Crise, desafios pós-covid, inclusão feminina: o cinema nos dias atuais

Terceira edição de Diálogos na Web, realizado pela FAAP, teve participação da diretora Anna Muylaert e da atriz Denise Fraga

LabJor
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4 min readJun 2, 2020

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pedro a duArte

Em tempos de quarentena e ensino remoto, os tradicionais eventos da FAAP também migraram para a internet. Iniciativa dos alunos de Cinema, a série Diálogos na Web FAAP promove conversas virtuais com convidados da área toda terça-feira às 16 horas. Mediado pelo professor e coordenador do curso, Humberto Neiva, o encontro com a diretora de cinema Anna Muylaert (de Que Horas Ela Volta?) e a atriz Denise Fraga (de De onde eu te vejo), no dia 26 de maio, discutiu dos desafios causados pela pandemia do novo coronavírus à presença da mulher nos sets de filmagem.

A diretora Anna Muylaert. Foto: Janine Moraes

A metáfora de um disco de vinil foi usada por Anna Muylaert para explicar o processo de direção de um filme. Para ela, o diretor é o buraquinho no centro do LP. “Você tem de estar coberto, ao mesmo tempo centrado e, em volta de você, tudo tem de girar. Não em torno de sua vontade ou autoridade, mas de tudo o que você estudou e sabe sobre o filme”, comparou. “Uma boa diretora é aquela que está preparada, confiante — em si mesma, na equipe e na história que vai contar — e que sabe incluir as pessoas da equipe e sabe ouvi-las.”

Anna disse dar grande importância aos ensaios de cenas importantes, depois que os atores terminam de construir seus personagens. No que foi seguida por Denise. A atriz também considera essencial os ensaios e as conversas com o diretor para entender melhor a história que vão contar juntos.

A inclusão das mulheres no audiovisual foi outro tema abordado pelas convidadas. Nos últimos anos, elas vêm ganhando mais cargos de liderança. Anna contou que não costumava se preocupar muito com o assunto uma vez que as equipes de seus filmes sempre foram majoritariamente femininas. Em vez de militância, chamava essas profissionais pelo talento. Hoje em dia, no entanto, ela diz também ter percebido a importância de se lutar pela equiparação entre homens e mulheres no meio.

Denise concordou e reforçou a importância de sempre se perguntar: “Se eu posso colocar uma mulher aqui nessa equipe cheia de homens, por que é que eu vou colocar mais um homem?”. "Com isso, você vai modificando, vai trazendo o elástico para o outro lado e faz diferença. Isso é de nossa responsabilidade", afirmou.

A atriz Denise Fraga. Foto: Cacá Bernardes

Outro assunto debatido no Diálogos na Web foi o papel da arte diante da atual realidade política. Denise comentou sobre a atualidade do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898–1956). "Suas obras ainda dizem muito sobre quem nós somos", lembrou. "Ele é um autor que versa sobre essa dificuldade que é viver, é um escritor que se pergunta 'que ética resiste à fome?', um dilema constante para nós que vivemos na sociedade do capital." Mas ela disse que o que mais gosta em Brecht é a maneira como ele consegue chegar às pessoas valendo-se de histórias folhetinescas e de ingredientes de entretenimento e humor. "Ele faz com que as pessoas reflitam sobre a sociedade em que vivemos e sobre quem nós somos. Brecht nos convoca, através de suas obras, a transformar a História, interferindo nela."

Quanto à crise do cinema nos últimos anos, Anna comparou o atual momento ao do governo Fernando Collor de Mello (1990–1992), que fechou a Embrafilme. Com a diferença de que naquela época não havia muita coisa no setor do audiovisual, ao passo que hoje vários serviços de streaming têm investido em produções brasileiras. Sua visão então é mais otimista. "Apesar dos desmontes no audiovisual desde o governo Michel Temer (2016–2018), os alunos ainda terão com o que trabalhar quando saírem da faculdade."

A diretora contou que no período Collor tanto ela quanto colegas migraram para a literatura, o teatro ou a publicidade por não terem mais trabalho no cinema. Mas as dificuldades acabaram no final sendo benéficas pois os fizeram aprender outras técnicas, artes e formas de gravar que eles aplicaram em seus filmes após retornarem ao cinema.

Já Denise destacou ser importante relembrar o público de que o cinema é feito para o público e, ao empregar tantas pessoas, aquece a economia — por isso a importância dos incentivos governamentais. Também lembrou que a arte sempre resistiu a crises e guerras e é nesses momentos que ela se torna salvadora: agora com as pessoas encerradas em casas, por exemplo, a arte tem servido de acalento.

E o que vai mudar no cinema depois da pandemia do novo coronavírus? Anna não sabe dizer como será quando as salas reabrirem e as gravações recomeçarem. "Todo o setor está prestando atenção nos protocolos de países que estão saindo da quarentena para ver se eles poderão ser aplicados no Brasil", contou. Ela afirmou também que vários diretores e roteiristas têm ajustado trabalhos que vinham fazendo antes da pandemia uma vez que a doença mudou completamente a forma de as pessoas se relacionarem com o mundo. "Não é possível ignorar esta realidade nas obras de arte que estamos produzindo agora e que produziremos depois", explicou.

Denise Fraga e Anna Muylaert participam do encontro 'Diálogos na Web'. Foto: Humberto Neiva

Formado em Cinema, pedro a duArte é aluno de Jornalismo da FAAP

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