TCCs 2022

Da época das cavernas à realidade aumentada: como a pornografia evoluiu ao longo do tempo

Com avanço da tecnologia e ferramentas mais rápidas e especializadas, consumo de materiais eróticos também mudou

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Maria Beatriz Barboza

A evolução da pornografia ao longo dos anos. Ilustração: Maria Beatriz Barboza

A história da pornografia é tão antiga quanto a época das cavernas. As mesmas pinturas rupestres que permitem hoje saber como viviam os ancestrais humanos resguardaram também diversas imagens eróticas, menos conhecidas e discutidas do que as dos animais ali representados, mas que suscitam questões do tipo: para que eram usadas? Em que contexto que foram criadas?

“A partir do momento em que os seres humanos desenvolveram ferramentas de expressão, eles as usaram para satisfazer um desejo de representar a sexualidade humana para que outros a experimentassem”, diz Patchen Barss, autor do livro ‘The Erotic Engine’.

Pintura rupestre representando o ato sexual, na Serra da Capivara, no Piauí. Foto: Alexandre Linares | Flickr

De lá para cá, materiais que buscam estimular a prática sexual foram historicamente acompanhando o processo de tecnologização da impressão, responsável por conferir às produções literárias do gênero o caráter de produção e consumo em massa. Assim, aproximou-se da chamada indústria cultural, produtora de bens padronizados e distribuição em maior escala, e possibilitou o estabelecimento da pornografia como indústria.

Márcio Medeiros, professor e sociólogo formado pela Universidade Federal de Santa Maria, diz que existe uma confusão entre erotismo e pornografia. Para ele, o erótico é natural do ser humano e toda cultura tem uma concepção de erótico, daquilo que desperta o prazer.

“Se você ler textos de Eros na Grécia antiga, vai ver que têm a ver com o desejo que é construído na pessoa a partir de interações sociais concretas. Então há sempre um recorte sociotemporal. Por exemplo, na Idade Média as mulheres mostravam o tornozelo e era algo erótico. Hoje em dia dificilmente alguém vai achar isso, dado o mundo que a gente vive.”

Foi somente com o advento da fotografia em 1850, com os chamados daguerreótipos, que ocorreu o surgimento da indústria pornográfica moderna. A fotografia captura a realidade. Antes dela, todas as representações de paisagens, retratos e cenas de sexo dependiam da imaginação, da memória e da interpretação do criador.

A partir dos anos 1960, a pornografia passou a romper com a representação velada dos atos sexuais e foi se tornando cada vez mais explícita, demonstrando mais uma vez sua capacidade de modificação e adaptação.

Márcio lembra que tabus sexuais permearam a sociedade desde a Idade Média, sobretudo por influência religiosa. E é nesse contexto de grande repressão sexual que no século 20 surgiu o movimento de liberação sexual.

“É aí que começam a surgir a pílula anticoncepcional, os métodos anticoncepcionais como um todo, e o sexo deixa de ser algo reprodutivo, feito também para o prazer feminino, já que o masculino sempre aconteceu.”

Para o sociólogo, até esse momento não existia necessariamente uma concepção de pornografia, mas, conforme a sociedade foi flexibilizando o que podia ou não ser mostrado, começou-se a abrir espaço também para o pornográfico. E também sob um ponto de vista mercadológico.

“A pornografia foi como um efeito colateral desses movimentos de emancipação, de liberdade sexual, que acabaram surgindo na década de 1960. E é aí que a gente vai ter essa questão da construção da pornografia com vídeos e tudo mais. Começa-se a ter mais abertura para falar de sexualidade, para mostrar o erotismo de forma mais explícita, e surgem as revistas, depois os programas de televisão, os filmes, começam a aparecer mulheres com menos roupa e aí começa-se a se aventar essa ideia de fazer filmes adultos”, explica Márcio.

LUZ, CÂMERA E SEXO!

Apesar de a pornografia estar sempre acompanhando o desenvolvimento de uma nova tecnologia, ela pareceu estagnada nos primeiros anos do cinema. Poucos filmes dessa época tinham sons e cores e havia uma condenação severa a esse tipo de material na sociedade: as consequências de produzi-lo ou vendê-lo eram tão rígidas que os produtores decidiram mantê-lo o mais simples possível. Fazer filmes adultos nesse tempo tampouco era muito lucrativo: devido ao alto custo dos equipamentos necessários para sua produção, era preciso que um grande público consumisse o material para que o investimento valesse a pena.

O surgimento das chamadas “peep booths” permitiu que os conteúdos pornográficos fossem consumidos de forma individual. Os homens não precisavam mais se reunir com conhecidos e desconhecidos para assistir a um filme pornô. A partir daí, o usuário entrava em uma cabine independente, fechava a porta, inseria uma moeda e assistia a dois minutos de projeção de um filme trêmulo em uma tela pequena. Em seguida, a cabine ficava escura e, se o usuário quisesse assisti-lo mais uma vez, precisava pagar novamente. O lucro dessas cabines era surpreendente — um loop custava cerca de US$ 8. Mais de US$ 2 bilhões foram gastos nessas cabines na década de 1970.

Em 1972, estrou o filme pornográfico Garganta Profunda (Deep Throat), o primeiro a ultrapassar a linha entre o cinema pornô e o cinema mainstream. O filme foi o primeiro a mostrar cenas de sexo explícito nos cinemas tradicionais, ao contrário de seus concorrentes, que permaneciam na clandestinidade. Com orçamento de US$ 25 mil — valor alto para uma produção pornográfica na época — , a obra contava com outras novidades, como a apresentação das personagens inseridas em um enredo.

Pôster do filme ‘Garganta Profunda’, com Linda Lovelace (1972). Foto: Adriana Scarpin | Flickr

Garganta Profunda foi o pontapé inicial para modificar a maneira como as pessoas e a indústria do entretenimento encaravam o cinema pornô. Em seu ano de lançamento, a obra arrecadou mais de US$ 90 milhões ao redor do mundo, tornando-se o filme mais lucrativo da história do cinema pornográfico. Estimativas apontam que seu faturamento total tenha ultrapassado os US$ 600 milhões.

Em 1976, o videocassete foi lançado e indicou um dos eventos mais significantes na indústria de filmes adultos da história. O VHS reduziu o custo de distribuição e tornou a produção mais barata, o que ajudou a expandir a audiência de filmes pornográficos.

Surgiram também as câmeras portáteis. Além da portabilidade, as filmadoras ficaram mais baratas e ganharam mais recursos. Pornógrafos profissionais começaram a produzir exponencialmente mais filmes a um custo muito inferior do que até então era possível. E a eles se juntaram uma nova força no pornô: os amadores.

A democratização que se iniciou com os filmes pornográficos amadores alcançou seu apogeu com a internet e plataformas como YouTube, em que nem a tecnologia nem o talento representam qualquer barreira para a produção de filmes.

Além de terreno fértil para um comércio mais pervertido e barato da pornografia, a web é também o lugar onde as pessoas encontram novos tipos de conexões emocionais e de liberação sexual. O poder criativo da representação sexual não está somente enraizado no desejo de estimulação erótica, mas encontra forças no desejo de obter novas maneiras de se conectar intimamente com outras pessoas.

Para a médica e pós-graduanda em terapia e educação sexual Monica Verdier, a pornografia digital tem pontos positivos e negativos. Os positivos se concentram na exploração de fantasias sexuais, da conexão da pessoa com a própria sexualidade. No âmbito negativo, ela aponta a forma deturpada com que a relação sexual é apresentada nos vídeos pornográficos, mostrando padrões estéticos que não são saudáveis nem alcançáveis.

“Além de ser uma pornografia muitas vezes cis heteronormativa, costuma incluir uma pornografia que envolve duas pessoas com vulva, duas mulheres geralmente mostradas de forma muito objetificada, e sempre envolve uma penetração, uma coisa fálica. Então acaba objetificando a própria mulher cis lésbica de não ter um lugar onde ela possa ver um sexo lésbico posto de maneira real. E mesmo o sexo cis heterossexual não é demonstrado muitas vezes de maneira real.”

A popularização dos smartphones e da conectividade móvel ainda tornou possível iniciar, em qualquer lugar e a qualquer momento, práticas sexuais com uma ou mais pessoas por meio de live shows, webcam chats, aplicativos de namoro e, mais recentemente, a pornografia em modelagem 3D, em que se pode simular o sexo independentemente se se tem ou não um parceiro real.

O empresário Anderson sabe bem o que é isso. Casado e cristão, ele conta que sempre consumiu pornografia, mas com a tecnologia esse uso se estendeu até ao horário de trabalho na empresa. A experiência resultou num livro, em que procura ajudar outras pessoas a se livrarem do vício em pornografia.

“Teve um momento em que eu já não conseguia desempenhar mais meu trabalho, não desempenhava meu papel em casa nem na igreja. Até que decidi contar para minha esposa”, lembra.

Na era das redes sociais e dos influenciadores digitais, o desejo de consumir conteúdo “sob medida” ou personalizado molda também novas formas de consumo. Mas a própria tecnologia em que a indústria pornográfica tanto apostou tem também seu outro lado: desde que os “tube” sites dizimaram o antigo sistema de produção de filmes eróticos por meio da pirataria e de vídeos gratuitos sem fim, a indústria pornográfica se viu diante do desafio de torná-la lucrativa novamente. Atores tiveram salários reduzidos, performers do sexo se tornaram freelancers. E mais uma vez o mundo da pornografia precisará evoluir e se reinventar.

*Esta reportagem reúne informações do site ‘Eros no Digital’, apresentado por Maria Beatriz Barboza como trabalho de conclusão do curso de Jornalismo na FAAP e orientado pelos Profs. Drs. Rodrigo Petrônio e Diogo Bornhausen.

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