Nina Pandolfo, Nunca e Finok.

A grafiteira e tatuadora Milka vive na pele a dificuldade de obter reconhecimento para seu trabalho em São Paulo. “Na minha percepção, a arte urbana brasileira é reconhecida em outros países. Mas no Brasil além de as leis culturais terem cada vez menos investimento seu reconhecimento se dá na maioria das vezes como vandalismo, e os artistas acabam tendo seu trabalho sucateado”, destaca.

Para ela, a importância do grafite é justamente ser acessível, fazendo com que a arte contemporânea esteja nas ruas da mesma forma em que está em galerias e locais privados.

Grafite realizado pelo artista Tec no Minhocão. Foto: Maria Paula Andrade

“Em um museu ou uma galeria, você tem que trabalhar com a opinião de pessoas que estudaram e sabem de arte. Quando você trabalha na rua, é muito mais divertido: você enfrenta críticas de pessoas que gostam e que não gostam por ser um espaço público. Acho muito mais sincero. As pessoas não foram para a rua ver a arte, a arte pegou as pessoas de surpresa, então a relação é totalmente diferente”, compara o grafiteiro Tec sobre a experiência de divulgar sua arte nas ruas e nas galerias.

Alguns estilos de grafite são mais fáceis de serem introduzidos em galerias do que outros. E podem representar a valorização comercial de obras e estilos de grafiteiros. Apesar de serem meios diferentes, é possível que o grafiteiro consiga obter sucesso tanto na rua quanto nas galerias, desde que saiba interagir com os mecanismos que regem cada um deles.

A mudança do grafite para as galerias provocou consequências de acordo com o autor Bourdieu, uma delas é o diálogo entre o artista e o público. Apesar de serem meios diferentes, é possível que o grafiteiro consiga obter sucesso tanto na rua quanto nas galerias, desde que saiba interagir com os mecanismos que regem cada um deles, transformando as formas de expressão, assim como as regras e os padrões estéticos, que mudam quando estão dentro das galerias.

Galeria da Rua, no Beco do Batman, e Exposição Urbana, do artista Tec, no Museu da Arte Brasileira/ FAAP. Fotos: Maria Paula Andrade e Instagram Tec

*Esta reportagem foi feita a partir do trabalho de conclusão do curso de Jornalismo na FAAP de Maria Paula Andrade. Intitulado ‘O grafite pelos meus olhos’, teve orientação do Prof. Carlos Gomes.

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