Editorial

Corrupção: essa velha história

LabJor
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8 min readNov 22, 2017

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Foto: Aaron Burden (Unsplash)

Apesar da notoriedade, a Lava-Jato está longe de ser a primeira operação que investiga a corrupção no Brasil, envolvendo lavagem de dinheiro a partir de obras públicas. A semelhança da atual investigação com a Operação “Anões do Orçamento”, no final dos anos 80, não é mera coincidência, e nos lembra da máxima “nada se cria, tudo se copia”.

Na ocasião, 37 deputados do PMDB e PTB foram acusados de cobrar propina para favorecer empreiteiras em contratos de obras públicas. O montante desviado circunda R$ 800 milhões, no entanto, ninguém foi preso, tendo resultado apenas em cassações e renúncias por parte dos acusados.

O próximo escândalo a ser listado foi conhecido como “Jorgina de Freitas”, procuradora previdenciária responsável por fraudar o INSS na importância que superou R$ 1 bilhão, que na época equivalia à metade de toda a arrecadação do Órgão Previdenciário. O arranjo foi descoberto em 1991. Jorgina fugiu do país, sendo capturada, anos mais tarde, na Costa Rica.

No ano seguinte, um novo incidente envolvendo irregularidades na construção do TRT em São Paulo ganhou as páginas policiais. O Juiz Federal Nicolau dos Santos Neto e o ex-Senador Luis Estevão desviaram mais de R$ 2 bilhões por meio de licitação fraudulenta na construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo. Em 2016, o ex-Senador e Juiz foram finalmente presos, condenados a 25 anos de prisão.

Em 1996, entraram em cena dois dos principais personagens do contexto atual. O doleiro Alberto Youssef e o Juiz Sérgio Moro protagonizaram mais um momento da vasta história da corrupção brasileira. O Banestado, Banco do Estado do Paraná, foi investigado pelo envio de recursos ilegais ao exterior. Com a instalação da CPI, deputados puderam verificar desvios da ordem de R$ 30 bilhões. A Operação “Banestado” marcou a primeira delação premiada do famoso doleiro do PT.

Em 2007, houve a descoberta de um esquema envolvendo, mais uma vez, uma empreiteira, que desviou mais de R$ 1 bilhão através de emendas parlamentares, e se expandiu para dez Estados, subtraindo verbas de quatro Ministérios, e ficou conhecido como “Navalha na Carne”.

Um novo capítulo na história da cólera brasileira teve início anos mais tarde. Em 2015, tivemos um boom de operações que contribuíram diretamente para o desastre econômico e estrutural em que vivemos:

· “Operação Fundos de Pensão”, investiga a aplicação incorreta dos recursos e gestão temerária dos fundos de previdência complementar de funcionários estatais e servidores públicos, entre os anos de 2003 e 2015, responsável por um prejuízo superior a R$ 77 bilhões que os fundos acumulam hoje;

· “Operação Zelotes”, apura o pagamento de propina por parte de empresários, com o intermédio de lobistas, para anular multas aplicadas pela Receita Federal, gerando um prejuízo estimado, até o momento, de R$ 19 milhões, e; por último, mas não menos importante,

· “Operação Lava Jato”.

É importante ressaltar que todas essas investigações estão intrinsecamente ligadas, seja pelos personagens ou pelo modus operandi.

Os números da Lava Jato segundo o site do MPF

Conhecida como a mãe das Operações, a Lava Jato apresenta números extremos, envolvendo a maioria dos partidos políticos nacionais, bem como as maiores empreiteiras do país, no mais descarado esquema de corrupção já investigado. Ela foi responsável por levar a público uma das mais disciplinadas organizações criminosas já investigadas, que visava o desvio de dinheiro através de licitações fraudulentas envolvendo contratos firmados com a Petrobras.

Embora as investigações já estivessem em estágio avançado em 2014, elas só vieram a público com a prisão de Alberto Youssef (ver perfil do doleiro nessa edição link), em 14 de fevereiro do mesmo ano. A delação premiada do doleiro foi o estopim para o desenvolvimento das novas fases que a operação iniciaria a partir deste ponto.

Tem-se registro que esse esquema vem, há pelo menos 10 anos, unindo grandes empreiteiras à altos executivos da Petrobrás e agentes públicos. Esse conluio só foi possível graças a operadores financeiros, incluindo o doleiro, que negociavam os subornos repassados aos envolvidos.

As empreiteiras se organizaram formando um cartel para substituir uma concorrência real por uma concorrência aparente, cujos preços já haviam sido acordados, com o objetivo de celebrar contratos superfaturados, em detrimento dos cofres estatais.

Segundo relata a Polícia Federal sobre o caso em sua página na internet, “O cartel tinha até um regulamento, que simulava regras de um campeonato de futebol, para definir como as obras seriam distribuídas. Para disfarçar o crime, o registro escrito da distribuição de obras era feito, por vezes, como se fosse a distribuição de prêmios de um bingo”.

Os funcionários públicos, por sua vez, ajudavam para que o esquema não fosse descoberto, impedindo a entrada nas licitações de empresas que não faziam parte do cartel.

Conforme aponta o Ministério Público Federal, levantamentos da própria Petrobras mostram que eram feitas negociações diretas injustificadas, celebravam-se aditivos desnecessários e com preços excessivos, aceleravam-se contratações com supressão de etapas relevantes e vazavam informações sigilosas, dentre outras irregularidades.

Aos operadores financeiros ficaria a função de intermediar o pagamento da propina e distribui-la disfarçada de dinheiro limpo aos beneficiários em espécie ou através de movimentações no exterior, por meio de contratos simulados com empresas de fachada ou mediante pagamento de bens.

Os números referentes às investigações, como mostrado acima, são estarrecedores. Entretanto, as consequências advindas da operação são ainda mais alarmantes. No aspecto financeiro, a Lava Jato, até o momento, revelou que mais de R$ 38 bilhões foram desviados dos bancos públicos a partir de esquemas fraudulentos.

Houve conjuntamente um impacto imediato na economia, uma vez que a maioria das grandes empreiteiras e a Petrobrás eram o epicentro das investigações, paralisando setores importantes como o de combustíveis e o da construção.

O esquema desarticulado pela operação fez resvalar estilhaços por todos os lados. A delação da empreiteira Odebrecht, conhecida como “a delação do fim do mundo”, possibilitou a abertura de investigação contra 39 deputados, além de 8 ministros e 3 governadores.

O envolvimento de políticos e agentes públicos abalou as estruturas do Poder Executivo e do Legislativo. Segundo o ex-Ministro da Educação Renato Janine, em entrevista exclusiva ao LabJor FAAP, a credibilidade das instituições brasileiras está arruinada: “As instituições estão fraquíssimas no Brasil. Nós tivemos um Poder Executivo que foi se enfraquecendo, a Presidente eleita foi demolida ao longo de 2015, e o sucessor dela está com uma imagem ainda pior que a dela”.

Ainda sobre o tema, Janine afirma que “o Legislativo ocupou o lugar do Executivo quando da presidência do Eduardo Cunha na Câmara, mas a própria suspensão do mandato e posterior cassação, condenação e aprisionamento de Cunha mostram que o Legislativo está muito fraco e o que ele tem feito no sentido de proteger os seus nomes, como agora com o Senador Aécio, só aumenta a desmoralização deles. O Supremo Tribunal assumiu toda uma parte desse vazio deixado pelos dois poderes eleitos, pelos dois poderes propriamente democráticos, mas com uma lentidão gigantesca e fazendo tudo muito devagar e de forma, às vezes, muito questionada. Nenhuma delas, hoje, é um sinal de retomada (da confiança dos brasileiros nas instituições).”*

Movidos pela enormidade de notícias que nos assola, o LabJor FAAP entra em cena no universo jornalístico justamente desenvolvendo algumas das causas e efeitos dessa terra devastada:

1 — Para literalmente entrar no jogo da política, criamos um Quiz para “medir” o “índice de corrupção individual” dos leitores. Neste jogo você poderá ir do corretíssimo Lineu, personagem do seriado “A Grande Família” ou se ver já tendo atravessado para o lado negro da força, com Darth Vader. Mostre que você é ficha limpa (ou não).

2 —O jogo proposto pelo LabJor FAAP foi uma maneira humorada de entrar no debate sobre a corrupção “cotidiana”. Afinal, não se pode ignorar a relação entre a representação que nós temos e os valores que nos guiam todos os dias. Mas essa não é uma relação tão simples e direta. Para elucidá-la, o filósofo e professor Luiz Bueno, em “A corrupção nossa de cada dia, aborda a questão trazendo autores que nos fazem compreender a corrupção da ordem moral a partir do esgarçamento dos vínculos sociais. Nessa perspectiva, o extremo individualismo ou a forte presença do Estado na “resolução” dos problemas sociais se constitui como uma falsa oposição. Já em “Os vilões estão ganhando. E agora?, Thiago Costa faz uma interessante comparação entre os vilões da ficção e os vilões da vida real.

3—Bem, e se você desejar compreender a que crimes se refere cada pergunta do Quiz, confira aqui.

4 — O filósofo e professor de Política e Ética na USP, Renato Janine Ribeiro recebeu a reportagem do LabJor FAAP em sua casa. Nessa entrevista, o ex-Ministro da Educação fala de seu mais novo livro A Boa Política , sobre os tipos de corrupção que chama de antiga, moderna e pós-moderna, sobre a miséria como a pior corrupção ética do país e ainda sobre a operação Lava Jato.

5— Em Raízes (da corrupção) no Brasil, Mônica Rugai, coordenadora do curso de Jornalismo da FAAP, entrevista o Professor de Sociologia e Geopolítica, José Correa Leite e aborda os aspectos que trouxeram o Brasil para a atual crise política.

6 — A fim de esclarecer como a corrupção surgiu e ganhou cadeira cativa na política brasileira, o LabJor FAAP entrevistou o professor da Faculdade de Comunicação e Marketing FAAP, Martin Cezar Feijó, que fez um panorama histórico a partir da colonização portuguesa até os tempos atuais.

7 — Na entrevista com Marcio Pestana, coordenador do curso de pós-graduação em Direito Administrativo da FAAP, o professor, que também é autor do livro Lei anti-corrupção, aponta as fragilidades dessa lei promulgada em 2013.

8— Em “A Criminalização da Defesa, Diego Bonetti e Marina Verenicz conversam com os especialistas em Direito Penal, Marcelo Feller e Paola Forzenigo, sobre princípios jurídicos, como o direito de defesa, e as principais dificuldades do exercício da advocacia diante da abordagem da imprensa e a exposição à opinião pública.

9 — Quem é Youssef? Personagem central e estopim de grande parte da investigação, seu histórico já está quase encoberto pelo mar de lama que ele evidenciou. Neste perfil, a reportagem do LabJor FAAP, a partir do que já se divulgou na imprensa sobre o doleiro, faz uma síntese da sua vida: da adolescência ao protagonismo na operação.

10 — Na matéria A Economia brasileira e a corrupção”, Larissa Rufato entrevista os economistas Paulo Dutra, Orlando Fernandes e Eduardo Mekitarian, que explicam os impactos da corrupção na economia brasileira e as perspectivas para uma desejada retomada econômica.

11 — Em Meio-ambiente, uma pauta em extinção, Pedro Knoth resume a política de negociação ruralista que parece tornar o Governo Temer refém do comércio de florestas, reservas e recursos naturais.

12 — Os jornalistas Alberto Bombig, Diretor Executivo do Estadão, e João Gabriel de Lima, e ex-diretor de redação da revista Época e professor de Jornalismo da FAAP, expõem Os bastidores da notícia em meio ao emaranhado de informações presentes na pauta jornalística.

13— O LabJor FAAP foi às ruas conversar com algumas pessoas sobre como elas percebem, interpretam ou assimilam esse fluxo diário e contínuo de notícias sobre corrupção. Além disso, aproveitamos nossa conversa com os jornalistas Alberto Bombig e João Gabriel de Lima, de “Os Bastidores da Notícia”, para darem um pitaco sobre essa questão. Você confere o resultado na reportagem de Diego Bonetti e Marina Verenicz, Um mar de notícias sobre um mar de lama”.

14 — Finalmente, o LabJor FAAP perguntou a quase todos os entrevistados desse especial sobre corrupção: Nós podemos ou devemos ter esperança?.

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